Último painel aborda as convenções coletivas como meio de melhorar as condições de trabalho no campo
Por Luiz Manoel Guimarães
O 5º e último painel do XV Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural pôs em pauta o tema “Convenções coletivas – instrumentos de melhoria das condições de trabalho rural” e contou com a participação da desembargadora Eneida Melo Correia de Araújo, do TRT da 6ª Região (PE), e do advogado Luís Fernando Amaral Binda. Na coordenação, o ministro Fernando Eizo Ono, do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Mestre e doutora em Direito, a desembargadora Eneida Melo Correia de Araújo é professora dos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Em sua palestra, a magistrada lembrou que a Constituição Federal de 1988 consagra o direito à liberdade de associação e à liberdade sindical, sem o qual “não há negociação coletiva, não há acordo ou convenção coletiva”. Nesse contexto, Eneida destacou o papel dos sindicatos, como protagonistas cuja relevância nas negociações coletivas se equipara, no entendimento da palestrante, à do Poder Legislativo. “O sindicato, à luz da nossa Constituição, detém não só o poder de substituir processualmente, não só o poder de competência para representar administrativa e judicialmente os integrantes de sua categoria, mas também o poder, a competência, o direito constitucionalmente firmado de criar direitos, o que não deve jamais ser ignorado pelos seus dirigentes”, sublinhou.
“A história do sindicalismo no Brasil é uma história de altos e baixos”, afirmou a desembargadora. “Mas, no momento atual, os sindicatos têm a possibilidade de criar efetivamente condições de melhoria para a classe trabalhadora, o que não significa, é importante dizer, prejuízo para a categoria econômica. Ao contrário, boas condições de trabalho, justas condições de trabalho, equilíbrio entre o capital e o trabalho, tudo isso gera uma conjuntura em que o trabalhador é bem remunerado, é protegido dos riscos ambientais, é reconhecido e se torna alguém que pode distribuir renda dentro da comunidade em que vive, trazendo bem-estar para essa comunidade. Isso redunda em progresso econômico para o empresário”, sustentou Eneida.
A magistrada é adepta da tese do ministro Maurício Godinho Delgado, do TST, que preconiza a vigência da norma coletiva mesmo depois de expirado o prazo inicialmente previsto, até a entrada em vigor de uma nova norma. “Não se pode criar um vazio legislativo, um vazio dos direitos trabalhistas de uma categoria”, defende a desembargadora. “Enquanto não vier um novo instrumento, prorroga-se a vigência do anterior, inclusive pela própria natureza sucessiva do direito coletivo do trabalho, que via de regra enseja a repetição de muitas das cláusulas firmadas no pacto anterior.”
A palestrante defendeu a inclusão – e celebrou o fato de elas já existirem nas normas coletivas de algumas categorias – nos acordos ou convenções coletivas de cláusulas alusivas ao meio ambiente do trabalho, incluindo itens como alojamento, transporte e fornecimento de água. Preconizou também cláusulas que vedem a conduta antissindical, proibindo “qualquer coisa capaz de prejudicar a vigilância que o sindicato deve ter sobre o dia a dia do trabalho”, bem como as que prevejam “as indispensáveis pausas a quem trabalha por produção” e a “proteção à saúde física e psíquica em razão do calor excessivo do sol inclemente, notadamente no cultivo da cana-de-açúcar”, além do aprimoramento profissional.
Sob medida
Luís Fernando Amaral Binda, especialista em Direito Ambiental pela Metrocamp, é consultor jurídico, há mais de 15 anos, do Sindicato Rural de Campinas, cuja base territorial abrange também os municípios de Cosmópolis, Hortolândia, Paulínia e Sumaré. Desde 2005, exerce a mesma função para o Sindicato Rural de Monte Mor, que inclui ainda as cidades de Salto, Capivari, Santa Bárbara D’Oeste e Piracicaba. Membro titular da Comissão de Negociação Coletiva da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), pela qual atua nas negociações coletivas, em âmbito estadual, nos setores da cultura diversificada e pecuária, da citricultura e da cana-de-açúcar, Binda integra dois Conselhos Municipais em Campinas, o de Desenvolvimento Rural Sustentável, do qual é vice-presidente, e o de Meio Ambiente.
Na mesma linha da desembargadora Eneida, o advogado salientou que, nas convenções coletivas, os sindicatos, representando as respectivas categorias, tornam-se os próprios legisladores da relação trabalhista e do ambiente de trabalho. “É próprio da lei ser genérica, ampla, assim como é típico da convenção coletiva ser específica, descendo às minúcias e particularidades das relações de trabalho”, comparou o palestrante. “Como dizia Carnelutti [Francesco Carnelutti, jurista italiano], a lei é como uma roupa feita: veste a todos, sem vestir bem a ninguém. Já a convenção coletiva é uma roupa feita sob medida.”
Segundo ele, foi em 1977 que “as entidades sindicais rurais de representação classista denominadas de Fetaesp [Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo] e Faesp [Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo], em uma ação pioneira, deram início às negociações coletivas envolvendo a categoria profissional dos trabalhadores rurais e a categoria econômica dos empregadores, culminando na primeira convenção rural não só do Brasil, mas de toda a América Latina”.
Atualmente, explicou Binda, as categorias rurais estão divididas por cultura no Estado de São Paulo. “Temos hoje convenções coletivas na lavoura branca ou diversificada, na citricultura e na cana-de-açúcar”. Para o advogado, “a grande vantagem desses instrumentos coletivos é que podem albergar os assuntos relacionados a determinadas atividade locais ou regionais, normatizando sobre peculiaridades e facilitando o relacionamento entre empregado e empregador”. O palestrante observou ainda que as convenções coletivas “obrigam tanto os trabalhadores sindicalizados quanto os que não o são”, regra que vale também para os empregadores.
“A relevância da negociação coletiva de trabalho é tamanha que, no ano de 1981, a Conferência-Geral da Organização Internacional do Trabalho aprovou a Convenção nº 154, que prevê logo de início que a negociação coletiva deve se aplicar a todos os ramos da atividade econômica, sendo aplicável a todas as regiões e formas de organização, em qualquer nível sindical, profissional ou empresarial”, assinalou Binda. Para ele, a Constituição Federal de 1988 produziu uma inversão de valores no que diz respeito ao tratamento dos instrumentos de pactuação coletiva e de negociação coletiva em comparação com o sistema adotado até então. “Até o advento da atual Carta Magna, a tutela da negociação coletiva vinha a reboque do tratamento que a legislação conferia à convenção coletiva e ao acordo coletivo de trabalho”, afirmou. “Evidência disso é a pouca importância que a CLT dá à negociação, voltando seus artigos ao disciplinamento dos acordos e convenções coletivas”, complementou o advogado. “Após a Constituição Federal de 1988, no entanto, a negociação não é mais uma fase preliminar da convenção ou do acordo. Ela é o seu cerne.”
Binda ressaltou também a importância do princípio da boa-fé e da lealdade nas negociações coletivas. “É dever das partes franquearem acesso às informações sobre a sua realidade econômica e social e assim formularem pretensões de acordo com a sua realidade. A boa-fé é o princípio maior da negociação coletiva.”
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