Desembargador Cláudio Brandão defende que prova do dano pode ser presumida
O desembargador Cláudio Mascarenhas Brandão, do TRT da 5ª Região (Bahia), foi o segundo expositor do 5º Painel do XIII Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural, promovido pelo TRT da 15ª Região, nos dias 25 e 26 de outubro, na Fundação Educacional de Barretos. Com o título "Atividades no Campo - Responsabilidade Civil do Empregador - aspectos do direito material e direito processual", o painel, que contou ainda com a exposição do desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, do TRT da 3ª Região, foi coordenado pelo juiz Fernando da Silva Borges, magistrado do TRT da 15ª Região.
Cláudio Brandão, que também é mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia, professor da Faculdade Rui Barbosa, de Salvador, e autor dos livros "Direito do Trabalho: Apontamentos para Concurso" e "Acidente do Trabalho e Responsabilidade Civil do Empregador", ambos pela Editora LTr, iniciou sua exposição ressaltando a gravidade do tema tratado, por dizer respeito à vida humana, um bem jurídico cujo dano jamais poderá ser efetivamente reparado. "O máximo que podemos fazer é compensar, tentar minimizar as conseqüências do dano, o sofrimento que causou", advertiu.
O direito à reparação integral de dano causado por acidente do trabalho é hoje uma garantia constitucional, assegurada no artigo 5º, incisos V e X, da Carta Magna, tendo sido consagrado, também, no novo Código Civil, de 2002. Não obstante, afirmou o desembargador, é ainda difícil definir parâmetros valorativos para fixar as indenizações acidentárias, sobretudo no que diz respeito ao dano moral, dada a impossibilidade de medir o sofrimento alheio, uma dimensão que é própria de cada um. "Dano moral é sempre muito para quem paga e pouco para quem recebe", sentenciou o magistrado, para quem mesmo uma lesão estética causada por acidente do trabalho pode ser objeto de reparação, no caso de a vítima se sentir atingida em sua dignidade. Muitos acidentes, acrescentou, geram problemas psicológicos que só se manifestam tempos depois, o que não retira a responsabilidade do empregador por sua reparação, desde que, é claro, comprovado o nexo de causalidade.
O palestrante observou também que, embora a regra constitucional sobre as conseqüências do acidente de trabalho não estabeleça distinção entre acidentes ocorridos no meio urbano ou rural, é possível reconhecer na atividade rural especificidades que a tornam, em muitos casos, uma atividade de acentuado risco. Este seria o caso, por exemplo, do trabalho do vaqueiro, o qual, afirmou, por mais hábil que seja, jamais poderá prever a reação do animal. De acordo com o desembargador, tal tem sido, pelo menos, o entendimento do TRT da 5ª Região, que definiu o trabalho de lidar com animais como um atividade de risco inerente, atribuindo ao empregador a responsabilidade civil objetiva por qualquer acidente do trabalhador no exercício da atividade. Como esta, disse Cláudio Brandão, há inúmeras outras atividades no meio rural geradoras de risco potencialmente elevado que deveriam gerar responsabilidade civil objetiva - isto é, independente de culpa - para o empregador. A atividade de cortar cana, segundo ele, estaria naturalmente incluída nessa categoria, dada a inexistência, na maior parte dos canaviais, de equipamentos de proteção individual do trabalhador que minimizem ou eliminem o risco. "Até porque, fica difícil falar em prova de culpa nessas circunstâncias, no meio do mato. Como provar que o cortador de cana estava exausto? O risco é inerente", afirmou. Para o magistrado, é um grande equívoco pretender discutir o dever de reparação do dano por acidente de trabalho tendo como fundamento a prática de um ato ilícito. "Há quase 100 anos, Evaristo de Moraes já disse que a questão envolve a possibilidade de o indivíduo suportar as conseqüências de um risco resultante do exercício de uma atividade lícita, regular", advertiu.
O desembargador também chamou a atenção do público para o que considera um grande erro histórico do movimento sindical, "que ficou discutindo base de cálculo do adicional de insalubridade, quando o mais importante era discutir como efetivar a proteção à saúde do trabalhador, assegurada há quase vinte anos no inciso XXI do artigo 7º da Constituição Federal". Segundo ele, discutiu-se a "monetarização do risco", a institucionalização do direito de manter o trabalhador em local insalubre, quando a premissa correta, no caso, seria buscar retirar ou reduzir o fator de risco da atividade, origem de repetidas lesões massivas. É o que têm feito países como a Finlândia, a Noruega, Suíça ou Holanda, informou o palestrante, onde o sistema é calcado na premissa de que, se não for possível reduzir o risco, reduz-se a jornada, o tempo de exposição ao risco, garantindo-se também ao trabalhador um elevado percentual remuneratório compensatório, um vez que o risco permanece. A rigor, disse ele, já existe no País um controle da jornada de trabalho de algumas categorias profissionais, como as de mergulhador, controlador aéreo, bancários e outras. O desafio, agora, seria estender essa premissa a outras atividades em que a probabilidade de acidente é uma realidade permanente na vida do trabalhador. Nesse sentido, Brandão defendeu que a teoria dos danos punitivos, ainda nova no Brasil, pode vir a servir de fundamento claro no caso da repetição de condutas negligentes por parte de maus empregadores. A reparação, nesse caso, se daria em virtude da probabilidade de que este dano aconteça, atingindo uma comunidade expressiva de pessoas.
Cláudio Brandão declarou também não concordar em que o valor da reparação deva necessariamente ir para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Segundo ele, a lei autoriza ao juiz determinar qualquer medida destinada a dar concretude à sua sentença, a dar efetividade à decisão judicial. "É para isso que o juiz existe". Assim, afirmou, numa ação civil pública, por exemplo, o juiz poderia destinar o valor da indenização a uma medida concreta de proteção a saúde, "para que a comunidade na qual o dano foi causado reflita sobre a ação judicial e se produza o tão almejado efeito transformador da conduta social, a mudança de mentalidade".
Outro aspecto enfocado pelo palestrante foi o ônus da prova em caso de acidente de trabalho. Após examinar 32 mil acórdãos de tribunais trabalhistas brasileiros, ele concluiu que o nexo causal de muitos acidentes, não podendo ser efetivamente comprovado, deve ser presumido, conforme autoriza o artigo 212 do Código Civil, que elencou a presunção entre os meios de prova. "Há necessidade de comprovar a depressão alegada por um gerente de banco mantido em cárcere privado com sua família por dois dias, ou a cegueira do cortador de cana causada pela entrada de resíduos da cana nos seus olhos?", perguntou o magistrado. Para ele, não há dúvida de que lesões ocorridas no trabalho devem ser imputadas ao trabalho. "Como eu posso obrigar um trabalhador a provar que a exaustão física não está relacionada como o excesso de toneladas de cana cortadas diariamente? Não e razoável. Óbvio que o nexo de causalidade tem de ser presumido". Ele alertou também para a maior dificuldade do empregado em produzir as provas necessárias e para a responsabilidade inerente ao empregador de manter o controle sobre a força de trabalho.
Por fim, o expositor deteve-se na análise do prazo prescricional para o direito de ação indenizatória em decorrência de acidente de trabalho. Para ele, mais importante do que fixar o prazo prescricional adequado é estabelecer a partir de quando ele começa a fluir, uma vez que há várias doenças cujos efeitos só se manifestam muito tempo depois da ocorrência do dano, como é o caso do câncer de pulmão gerado por contaminação com amianto. Neste caso, afirmou, não há como sustentar a tese dos dois anos da prescrição absoluta. O desembargador disse também considerar um contra-senso a aplicação do prazo prescricional do Direito do Trabalho às ações ajuizadas na Justiça Comum antes da Emenda Constitucional 45.
Citando o ministro Ayres de Brito, Cláudio Brandão encerrou sua exposição defendendo a adoção de uma visão esférica do sistema jurídico brasileiro, que tenha como eixo o homem. "A proteção à pessoa humana deve ser o valor fundante do sistema, e não relegada a segundo plano", concluiu o palestrante.
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