Sebastião de Oliveira defende código de segurança do trabalho

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Uma das atrações do segundo dia do XIII Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural, promovido pelo TRT da 15ª Região na Fundação Educacional de Barretos, foi a palestra do desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, do TRT da 3ª Região (Minas Gerais), em painel que teve como tema “Atividades no Campo - Responsabilidade Civil do Empregador - Aspectos do Direito material e Direito Processual”. Autor dos livros Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador (LTr, 1996) e Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Profissional (LTr, 2007), o palestrante é também mestre em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor da PUC de Minas.

Sebastião de Oliveira iniciou sua exposição comentando a grande relevância que o tema vem assumindo entre os advogados, juízes e procuradores do trabalho após a aprovação da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que atribuiu a esta Justiça Especializada a competência para julgar as demandas indenizatórias cabíveis em caso de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais. Atribuída até então à Justiça Comum, a nova competência da Justiça do Trabalho, segundo ele, tem levado os profissionais da área a buscar conhecer o submundo do trabalho, as condições degradantes que geram os acidentes e doenças dos trabalhadores, das quais eles se mantiveram por tanto tempo alheios.

Para dar uma dimensão exata do problema, o palestrante apresentou estatísticas alarmantes sobre os acidentes de trabalho no mundo, as quais indicam um crescimento espetacular do número de mortes de trabalhadores nos últimos vinte anos. Dentre os dados apresentados, chama a atenção o aumento de 1 para 12 trabalhadores mortos por acidente de trabalho no mundo a cada 3 minutos ocorrido entre 1985 e 2005. Tal crescimento foi por ele atribuído à velocidade do que chamou de “revolução da produtividade”, que, acirrando a concorrência entre as empresas, fez com que o trabalho ficasse “mais denso, mais tenso e mais exauriente”, bem como ao avanço da terceirização, a que ficou sujeito o chamado “trabalho porco, sujo e perigoso”. A tendência internacional de aumento contínuo do número de acidentes de trabalho – anualmente, registram-se 270 milhões de acidentes e 2,2 milhões de óbitos em todo o mundo – foi também atribuída ao avanço do capitalismo no Leste Europeu e às condições degradantes do trabalho na URSS e sobretudo na China, onde mais de 300 trabalhadores morrem por dia no local de trabalho.

Este quadro, afirmou o desembargador, tem ensejado algumas importantes reações internacionais. Um marco nesse sentido, segundo ele, foi a aprovação, em 2006, da Convenção 187 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabeleceu uma estratégia global de ação integrada para enfrentar o desafio de conter ou mesmo reverter essa tendência, a qual supõe a criação, nos vários países, de políticas nacionais de segurança e saúde do trabalhador.

Para Sebastião de Oliveira, a implementação de tal política no Brasil requer o desenvolvimento de uma cultura de prevenção e de uma prática efetiva de avaliação dos riscos e perigos no ambiente de trabalho, visando, sobretudo, combatê-los em sua origem. Trata-se, segundo ele, de uma tarefa de difícil implementação em um país onde os acidentes de trabalho, historicamente, são vistos como uma fatalidade, um desastre, fruto da má-sorte, sendo freqüente a culpabilização da vítima. “Todos sabem, hoje, que não basta centrar no empregado o trabalho de prevenção; é preciso igualmente criar uma cultura nesse sentido em todos os níveis decisórios da empresa”, argumentou o desembargador, para quem a análise do acidente não deve ser contextualizada. “É preciso considerar a árvore de causalidade do acidente e não o fato em si”, explicou, “o que implica verificar como o trabalhador estava trabalhando, se tirava férias regularmente, se estava em sobrejornada, se foi treinado para aquilo, orientado sobre o tipo de acidente que a máquina pode gerar”. Por outro lado, advertiu, “de nada adianta encher o trabalhador de equipamentos se não se examinar de onde vem o risco”.

Relativamente à recomendação da OIT de criação de sistemas nacionais de segurança e saúde do trabalhador, com uma autoridade centralizadora responsável por seu gerenciamento, o desembargador observou que o Brasil ainda tem muito a evoluir, pois que este sistema hoje se encontra fracionado entre os Ministérios do Trabalho, da Previdência, da Saúde e do Meio Ambiente, o que faz com que a responsabilidade pela sua administração fique diluída entre as várias pastas. Faltam também ao País, afirmou, uma legislação adequada e a efetiva fiscalização das normas existentes, bem como um programa efetivo de ação, com cronograma, prazos, prioridades. Nesse sentido, ele defendeu a criação de um Código Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador, como forma de dar maior visibilidade e respeitabilidade ao problema.

De acordo com o desembargador, essas seriam as tendências internacionais, sobre as quais ninguém cogita em flexibilizar. Muito pelo contrário, afirmou, a tendência é aprofundar essas medidas, conferindo-se maior rigidez no apoio à vida e à saúde do trabalhador .

Voltando-se para a realidade brasileira, Sebastião de Oliveira trouxe dados igualmente inquietantes, que revelam a real dimensão do problema acidentário no País. Ele observa que a tendência decrescente no número de acidentes de trabalho (incluídos os de trajeto) registrados no Brasil entre 1975 a 1995 – quando caíram de 1.916.187 para 424.137 casos – não foi acompanhada pela queda no número de mortes, que pouco se alterou no período – caiu de 4.001 para 3.967 mortes. Esse paradoxo foi por ele atribuído à subnotificação dos casos, uma vez que, segundo alertou, “é relativamente fácil esconder um corte no dedo, mas não dá para esconder um cadáver”. Os dados informam também que a redução no número de acidentes se manteve constante apenas até 2001, quando foram registrados 340.251 casos anuais. Daí em diante, os números voltaram a crescer, atingindo, em 2006, a marca de 503.890 acidentes anuais. Nesses cinco anos, o número de mortes, por sua vez, teria se mantido relativamente estável, registrando-se, em 2006, 2.717 óbitos. Somadas as mortes e os casos de invalidez permanente, temos que 47 pessoas abandonaram diariamente o mundo do trabalho no Brasil em 2005. “Um número inaceitável em um país como o Brasil, o que significa que a doença é crônica e requer remédios fortes”, sentenciou.

A segunda parte da exposição do magistrado buscou traçar uma evolução da legislação relativa à reparação do dano causado por acidente do trabalho. Ele explicou que um primeiro avanço nesse sentido foi assegurado com o Decreto 7.036, de 1944, que admitiu a responsabilidade civil do empregador quando o acidente resultasse de dolo por parte deste ou de seu preposto. Em 1963 houve nova evolução, com a Súmula 229 do Supremo Tribunal Federal (STF), que postulou que a indenização acidentária não exclui a do direito comum (responsabilidade civil) em caso de dolo ou culpa grave do empregador. Por fim, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, XXVIII, consagraria a obrigação do empregador de indenizar o empregado acidentado em caso de dolo ou culpa daquele, independente do que o trabalhador receber da Previdência Social. Tal norma, afirmou o magistrado, foi reforçada pela Lei 8.213, de 1991, que dispôs que o pagamento pela Previdência Social das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem. Assim, explicou, o seguro de acidente do trabalho passou a cobrir o risco normal do trabalho, atribuindo-se ao empregador a responsabilidade civil por dano decorrente de ato ilícito por ele perpetrado, o que impediu que o seguro se transformasse em beneficio para o réu.

Por fim, o palestrante observou que a indenização por acidente de trabalho adquiriu novos contornos com o novo Código Civil de 2002, que em seu artigo 927, parágrafo único, dispôs que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei ou nos que a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem”. Atividade de risco é aqui definida como aquela que gera possibilidade de acidente ou doença acima da média do risco que toda sociedade corre. A norma abarcaria, assim, não só atividade perigosa, mas também aquela que expõe o trabalhador a doenças em um nível acima da média. Deste modo, conforme a lei, se o empregador criou o risco, deverá responder objetivamente pela indenização, independente de culpa.

Nesse sentido, o desembargador chamou a atenção para o Enunciado 377, aprovado na IV Jornada de Direito Civil de 2006, que estabelece que o artigo 7º da Constituição não é impedimento para a aplicação do disposto no artigo 927 do Código Civil quando se tratar de atividade de risco, uma vez que o texto constitucional, embora se refira a culpa ou dolo do empregador, admite outros direitos que visem a melhoria de sua condição social. Ele lembrou ainda que a Lei 8.213/91, em seu artigo 120, permite também ação regressiva do INSS contra o empregador.

O palestrante concluiu sua exposição ressaltando que o papel do juiz não é criar uma indústria de indenizações, e que nenhum juiz do trabalho se alegra em fixar uma condenação alta. “Sinto apenas um certo alívio de fazer justiça, mas uma grande tristeza pelo descaso a que foi relegado o trabalhador”, afirmou. Por fim, ele defendeu a necessidade de uma mudança cultural, para que todos os empresários adotem as necessárias medidas protetivas ao trabalho, o que tornaria a concorrência mais justa, uma vez que todos seriam a ela obrigados. “A saúde do trabalhador não é apenas uma prioridade, mas um valor, pois que valores nunca se alteram. E o valor da vida do trabalhador não tem preço nem pode ser desprezado em momento algum”, concluiu.

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