Trabalhador que teve a mão esmagada em máquina conquista indenização e pensão mensal vitalícia
Por Ademar Lopes Junior
O reclamante trabalhava numa empresa de Ribeirão Preto que fabrica e vende artefatos de borracha e operava uma máquina conhecida como “cilindreira”, responsável pela homogeneização da borracha por pressão mecânica, na preparação para moldagem. No dia 4 de junho de 2001, o trabalhador acidentou-se ao inserir de modo errado a massa de borracha na máquina. Conforme Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) emitida pelo próprio empregador, a mão direita do reclamante escorregou para dentro do cilindro, o que provocou o seu esmagamento. Atualmente, o trabalhador se encontra afastado, segundo informação de ofício expedido pelo órgão da Previdência Social e não há comprovação de que ele tenha retornado ao trabalho na empresa, ainda que em função compatível com a redução da sua capacidade funcional.
A ação judicial para apuração do fato iniciou-se na Justiça Comum, mas depois foi remetida à Justiça do Trabalho em cumprimento à Emenda Constitucional 45/2004. O juízo da 2ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto deferiu “a produção de provas técnicas, consistentes em perícia médica no autor, a ser realizada pelo IMESC”, bem como a “realização de perícia no local de trabalho”.
No laudo pericial elaborado pelo médico do IMESC, apurou-se, após exame físico, que a mão direita do autor ficou “gravemente lesada, com amputação de dedos”, o que caracterizou a “relação causal entre sequelas diagnosticadas e o acidente referido”. Também foi constatada “incapacidade total e permanente para a profissão a que estava qualificado à época do acidente”, podendo “exercer afazer diverso, de menor nível de complexidade, após reabilitação profissional”. O perito ainda esclareceu que, por ser o reclamante destro, e apenas lhe restando “rudimentos da função de pinça”, “as alterações, na prática, equivalem a perda total das funções da mão, e, sendo assim, as sequelas comprometeram o patrimônio físico do periciando estimado em 60%”. Ressaltou, ainda, que “as sequelas morfológicas comprometeram a estética do segmento corpóreo atingido (dano estético)”.
Após a realização da vistoria no local de trabalho, o engenheiro nomeado como segundo perito esclareceu que houve a “introdução da mão do autor pela parte superior (maneira incorreta), enquanto que o correto seria a colocação da massa pela parte frontal do cilindro”. O perito também afirmou que, “embora fossem fornecidos os equipamentos de proteção individual, dentre eles, as luvas, estas não poderiam proteger as mãos do esmagamento pelos cilindros”.
A reclamada admitiu em depoimento pessoal que “não havia ninguém na empresa com conhecimento técnico para operar a máquina”. Ela disse que havia uma pessoa habilitada “para prestar informações acerca da utilização do cilindro”. Segundo ela, essa pessoa “detinha apenas o conhecimento prático quanto à utilização do cilindro” e era responsável por “passar todas as informações quanto à forma de utilização do cilindro aos novos empregados da reclamada”, pois “nesse tipo de equipamento não há nenhum tipo de instrução ou curso”.
A empresa informou também que já ocorreram “outros acidentes na reclamada com máquinas similares àquela em que o reclamante trabalhava (...) com um empregado que não tinha qualquer habilitação para o uso do equipamento”, demonstrando que a operação de máquinas sem o regular treinamento era prática comum. A prova oral também não favoreceu à reclamada. Duas testemunhas confirmaram que o cilindro é de difícil utilização e que o treinamento era dado pelos funcionários mais experientes, num período de no máximo uma semana. Ambas as testemunhas afirmaram também que ouviram falar de outros casos de acidente com o cilindro.
O juízo de origem julgou procedentes em parte os pedidos e determinou o pagamento ao reclamante de R$ 100 mil a título de indenização por danos morais e outros R$ 100 mil por danos estéticos. Fixou também uma pensão mensal ao reclamante até ele completar 72 anos, no valor equivalente a 50% do salário à época dos fatos.
As partes recorreram.
A reclamada, em seu recurso, alegou que “não há qualquer responsabilidade pelos danos decorrentes do evento danoso em que se envolveu o reclamante, pois não teve culpa no acidente, ocorrendo, no caso, culpa exclusiva da vítima”. Afirmou ter o laudo pericial atestado que “o autor pode se ativar em outras funções, não havendo incapacidade para o trabalho, assim sendo indevido o pagamento da pensão vitalícia”. Insurgiu-se contra a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, reiterando que “não agiu com culpa no evento danoso”, e sustentou que o quantum foi fixado “de forma desproporcional e sem a indicação de quaisquer parâmetros”. Da mesma forma, irresignou-se contra o montante fixado a título de danos estéticos. Requereu que a atualização das parcelas referentes aos danos morais e estéticos observem a Súmula 362 do STJ.
O reclamante recorreu, requerendo que “a pensão mensal incida sobre o valor do seu salário, ou importe equivalente, devidamente atualizado”. Sustentou que “mesmo não tendo produzido prova do dano material, era da reclamada o ônus de demonstrar que custeou os tratamentos médicos”, assim pleiteando a condenação da empresa ao pagamento de, no mínimo, R$ 25 mil a título de tratamentos médicos. Pediu, por fim, a majoração da condenação por danos morais e estéticos em virtude da gravidade do acidente.
A relatora do acórdão da 1ª Câmara, desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani, com relação aos danos morais e estéticos, afirmou que “o dano moral suportado pelo autor abrange todo o sofrimento experimentado com as dores do ferimento e também a situação de risco a que foi colocado, o que, sem dúvida, acarretou sofrimento e consternação, além de constrangimento em sua vida social”. Porém, explicou que “a indenização deve ser fixada com observância dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, atentando para a extensão do dano e necessidade de implementar sua finalidade pedagógica, mas também considerando o porte da ré e a necessidade de evitar o locupletamento indevido”. Com base nesse entendimento, o acórdão unificou “ambas as indenizações por dano moral e dano estético num único valor, reduzindo-o para R$ 80 mil”, determinando que seja atualizado com observância do critério estabelecido na Súmula 362 do STJ.
O acórdão seguiu no entendimento do juízo de primeiro grau, e diverso do alegado pela reclamada, dispondo que “os elementos constantes dos autos levam à inequívoca conclusão de que, em virtude da atitude negligente, houve culpa da reclamada no evento danoso”. A decisão colegiada entendeu que “o autor não recebeu treinamento adequado e necessário para a utilização do cilindro, mas apenas algumas informações de outro empregado que aprendeu sozinho, com a prática, o manuseio do indigitado equipamento”. Concluiu que, “por falta de regular instrução e fiscalização, o autor operava a máquina de forma equivocada, introduzindo sua mão na parte superior, quando o correto seria a colocação da massa pela parte frontal do cilindro. Ademais, as luvas fornecidas pela ré e utilizadas para o desempenho da função eram inadequadas, porquanto maiores que os dedos, circunstância que certamente contribuiu para o evento danoso, visto que o funcionamento da máquina consistia em puxar o material inserido para corte”.
Como conclusão, a decisão colegiada da 1ª Câmara determinou a manutenção da pensão vitalícia, na forma decidida pelo juízo da 2ª VT de Ribeirão Preto, e que “os juros da pensão mensal sejam calculados de forma integral para as parcelas vencidas e de forma decrescente para as vincendas, observando, quanto às últimas, a periodicidade do índice de reajuste salarial concedido aos empregados da ré”; determinou que “o reclamante suporte os descontos referentes ao imposto de renda”; unificou as indenizações por dano moral e dano estético num único valor, “reduzindo-o para R$ 80 mil”; e determinou que o valor da indenização por danos morais e estéticos seja atualizado com observância do critério estabelecido na Súmula 362 do STJ. (Processo 152700-80.2006.5.15.0042 RO)
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