Congresso aborda os danos do trabalho por produção à saúde do trabalhador

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Sob a coordenação da advogada Iara Alves Cordeiro Pacheco, juíza aposentada do TRT da 15ª Região, o 3º painel do XIII Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural tratou do tema “O Trabalho por Produção e a Saúde do Trabalhador”. A primeira palestra, intitulada “Trabalho e trabalhadores nos canaviais paulistas”, foi proferida pela socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva, pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Professora livre-docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Maria Aparecida apresentou os resultados de uma pesquisa composta, entre outros elementos, por 1.200 entrevistas com cortadores de cana. Por trás do que ela chamou de “o mundo visível” - 4,1 milhões de hectares do Estado de São Paulo tomados pela cultura da cana em 2006, com produtividade de seis mil litros de álcool por hectare, a maior do mundo, e um total de 273,1 milhões de toneladas de cana, segundo estimativas do Instituto de Economia Agrícola (IEA), vinculado à Secretaria Estadual da Agricultura e Abastecimento -, a professora mostrou que existe uma realidade que não pode ser ignorada. Segundo a pesquisa, além de favorecer a concentração da propriedade da terra, bem como do capital, a partir da fusão de muitas usinas e desaparecimento de outras que não conseguiram se modernizar, a indústria sucroalcooleira paulista está marcada pelas duras condições de vida de migrantes vindos do Vale do Jequitinhonha, a região mais pobre de Minas Gerais, e de estados nordestinos igualmente pobres, como Maranhão e Piauí, para trabalhar no corte da cana.

Na década de 1980, a produtividade média exigida de cada trabalhador era de cinco a oito toneladas de cana cortadas por dia, explica Maria Aparecida. Em 2004, essa exigência passa para 12 a 15 toneladas. A jornada de trabalho dos cortadores, apurou a pesquisadora, vai das 7 h às 17 h, com pequenas pausas, quase sempre sob sol forte, inclusive na hora da refeição. Perda de potássio por suor excessivo; exaustão; cãibras; alergias; mutilações; dores na coluna; problemas nos pés causados pelo uso dos “sapatões” de biqueira metálica; doenças respiratórias e até câncer de pele são problemas comuns aos trabalhadores. Dois meses antes da queima da cana, feita para facilitar o corte, os canaviais são pulverizados, revela a professora, com maturadores, substâncias que apressam o ponto ideal de corte, mas geram gases nocivos que acabam sendo aspirados pelos cortadores junto com a fuligem da cana queimada.

Esse quadro foi o responsável, assinala Maria Aparecida, pela morte de 21 cortadores de cana durante o trabalho, no Estado de São Paulo, entre 2004 e 2007. A pesquisa levantou também que a vida útil de um cortador de cana é de 15 anos, algo comparável a o que ocorria aos escravos no Brasil. O trabalhador que não consegue atingir as metas exigidas acaba em “listas negras”, sendo excluído de futuras contratações. Também está sujeito a ser demitido ou não receber no final da safra direitos estipulados no contrato. Sem falar na exposição moral, ao ser tachado de “facão de borracha”, enquanto os colegas de grande produtividade ficam conhecidos como “facão de ouro”.

Problema mundial

A juíza Maria da Graça Bonança Barbosa, titular da 4ª Vara do Trabalho de São José dos Campos, especialista em Direito Civil e mestranda em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP), falou sobre “O Salário por Produção Frente à Ordem Constitucional e Internacional de Proteção ao Trabalhador”. Para ela, as mortes de trabalhadores nos canaviais paulistas podem ser relacionadas ao fenômeno que os japoneses denominam de karoshi, a morte por excesso de trabalho. Em geral causado por arritmia cardíaca, infarto ou acidente vascular cerebral (AVC), esse tipo de ocorrência fatal foi identificado na década de 1980, como um mal causado pela jornada extensa de trabalho, que acarreta alterações do ritmo biológico ao exigir do organismo um esforço extremo. No Japão, presume-se que mais de 10 mil trabalhadores são vitimados anualmente pela karoshi.

No entendimento da magistrada, o salário por produção só é interessante para os patrões. “Faz aumentar a produção; diminui a necessidade de uma fiscalização intensiva, reduzindo os gastos do empregador com o pessoal; é modo natural de distinção entre os bons e maus trabalhadores; torna mais preciso o cálculo de cada produto e da produção em geral”, esclarece a palestrante, citando palavras do professor José Martins Catharino. É um sistema que, como afirma o professor, “induz o operário a produzir mais do que normalmente seria capaz, prejudicando-lhe a saúde”. Catharino acredita, no entanto, que a maior desvantagem do chamado “salário por unidade de obra” é a “possibilidade de ser fixado um preço tal por peça ou unidade que exija do operário uma capacidade produtiva excepcional para ganhar um salário razoável, equivalente ao que perceberia um operário remunerado por tempo”.

“O salário por produção dos cortadores de cana e de tantos outros trabalhadores rurais é compatível com os princípios consagrados pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho?”, pergunta a juíza Maria da Graça. Na sua opinião, nem o pagamento de horas extras acrescidas do adicional de 50% é capaz de retribuir o esforço despendido pelos cortadores depois de já terem trabalhado oito horas em condições tão adversas. Com inspiração em julgamento proferido pela 9ª Câmara do TRT da 15ª em setembro de 2006, a partir de voto do juiz Gerson Lacerda Pistori, a juíza Maria da Graça defende que as horas extras do trabalhador que ganha por produtividade sejam calculadas com base no salário normal, com todos os acréscimos provocados pelo trabalho por produção, e não sobre o valor registrado em carteira.

“A remuneração com base na produtividade funciona como elemento que se contrapõe àqueles princípios protetivos à saúde e à higidez do trabalhador, inseridos na norma do inciso XII do artigo 7º da Constituição Federal”, afirma em seu voto o juiz Gerson. Para ele, a remuneração do trabalho por produção deve ser vista como cláusula draconiana. “Seu intuito é exatamente o de constranger o trabalhador a estar sempre prorrogando suas jornadas em troca de algumas migalhas salariais a mais, renda extra essa que, no final, acaba incorporada em seu orçamento mensal, criando, com isso, uma relação de dependência tal qual a da droga ou da bebida.” Segundo o magistrado, essa situação faz do trabalhador escravo de sua própria produtividade. “Sem perceber”, conclui o juiz, “sua necessidade em manter constante determinado nível de produtividade já alcançado gera o maior desgaste de sua própria saúde, assim como compromete, aos poucos, sua plena capacidade física para o próprio trabalho”.

Contradição

O engenheiro de Segurança do Trabalho Eduardo Yojiro Koizumi, chefe por 16 anos da divisão de segurança agroindustrial da Cooperativa de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar), apresentou dados do Sistema de Comunicação de Acidente do Trabalho, do Sistema Único de Benefícios e do Cadastro Nacional de Informações Sociais, entidades vinculadas ao Ministério da Previdência Social. Os dados, todos relativos ao ano de 2005, comparam estatísticas referentes a problemas sofridos por trabalhadores do cultivo da cana-de-açúcar - e não a indústria sucroalcooleira como um todo - com as de outras atividades econômicas do País.

Se realmente fiéis à realidade, os números surpreendem. No ranking de acidentes por mil trabalhadores contratados, por exemplo, o cultivo da cana aparece apenas em 61° lugar. A liderança é do transporte dutoviário [o que é feito no interior de uma linha de tubos ou dutos, com pressão sobre o produto a ser transportado ou por arraste do produto]. A extração de carvão mineral, a fabricação de papel, e o refino de petróleo, para citar três ramos bastante conhecidos, estão, respectivamente, em 5°, 26° e 32° lugares. Da área agrícola, aparece o cultivo de fumo, em 30°.

Quanto às doenças ocupacionais por mil contratados, ranking liderado pelas coquerias [onde se produz o coque, resultante da decomposição do carvão mineral, processo no qual são liberados diversos produtos voláteis], o cultivo da cana não passa do 491° lugar, muito atrás da impressão de jornais, revistas e livros, que se encontra em 34°. As lavanderias, vejam só, estão em 121°. O cultivo de soja e o de frutas cítricas vêm em 442° e 450°, respectivamente.

No que diz respeito à geração de incapazes para cada mil contratos de trabalho, o cultivo da cana ocupa a posição menos satisfatória entre todas as estatísticas apresentadas - 29° -, mas ainda assim está atrás de muitos outros setores. O cultivo de fumo é o 9°, seguido pela produção de óleos vegetais. A limpeza urbana e de esgoto está em 23°, duas posições à frente do beneficiamento de algodão.

Na mais extrema das estatísticas, a de mortes por mil contratados, a posição volta a melhorar, causando, talvez, a maior de todas as surpresas. O cultivo da cana está apenas na 151ª posição, matando menos do que a criação de ovinos (7°), suínos (47°) e bovinos (66°). Segundo a lista, o cultivo de soja (11°) e de algodão herbáceo (95°), assim como a preparação do leite (107°), também são mais letais.

De acordo com os dados levantados pelo especialista, no número de mortes para cada mil acidentes ocorridos, o grau de fatalidade do setor cai ainda mais, ficando apenas na 254ª colocação. A criação de ovinos é a 4ª. Criar suínos (37°), bovinos (60°) ou mesmo aves (229°) também mata mais. Os cultivos de soja, algodão herbáceo e café estão, respectivamente, nas 11ª, 106ª, 177ª posições.

(29/10)

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Comunicação Social