Palestra na Ejud15 : desembargador Samuel instiga reflexões sobre crença e religião no trabalho

Conteúdo da Notícia

Por João Augusto Germer Britto

Na noite de ontem (29/09), a Escola Judicial da 15ª Região recebeu o desembargador Samuel Hugo Lima, que palestrou sobre "Liberdade de crença no ambiente de trabalho". O evento fez parte dos Ciclos temáticos organizados pela direção da Escola.

Estiveram presentes as desembargadoras Maria Madalena de Oliveira e Thelma Helena Monteiro de Toledo Vieira, além de juízes que atuam em substituição no Tribunal e da juíza auxiliar da Corregedoria, Maria da Graça Bonança Barbosa.

Apresentado pelo desembargador Edmundo Fraga Lopes, que ressaltou ser o convidado mestre em direito processual civil, professor universitário, ex-diretor da Ejud15 e ex-presidente do Conematra (Conselho Nacional das Escolas de Magistratura do Trabalho), Samuel inicialmente registrou seu prazer em retornar à Escola, "local onde viveu anos intensos e de grande realização profissional" e não escondeu "que o tema seja polêmico, mas nós precisamos pensar sobre isto, uma vez que muitas situações não possuem resposta certa".

O desembargador citou disposições constitucionais que garantem a liberdade de crença e religião, lembrando que "embora possua uma definição, a religião é uma experiência pessoal, sendo que o Estado não só deve proteger essa liberdade como não agir contra ela". Ele apontou que artigos da CLT e do CPC, que falam sobre o descanso do trabalhador aos domingos e a excepcionalidade de atos processuais nesse dia "possuem um fundo religioso". Ademais, considerou que "existe uma dificuldade de interpretação jurídica neutra e é preciso buscar, dentro do assunto, uma convivência equilibrada entre sacro e profano".

O desembargador ponderou que a liberdade de crença "é um direito absoluto, mas seu exercício não o é. Assim, ficam dúvidas: um motorista de ambulância, sabatista, pode se recusar a atender uma catástrofe no sábado? Uma testemunha de Jeová que trabalhe na área médica pode se recusar a participar dos atos que concretizam uma transfusão de sangue?". Essas questões indicariam que "não haveria respostas prontas na nossa conversa de hoje".

Para Samuel, deve haver uma ponderação bem feita entre os conceitos pertinentes ao poder de direção do empregador e ao princípio da proteção ao trabalhador (art. 3º da CLT), "uma vez que não pode haver abuso diretivo e as relações de trabalho estão se humanizando cada vez mais, por influência de artigos do Código Civil que defendem valores éticos, boa fé objetiva e função social da propriedade". Ele admite, no entanto, que o poder de adaptação do empregador tenha um limite, o qual poderia vir da ideia da "adaptação razoável", tratada por Convenção Internacional em 2007 e ratificada pelo governo brasileiro na ONU em 2008, em relação às pessoas com deficiência.

A exposição distinguiu "o empregador comum do empregador com tendências religiosas", assentiu que "em organizações confessionais é possível a restrição ideológica" e indicou que o assunto seria "um pouco menos difícil de ser resolvido quando envolvesse organizações empresariais que agregam a finalidade religiosa à econômica" (editoras, TVs, livrarias, etc).

Samuel propôs uma reflexão sobre "as consequências do desrespeito à espiritualidade no mundo corporativo, que por sua via dupla podem remeter aos arts. 482 e 483 da CLT, a ações indenizatórias e cominatórias, a ações penais e até a ações civis públicas".

Trazendo diversos julgados que analisavam especialmente pedidos de indenização por dano moral a trabalhadores, por questões religiosas no ambiente laboral, o desembargador Samuel mostrou que já houve decisão no TST "no sentido de a empresa não poder impedir que trabalhadora vestisse burca" ou "no TRT8ª, sobre empregador que discriminava católicos e não aceitava que as trabalhadoras fizessem as unhas, sendo condenado". Por outro lado, "aqui mesmo no TRT15ª, o desembargador Pancotti - 'faz falta' - não acolheu recurso em que trabalhador pedia indenização pelo fato de o empregador convidar (e não obrigar) para culto uma vez por semana e liberar do trabalho quem não participasse".

Do exterior, o palestrante trouxe o caso de um organista de igreja que teve um caso extraconjugal e a Corte Europeia de Direitos Humanos considerou legítima a dispensa pela entidade religiosa. Na Espanha, um padre que, em reportagem, declarou ser contra o celibato, teve seu contrato rescindido - com reconhecimento judicial - "porque se entendeu que quem pretende transmitir a fé religiosa deve professar a mesma fé de sua instituição".

Samuel externou certeza "quanto à não obrigatoriedade de o empregador disponibilizar espaço para culto aos trabalhadores e à impropriedade de, na ficha de seleção, indagar sobre a religião do candidato ao emprego".

Ao exaltar a vida em uma sociedade pluralista, o palestrante encerrou sua fala citando Buda : "A tolerância é a mais difícil das disciplinas".

Unidade Responsável:
Comunicação Social