Congresso Rural: 2º painel debate o trabalho infantil no campo
Por Luiz Manoel Guimarães
O 2º painel do XVII Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural abriu as atividades da tarde desta quinta-feira, 8 de outubro, no auditório do Quality Hotel & Convention Center, em Marília, SP, pondo em pauta a chaga do trabalho de crianças e adolescentes no meio rural. Sob a coordenação do desembargador Fernando da Silva Borges, da 10ª Câmara do TRT-15, os debates contaram com a participação do desembargador João Batista Martins César, da 11ª Câmara da Corte, e do advogado Cristiano Barreto Zaranza.
Ao abrir os trabalhos, Fernando Borges observou que, de acordo com a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, publicada em 2012, trabalhavam no Brasil nessa época mais de 3 milhões de pessoas dos 5 aos 17 anos. "O número revela o tamanho do desafio assumido pelo País, de erradicar, até 2016, as piores formas de trabalho infantil, e todas as formas até 2020", enfatizou o magistrado, que foi vice-presidente administrativo do Tribunal no biênio 2010-2012.
Queda ainda é insuficiente
Advogado da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Cristiano Barreto Zaranza coordena a Comissão Nacional de Relações de Trabalho e Previdência Social da entidade. Atua como delegado e conselheiro técnico na Conferência Internacional do Trabalho, evento realizado anualmente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e que funciona como uma assembleia geral, em que cada Estado-membro tem direito a enviar quatro delegados - dois representantes do governo, um dos trabalhadores e um dos empregadores -, todos com direito a voto. É nessas reuniões que têm origem as convenções, recomendações e resoluções editadas pela OIT. Zaranza integra também o Conselho de Relações do Trabalho, o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), a Comissão Permanente Nacional Rural (CPNR) e a Comissão Nacional Tripartite, vinculados ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
O palestrante ressaltou que, segundo estimativa da OIT, até 2012 existiam no mundo aproximadamente 168 milhões de crianças e adolescentes trabalhando, a maioria deles (120 milhões) com idade variando dos 5 aos 14 anos. Dado ainda mais grave: cerca de 5 milhões desses menores eram explorados na época em condições análogas à escravidão.
No Brasil, comemorou Zaranza, houve uma redução de 59% no trabalho infantil, de 1992 a 2013, caindo de 7,8 milhões de crianças e adolescentes trabalhadores para cerca de 3,2 milhões – 30% desse total, aproximadamente 1 milhão, trabalhava em atividades agrícolas, contra cerca de 1,1 milhão no ano anterior. O advogado advertiu, porém, que, nesse ritmo, ainda haverá no País 2 milhões de crianças e adolescentes no mercado de trabalho em 2020, ano limite para cumprir o compromisso de erradicação do trabalho infantil.
Segundo Zaranza, no meio rural são dois os principais fatores que contribuem para a ocorrência do problema. "O primeiro deles é 'cultural'. O segundo, o baixo alcance escolar. O percentual de crianças que não estudam e apenas trabalham é alto no campo. A infraestrutura deficiente e o transporte público praticamente inexistente têm dificultado a permanência da criança na escola."
Para mudar esse quadro, o advogado preconiza investimentos maciços em educação, com escolas em tempo integral, melhoria nos salários dos professores e transporte público gratuito e regular, entre outros fatores. Ele citou como exemplo de localidade que já tornou real essa revolução o município de Pedra Branca, no interior do Ceará, a 260 quilômetros de Fortaleza. Campeã no teste de proficiência em alfabetização no estado em 2012, a cidade conseguiu colocar suas duas escolas rurais, Cícero Barbosa Maciel e Sebastião Francisco Duarte, entre as 20 melhores do País, com 8,1 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Benefícios econômicos
Desembargador do TRT-15 desde abril de 2013, João Batista Martins César foi procurador do trabalho por 15 anos. É especialista em direito processual civil pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo e mestre em direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Fez cursos de especialização no Centro Internacional de Formação, em Turim (Itália), e no Instituto Europeu de Relações Industriais, em Sevilha (Espanha), cidade onde também fez o Curso Avançado em Direito do Trabalho para Pós-Graduados.
Complementando a fala do primeiro palestrante, o magistrado destacou que, dos 168 milhões de crianças e adolescentes cuja mão de obra era explorada no mundo em 2012, mais da metade, 85 milhões, trabalhavam em atividades perigosas. No Brasil, em especial, o dia a dia dos menores trabalhadores é permeado pelo risco, apontou o desembargador. Segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, de 2007 a fevereiro de 2015 foram registrados 17.902 acidentes de trabalho em que as vítimas tinham de 5 a 17 anos, com 174 mortes e 400 mutilações. No meio rural, os dados disponíveis se referem a um período mais recente: de 2010 a 2014, foram 219 acidentes com trabalhadores nessa faixa etária.
Em São Paulo, estado com o maior número de acidentes notificados envolvendo menores de 18 anos, 8.179 crianças e adolescentes de 10 a 17 anos foram vítimas de acidentes de trabalho de 2006 a 2013, revela o magistrado. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, 28 desses pequenos trabalhadores morreram, e outros três desenvolveram transtornos mentais.
João Batista reforçou a urgência de o Brasil implementar "ações imediatas e eficazes" para cumprir o compromisso de erradicar até o próximo ano as formas mais danosas de exploração da mão de obra de crianças e adolescentes, relacionadas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, a chamada Lista TIP. Entre elas estão todas as formas de escravidão, a exploração sexual, atividades ilícitas e trabalhos que prejudiquem a saúde, a segurança e a moral do menor.
O desembargador denunciou que o trabalho infantil também é economicamente nocivo. "Cálculos da OIT indicam que, a longo prazo, os benefícios econômicos promovidos pelo fim dessa prática superariam em muito os custos necessários para extingui-la, e o Brasil seria o país que mais lucraria com a erradicação do problema, podendo gerar riqueza dez vezes superior ao que gastaria para tirar as crianças do mercado de trabalho. A conta considera os custos para compensar as famílias pela renda perdida, para melhorar a rede de escolas e para financiar campanhas e políticas de combate ao trabalho infantil."
Os benefícios individuais também são muitos, argumenta João Batista. "Estudo da Fundação Getúlio Vargas atesta que, para cada ano de estudo, o salário do trabalhador aumenta em média 15%, e o nível de empregabilidade cresce 3,38%."
Além do que preconizam a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, o magistrado citou como medidas de combate à exploração da mão de obra infantil no País projetos do próprio Judiciário Trabalhista, que implementou em novembro de 2013 o Programa de Combate ao Trabalho Infantil no Âmbito da Justiça do Trabalho. Iniciativa do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), o programa envolve também os 24 TRTs brasileiros "no compromisso com a profissionalização adequada dos nossos jovens e com a erradicação do trabalho infantil, chaga social", conforme enfatiza João Batista. O desembargador é o gestor regional do programa na 15ª Região, juntamente com os juízes José Roberto Dantas Oliva e Tárcio José Vidotti, titulares, respectivamente, da 1ª Vara do Trabalho (VT) de Presidente Prudente e da 4ª VT de Ribeirão Preto. Os três magistrados também fazem parte do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil no Âmbito do TRT-15, instituído em 2014 pelo Tribunal. Completam o Comitê os desembargadores Flavio Allegretti de Campos Cooper e Tereza Aparecida Asta Gemignani e a juíza Eliana dos Santos Alves Nogueira, titular da 2ª VT de Franca.
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