Verba relativa ao intervalo para refeição e descanso tem natureza salarial
Por Luiz Manoel Guimarães
A 6ª Câmara do TRT da 15ª Região deu provimento ao recurso ordinário de uma trabalhadora, em processo movido contra uma empresa que fabrica e vende roupas masculinas, e determinou o pagamento das repercussões legais do intervalo para repouso e alimentação não concedido pela reclamada à autora. O relator do acórdão, desembargador Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, fundamentou o voto na Orientação Jurisprudencial (OJ) 354 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a qual confere natureza salarial, e não indenizatória, à verba relativa ao intervalo, devendo ela repercutir, assim, no cálculo das demais verbas (13º salário, FGTS, aviso prévio, férias e descanso semanal remunerado).
O colegiado também rejeitou a suspeição, alegada pela ré, de uma das testemunhas da trabalhadora. “O exercício de um direito constitucional, o de ação, não torna alguém suspeito, sem isenção de ânimo, e tendente a ocultar a verdade ou distorcê-la. O fato de um ex-empregado haver ajuizado reclamatória contra aquele que foi seu empregador e ser chamado para testemunhar, em outra ação, por alguém que foi sua testemunha, por si só macula ambos os testemunhos, tirando-lhes qualquer valor probatório?”, questionou o relator, que, no que diz respeito a esse item do debate, fundamentou o voto na Súmula 357 do TST.
Giordani não poupou críticas à tentativa da reclamada de desqualificar o depoimento da testemunha da autora. “A se emprestar valor a esse entendimento, e por uma questão de coerência, também se deveria desmerecer os testemunhos prestados por aqueles que ainda são empregados da parte reclamada, tendo-se que, testemunhando em favor do empregador, iriam querer agradá-lo, temerosos de perder o emprego”.
A testemunha da reclamante foi impugnada por ser, na alegação da empresa, amigo íntimo da reclamante, bem como por ter “interesse na causa”. Todavia, a testemunha retrucou, sustentando que conhece a reclamante apenas do ambiente de trabalho, que não teve com ela nenhum relacionamento pessoal, inclusive amoroso, e que não frequentava a casa da autora. Acrescentou ainda não ter interesse no resultado da ação. A própria testemunha da reclamada, embora tenha dito que havia comentários no sentido de que a testemunha e a reclamante mantinham “um relacionamento fora da loja”, admitiu nunca ter visto nada que confirmasse isso. “Impõe-se manter a decisão de Origem, no sentido de rejeitar a contradita, já que não provada a amizade íntima entre reclamante e testemunha, algum relacionamento amoroso, bem como que a testemunha freqüentasse a casa da reclamante, nem que houvesse convívio fora do âmbito profissional”, concluiu o desembargador.
Quanto à alegada “troca de favores” entre a testemunha e a autora, a reação do relator foi ainda mais incisiva. “Imagine-se a hipótese, certamente não cerebrina, em um País como o nosso, de tantas e tantas empresas e casas de comércio de pequeno porte, de uma pequena empresa que conte com apenas dois empregados, ambos mourejando em regime de longas horas extras, sem a respectiva remuneração (...) esses dois empregados estarão, então, sem meio algum de postular o recebimento das horas extras então prestadas, e a respeitante dadora de serviço nem precisará se preocupar com o fato de tê-los feito labutar em regime extraordinário, sem a devida contraprestação”, exemplificou Giordani. “Não estou afirmando que não pode alguma vez ocorrer de um empregado se mancomunar com outro (...) o que não consigo admitir é a ideia de que, automaticamente, quando dois empregados ajuízam reclamatória contra seu empregador, se um for testemunha do outro haverá troca de favores, um querendo favorecer o outro, e ambos querendo prejudicar seu empregador.”
Além disso, o desembargador observou que “não há prova, robusta e sólida, nos autos, de que a ora reclamante tenha, efetivamente, atuado como testemunha no feito que a sua testemunha propôs contra a recorrente, uma vez que a testemunha assegurou que a reclamante, embora tenha comparecido para tal, acabou não prestando depoimento na ação em que a testemunha é autor”.
Quanto à prova oral produzida pela ré, a Câmara também seguiu o entendimento do juízo de 1º grau – 3ª Vara do Trabalho (VT) de Campinas –, que considerou “imprestável” o depoimento da testemunha indicada pela empresa. O juízo da VT apontou a contradição entre o depoimento prestado pela testemunha no processo em questão e o que foi dito por ela quando inquirida pelo juízo da 2ª VT da cidade em outra ação. A tentativa da empresa, de fazer a Câmara crer que não eram respostas diferentes às mesmas perguntas, mas, sim, “a mesma resposta dita de maneiras diferentes”, não convenceu. Na 2ª VT de Campinas, a testemunha afirmou que, no final de ano, nas semanas que antecediam o Natal, os funcionários da loja cumpriam jornada de trabalho em dobro, em relação ao horário normal. Disse também que a comissão paga aos vendedores era de 4% e que eram feitas revistas, mas que, quando as funcionárias eram revistadas, seus pertencentes não eram tocados. Já no depoimento prestado ao juízo da 3ª VT, a mesma testemunha negou a ocorrência das revistas e afirmou que o percentual da comissão era de 3,5% e que não havia mudança na jornada de trabalho na época de Natal. “Verificada a ocorrência de contradições entre depoimentos das partes e/ou testemunhas, ainda que em processos distintos, não se verifica a ocorrência de cerceamento de defesa se se dá, pelo juiz, a desconsideração de referidos depoimentos”, arrematou o desembargador Giordani. (Processo 0103700-06.2009.5.15.0043)
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