Márcio Pochmann: trabalho rural está fadado à extinção
"Perspectivas do Trabalho Rural no Contexto do Desenvolvimento Socioeconômico – Automação e Proteção ao Trabalho" foi o tema do primeiro painel do XIII Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural, que está sendo promovido hoje e amanhã, 25 e 26/10, pelo TRT da 15ª Região na cidade paulista de Barretos. O painel contou com a presença do professor Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que previu o fim do trabalho rural, da forma como o conhecemos. Problemas no vôo de São Paulo para Ribeirão Preto impediram a participação do ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e atual coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Roberto Rodrigues, que também estava escalado para palestrar no painel.
Livre-docente pela Universidade Estadual de Campinas, Pochmann foi eleito a Personalidade Econômica do Ano de 2007 pelo Conselho Federal de Economia. Foi secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do município de São Paulo entre 2001 e 2004, no governo Martha Suplicy. Das homenagens que já recebeu, destacam-se a Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho, concedida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) em 2003, no grau de comendador, e o Prêmio Jabuti, na área de Economia, no ano anterior. Como autor ou organizador, já publicou quase 30 livros. Também é autor de mais de 120 artigos, publicados em jornais, revistas e outros periódicos, sem contar os quase 70 capítulos de livros.
Experiência
O painel foi coordenado pelo juiz José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, presidente da 3ª Câmara do TRT da 15ª e decano da Corte. O juiz fez um rápido balanço de sua experiência de 20 anos na Magistratura Trabalhista, advertindo que os problemas de duas décadas atrás ainda são comuns quando o assunto é desrespeito à legislação trabalhista no meio rural. "Salários continuam não sendo pagos, jornadas continuam não tendo sua duração respeitada, acidentes continuam acontecendo cotidianamente", lamentou o magistrado, em tom de advertência. "O TRT vive dia a dia a experiência de se deparar com essa realidade crua", enfatizou.
Para o juiz, ainda é mais fácil coibir o desrespeito ao Direito do Trabalho nas áreas urbanas. "No meio rural, o trabalho é mais espraiado; ainda existe muita migração de mão-de-obra sazonal, entre outras coisas." Ele mencionou também situações de abuso nas relações de trabalho no campo com que têm se defrontado atualmente tanto a Justiça Trabalhista quanto o Ministério Público do Trabalho (MPT), como as precárias condições do transporte de trabalhadores rurais na região de Bauru, onde os veículos utilizados para esse fim já estão sendo apelidados de "navios negreiros", ou a dramática situação detectada no Vale do Ribeira, no sul paulista, onde o inseticida cancerígeno despejado de aviões cai não só sobre as pragas, mas também nos trabalhadores, que são mantidos nas lavouras por seus superiores mesmo durante a pulverização. "Em muitos lugares os trabalhadores rurais não têm acesso sequer a água, quanto mais a equipamentos de proteção individual, os chamados EPIs, ou outros benefícios a que têm direito", revelou o magistrado. Ele lembrou ainda que, recentemente, o TRT da 15ª julgou um processo em que o MPT denunciou a utilização pelos empregadores do que foi chamado de "kit fraude", formado por recibos de toda espécie – de salário, de recebimento de EPIs etc. – assinados em branco pelos trabalhadores rurais.
Extinção
Para Márcio Pochmann, o trabalho rural, na sua definição clássica, está fadado à extinção. Segundo ele, nos Estados Unidos e na Europa apenas 2 ou 3% da força de trabalho são formados por trabalhadores rurais. Na indústria, a tendência é parecida. O enorme parque industrial dos EUA, ensina o professor, não emprega hoje mais do que 13% da população economicamente ativa do país. "Cerca de 85% dos trabalhadores dos Estados Unidos estão empregados no setor terciário, de comércio e serviços", apontou Pochmann.
Enquanto em estados como Pernambuco e Alagoas o ramo sucroalcooleiro ainda está nos Séculos XVII ou XVIII, caracterizando-se basicamente pela figura do engenho, em São Paulo o setor já se reveste do que existe de mais moderno em matéria de relações de produção, afirma Pochmann. "Não existe mais no ramo, aqui no estado, o trabalhador rural como tradicionalmente conhecemos", avalia o palestrante. "Tudo na atividade, desde o plantio até o produto final, seja açúcar, álcool, metanol ou outro, obedece ao mesmo padrão de gestão do trabalho, segue a mesma lógica produtiva empregada na fábrica", enfatiza o professor. "A fazenda se tornou uma empresa."
Em 1989, demonstrou Pochmann, apresentando gráficos ao público do Congresso, havia na população paulista três milhões de pessoas morando no campo, sendo 1,4 milhão de trabalhadores. Em 2005 eram apenas 2,4 milhões, com metade integrando a população economicamente ativa.
O trabalho no campo já se assemelha à sua versão urbana até no que diz respeito ao desemprego. Em 1989, apenas 2% dos trabalhadores rurais do estado de São Paulo não tinham emprego, cerca de 20 mil trabalhadores, esclarece o professor. Nas áreas urbanas do estado esse percentual chegava a 5%, duas vezes e meia maior. Dezesseis anos depois, o desemprego na cidade era de 11,6%, contra 10,3% no campo, uma diferença bem menor.
Escolha
O professor adverte que é preciso buscar uma alternativa às possibilidades que os defensores de propostas de flexibilização da legislação trabalhista oferecem. "O que eles querem é que escolhamos entre emprego precário e desemprego", afirmou o palestrante, para quem a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) significou, em 1943, "um salto de civilização" no Brasil. Graças à CLT, recordou Pochmann, foi possível, pelo menos do ponto de vista legal, reduzir a jornada de trabalho a oito horas diárias e limitar o acesso ao mercado de trabalho a quem tivesse pelo menos 15 anos.
Hoje, defende ele, seria plenamente possível, graças ao ganho de produtividade pela tecnologia atualmente empregada, entre outros fatores, adotar uma jornada diária de quatro horas, três vezes por semana, além de ingresso no mercado de trabalho não antes dos 25 anos. "Em 1907, a expectativa de vida do brasileiro era de 34 anos; na época talvez fizesse sentido começar a trabalhar aos cinco ou seis anos – hoje, quando caminhamos para viver perto de um século, com certeza não." O professor garante que o desenvolvimento tecnológico atual e os altos níveis de produtividade já alcançados permitiriam efetivamente a adoção de uma jornada semanal de apenas 12 horas.
Pochmann chamou a atenção dos participantes do XIII Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural para os perigos da concentração, em escala mundial, dos meios de produção nas mãos de poucos mas gigantescos grupos empresariais. A tendência é que, em pouco tempo, antecipa o professor, a economia mundial seja dominada por aproximadamente 500 empresas, das quais 150 serão chinesas, se as pretensões do país asiático se concretizarem.
O agronegócio, por exemplo, será o terreno de não mais do que nove grandes grupos, diz Pochmann. A indústria automobilística, hoje dominada por 15 empresas, cairá nas mãos de apenas seis – duas nos EUA, duas na Europa e duas na Ásia. A chamada "linha branca" de eletrodomésticos – geladeiras etc. – já se encontra na posse de somente quatro grupos, lamenta o palestrante. "Cinqüenta empresas já produzem mais riqueza do que cem países", prosseguiu. "Imaginem o que isso representa para a democracia, a governança, o meio ambiente e as relações de trabalho."
Novos paradigmas
No entendimento do professor, mais do que separações tradicionais como "trabalho urbano" e "trabalho rural", o mercado de trabalho experimenta hoje uma nova divisão, que atinge os três setores da economia – primário (agropecuária e extrativismo), secundário (indústria) e terciário (comércio e serviços). É o que ele chama de trabalho de execução e trabalho de concepção.
O trabalho de execução é o mais simplificado, em que a qualificação da mão-de-obra não guarda relação com os salários pagos. Como exemplo, Pochmann cita os chamados "call centers", o popular telemarketing, setor em que se exige pelo menos a formação secundária, quando não de nível superior, mas se paga menos de dois salários mínimos por mês, em média.
Já o de concepção diz respeito ao tipo de atividade que, como explica o palestrante, ainda não foi capturado pela lógica capitalista. "É um trabalho que exige criatividade e no qual o poder de decisão do ser humano ainda faz muita diferença", detalha Pochmann. "Por isso mesmo, nesse tipo os salários são altos."
Pochmann exemplifica com uma grande empresa fabricante de calçados, em que, contra 80% do quadro de funcionários que, em 2002, se dedicavam à produção, ou seja, faziam o trabalho de execução, ganhando baixos salários, 20% desempenhavam outras atividades, como marketing, recebendo remuneração média cinco vezes maior.
Dos seis milhões de postos de trabalho criados no País de 2000 a 2006, 90% têm remuneração de até dois salários mínimos, diz o professor. "É o padrão típico do trabalho de execução."
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