Conferência do ministro Lelio Bentes Corrêa, do TST, abre, em Araçatuba, seminário do TRT-15 sobre o combate ao trabalho infantil
Por Ana Claudia de Siqueira
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, por intermédio do Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Infantil e da Escola Judicial da Corte, promoveu na última sexta-feira, 11 de setembro, o seminário "Trabalho Infantil – Sistema de Justiça e a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente", que reuniu um time de especialistas no auditório do Centro Universitário Toledo (UniToledo) de Araçatuba (SP). Cerca de 350 pessoas, a maioria estudantes, acompanharam o evento, iniciado com uma conferência do ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Lelio Bentes Corrêa.
Além do ministro Lelio, compuseram a mesa de abertura do evento os desembargadores Lorival Ferreira dos Santos, presidente do TRT-15, Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, diretor da Escola Judicial da Corte, e João Batista Martins César, presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil do Regional, e os juízes Andrea Guelfi Cunha, magistrada auxiliar da Vice-Presidência Judicial do Tribunal, Antonio Carlos Cavalcante de Oliveira, coordenador do Centro Integrado de Conciliação (CIC) de 1º Grau da Circunscrição de Araçatuba, inaugurado na ocasião, e Jaide Souza Rizzo, titular da Vara do Trabalho de Birigui, representando a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV). Também integraram a mesa o reitor do UniToledo, professor Bruno Roberto Pereira de Toledo, a secretária municipal de Assistência Social, Aparecida Marta Dourado e Castro, representando o prefeito Cido Sério, o presidente da Câmara Municipal, vereador Cido Saraiva (PMDB), a procuradora do trabalho do Município de Araçatuba, Ana Raquel Machado Bueno de Moraes, e o representante da subseção local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Pedro Augusto Chagas Júnior.
Bruno Toledo deu as boas-vindas aos participantes e enalteceu a iniciativa do seminário, que, segundo ele, torna o UniToledo um centro de debates e ações de proteção à criança e ao adolescente. "O trabalho infantil em pleno século XXI é uma realidade inaceitável, pois rouba de nossas crianças o direito ao conhecimento e às inesquecíveis experiências lúdicas, essenciais para seu crescimento, desenvolvimento e atuação enquanto cidadãos no futuro", enfatizou o reitor do centro universitário. Ele defendeu a criação de estratégias efetivas que garantam os plenos direitos da criança e do adolescente e elogiou "o incansável trabalho de fiscalização e aplicação das leis exercido por juristas e especialistas, que certamente resultará em um Brasil mais justo, humano e socialmente desenvolvido".
O seminário contou com a presença de inúmeras autoridades. Do TRT-15 compareceram os desembargadores Flavio Allegretti de Campos Cooper (presidente da Corte na gestão 2012-2014 e membro do Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Infantil), Fernando da Silva Borges, João Alberto Alves Machado e José Antonio Pancotti (desembargador aposentado) e diversos juízes de 1ª instância. As vereadoras Edna Flores, da Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil, e Tieza Lemos Marques também prestigiaram o evento.
A competência do sistema da Justiça do Trabalho
Coube ao desembargador Lorival apresentar um breve currículo do ministro Lelio Bentes Corrêa. O conferencista, que discorreu sobre "A competência do sistema da Justiça do Trabalho: a atuação em rede no combate ao trabalho infantil", é bacharel em Direito pela Universidade de Brasília e mestre em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela Universidade de Essex, na Inglaterra. Tendo ingressado no Ministério Público do Trabalho (MPT) em 1989, foi subprocurador-geral do Trabalho, membro do Conselho Superior do MPT e chefe da Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção do Trabalhador Adolescente, antes de ser nomeado, em julho de 2003, para integrar a Corte Superior Trabalhista, pelo quinto constitucional. Entre 2002 e 2003 atuou como oficial de programas para a América Latina do Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil (IPEC) da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O ministro iniciou sua exposição traçando um panorama histórico-legislativo do combate ao trabalho infantil. "A luta contra o trabalho infantil não é novidade, data do final do século XVIII, a partir das atrocidades vivenciadas pelo mundo durante a Revolução Industrial", lecionou Bentes Corrêa, referindo-se às primeiras leis editadas na Inglaterra que reduziam a jornada de trabalho infantil de 12 para 8 horas diárias e estabeleciam a idade mínima de 9 anos para o trabalho. "O movimento protetivo repercutiu pela Europa e, em 1813, a França proibiu o trabalho de crianças em minas. Outros países do continente, como Alemanha e Itália, também adotaram medidas de proteção."
Com a criação da OIT, como uma agência multilateral da Organização das Nações Unidas, em 1919, fixou-se, por meio da Convenção nº 5, uma idade mínima para admissão nos trabalhos industriais, explicou Bentes Corrêa. "Depois vieram outras convenções, estendendo patamares para outros processos produtivos, como a Convenção 138, em 1973, que unificou a idade mínima para o trabalho em todos os setores da economia." O ministro ressaltou, no entanto, que poucas Constituições fazem alusão expressa à idade mínima para o trabalho. "Disposições estão previstas em Constituições latino-americanas como as do Brasil, Equador, Honduras, México e Panamá, mas não há uma uniformidade."
O palestrante criticou veementemente o movimento existente no Brasil, impulsionado por interesses econômicos, em prol da redução da idade mínima para o trabalho. "Não é devaneio a idade mínima de 16 anos. O Congo adota esse patamar. Na Macedônia, Sérvia, Gâmbia, Bielorrússia e África do Sul a idade mínima é de 15 anos", argumentou. Apesar de toda essa diversidade, o ministro apontou uma nota comum entre as Constituições, uma vez que todas elas garantem o direito da criança à educação, considerado um dever do Estado. "A obrigatoriedade da educação ocupa, assim, papel de destaque na erradicação do trabalho infantil."
O ministro ressaltou que o antagonismo entre educação e trabalho está no centro da Convenção 138 da OIT. "O trabalho não afasta a criminalidade e ambos são opostos à educação. A Convenção 138 tem claramente esse escopo. Nenhum trabalho deve ser permitido antes que se complete a educação obrigatória. Todos os países devem adotar uma política nacional que resulte na efetiva abolição do trabalho infantil, com o aumento progressivo da idade." Bentes Corrêa informou que 186 países já aderiram às premissas da OIT e se comprometeram a informar, periodicamente, a evolução de sua situação econômica e a intenção de elevar a idade mínima para o trabalho.
Retrocesso boliviano
O conferencista defendeu a opção do Brasil de fixar a idade mínima para o trabalho em 16 anos, nos termos da Recomendação 146 da OIT, e lamentou a aprovação pela Bolívia, em julho de 2014, de um novo Código do Menor, fixando em 12 anos a idade mínima para o trabalho e autorizando, excepcionalmente, o trabalho a partir dos 10 anos, se por conta própria. Segundo o ministro, a atitude da Bolívia é um grande retrocesso. "O caminho para escapar da crise econômica não é retroceder e reduzir a idade mínima." Com relação ao Brasil, disse temer a posição do Congresso Nacional acerca da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reduz a idade mínima para o trabalho de 16 para 14 anos. "É um futuro assombroso. Teremos de construir mais presídios e destruir escolas."
A dificuldade de fiscalização do trabalho infantil doméstico também foi abordada pelo ministro. "Mais de 10 milhões de crianças e adolescentes estão engajadas no trabalho doméstico no mundo. Há um direcionamento da fiscalização para o setor formal e, assim, esses menores acabam ficando fora do radar, fora de autuações importantes", observou Bentes Corrêa, que elogiou o esforço do MPT e dos magistrados para ter acesso a essas crianças no mercado informal.
Segundo o palestrante, dos 186 países-membros da OIT, 168 ratificaram a Convenção 138 e 161, a Convenção 182, que determina que todo Estado-membro da Organização deverá adotar medidas imediatas e eficazes que garantam a proibição e a eliminação das piores formas de trabalho infantil em regime de urgência. "No Brasil, graças à atuação do Fórum Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, elaboramos a lista mais completa do mundo, com 93 atividades, que vão desde a construção civil ao cultivo de algodão, lixões, câmaras frigoríficas e trabalho doméstico", lecionou o ministro. Na sua avaliação, contudo, tal comprometimento não tem sido suficiente para acabar com essa chaga social. "No Brasil, 61 mil crianças na faixa dos 5 aos 9 anos ainda trabalham, o que pode ser atribuído, em parte, à fraca implementação de programas sociais e à carência de escolas em tempo integral." Citando o pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa, um dos redatores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Bentes Corrêa destacou que "o desafio de todos é problematizar o trabalho infantil, porque no Brasil ele ainda é visto como solução".
Por fim, o palestrante abordou a Recomendação firmada em dezembro de 2014 pelos TRTs da 15ª e da 2ª Região, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Ministério Público do Estado de São Paulo para que os juízes de direito da Infância e da Juventude encaminhem os pedidos de autorização para o trabalho de crianças e adolescentes à Justiça do Trabalho. A iniciativa, inédita, foi recentemente contestada no Supremo Tribunal Federal, que deverá se posicionar em breve sobre o tema. Segundo o ministro, a Recomendação é resultado de uma conjugação de esforços, movida por uma relevante questão social. "O exercício da Magistratura não se restringe ao gabinete. Tem uma dimensão cidadã, muitas vezes mais relevante do que o próprio processo. É em nossas mãos que recai a realidade palpável, que grita pela plena e definitiva erradicação do trabalho infantil", concluiu.
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