Trabalho Escravo é tema de seminário e encontro com juízes da região de Sorocaba

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Por Ana Claudia de Siqueira

O meu nome é Salma. Nasci na Mauritânia em 1956, escrava. Os meus pais eram escravos e os pais deles foram escravos da mesma família. Assim que comecei a andar, fui obrigada a trabalhar durante todo o dia, todos os dias. Mesmo quando estava doente, tinha de trabalhar. Batiam-me frequentemente. Um dia, bateram na minha mãe e eu não aguentei: tentei impedi-los. O chefe da família ficou muito zangado comigo. Atou-me as mãos, marcou-me com um ferro em brasa e deu-me um estalo. O anel dele fez-me um corte que deixou uma cicatriz. A narrativa de quase quatro laudas, a cargo da professora de Direito do Trabalho da UNISO, Noêmia Galduróz Cosserlmelli, atendendo ao pedido do presidente do Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Discriminação do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, desembargador Eduardo Benedito de Oliveira Zanella, silenciou a plateia por alguns minutos, causando perplexidade e reflexão. Ele justificou. "Este relato representa boa parte do que nós iremos discorrer, dando uma noção geral sobre escravidão e tráfico de pessoas". O texto foi publicado na edição de setembro de 2003 da Revista National Geographic. Para ler a íntegra, clique aqui. 

Esta foi a tônica do seminário Aspectos Relevantes: Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Discriminação, realizado pelo TRT-15 na manhã da última sexta-feira, dia 28/8, na Universidade de Sorocaba (UNISO), com o objetivo de conscientizar os diversos segmentos da sociedade sobre a problemática, não restrita apenas a outros continentes, mas uma realidade que ainda persiste em todas as regiões do Brasil.

Alguns números foram apresentados pelo presidente do TRT-15, desembargador Lorival Ferreira dos Santos, durante a abertura do evento. "Estimativa da OIT (Organização Internacional do Trabalho) de 2014 aponta que 21 milhões de pessoas são vítimas de trabalho escravo no mundo, e no Brasil, segundo o Ministério Público Federal, entre 2010 e 2014, 8.763 trabalhadores foram resgatados em situação análoga a de escravos." Lorival atentou para as ocorrências também em São Paulo, principalmente na construção civil, e citou um caso envolvendo trabalhadores que eram submetidos à pulverização para não contaminar a laranja durante a colheita em fazenda paulista. "O TRT tem dado sua contribuição, buscando esclarecer a comunidade, para que seja mais humana, solidária e menos individualista". Lorival parabenizou o comitê, na pessoa do desembargador Zanella e agradeceu a parceria da UNISO.

Antes disso, a professora Noêmia, representando a universidade, destacou o importante significado do seminário, que reúne representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário com a intenção única de resgatar a dignidade dos trabalhadores, tendo a UNISO como centro do debate. "A UNISO tem a missão de ser uma universidade comunitária que produza conhecimentos e forme profissionais para serem agentes de mudanças sociais. Este evento irá contribuir para que essa missão seja cumprida", ressaltou.

Além do presidente Lorival, do desembargador Zanella e da professora Noemia, compuseram a mesa de trabalhos, o vice-diretor da Escola Judicial do TRT-15, desembargador Manoel Carlos Toledo Filho; o pró-reitor acadêmico da UNISO, José Martins de Oliveira Júnior (representando reitor da universidade, professor-doutor Fernando de Sá Del Fiol); a procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Campinas, Catarina Von Zuben; a advogada Emanuela Barros, da subseção local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); e a vice-presidente do Centro Acadêmico de Direito da UNISO, Beatriz Nicole Reisankas de Caravalho. Cerca de 290 pessoas, a maioria estudantes universitários da área de Direito e Educação, assistiram aos painéis. Prestigiaram também o evento, os desembargadores Susana Graciela Santiso (membro do Comitê de Erradicação do Trabalho Escravo do TRT-15) e João Batista Martins César (presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil do TRT-15); a juíza diretora substituta do Fórum Trabalhista de Sorocaba e titular da 1ª Vara do Trabalho (VT), Maria Cristina Brizotti Zamuner; o juiz titular da VT de Ituverava, Renato César Trevisani (também membro do Comitê de Erradicação do Trabalho Escravo do TRT-15); o gerente regional do Trabalho e Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Rodolfo Casagrande; e o auditor fiscal do trabalho, Roque de Camargo Júnior.

Punição Econômica: a Lei Estadual nº 14.946/2013

O deputado estadual Carlos Bezerra Jr, autor da lei paulista nº 14.946/2013 de combate o trabalho escravo, discorreu sobre O Poder Legislativo no Enfrentamento do Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas. "Os criminosos se aproveitam da desvantagem econômica e social para transformar pessoas em mercadorias", salientou. Para ele, não se muda a cultura com calhamaço de papeis e deu como exemplo uma iniciativa da ONG Repórter Brasil. A entidade criou um aplicativo para Android e IPhone, chamado APP Moda Livre, que avalia as medidas adotadas pelas principais marcas de roupa para evitar o uso do trabalho escravo na produção de peças.

Bezerra assinalou também que as punições econômicas são mais eficazes do que as criminais. A "lei Bezerra" prevê a cassação por 10 anos do registro de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de empresas flagradas com trabalho escravo. "O mecanismo é causar prejuízo para quem lucra com isso". Por fim, Bezerra elogiou a sensibilidade do TRT-15 em abordar essas questões relacionadas ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas, dando oportunidade para que as pessoas possam conhecer a legislação e sua aplicabilidade.

Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas

Na sequência, a assessora da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, Juliana Felicidade Armede, abordou os Aspectos Relevantes do Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas sob a Ótica do Poder Executivo, descrevendo as ações do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP), que trabalha para promover o encaminhamento de casos de tráfico de pessoas para atendimento das demandas de assistência integral às vítimas junto aos órgãos competentes nas esferas de governo municipal, estadual e federal.

Conceitos

O juiz titular da Vara do Trabalho de São Roque, Marcus Menezes Barberino Mendes, também integrante do comitê regional de erradicação do TRT-15, apresentou ao público a palestra sobre O Conceito do Trabalho Escravo Contemporâneo, Tráfico de Pessoas e Discriminação. Por meio de slides, explicou que a constante mobilidade da população humana é provocada por falta de estrutura socioeconômica ou guerras. Barberino citou ainda o artigo 149 da Lei nº 10.803/ 2003, que estabelece penas ao crime tipificado e indica as hipóteses em que se configura condição análoga à escravidão.

Imigração

Finalizando as atividades do seminário, o coordenador do Centro de Apoio e Pastoral do Migrante (Cami), Roque Patussi, tratou da Imigração no Mundo do Trabalho. "Quem somos, para onde vamos? Somos todos nômades", assinalou Patussi, chamando a atenção de todos sobre a diversidade e miscigenação. "Convido para que olhem ao redor. Temos pessoas brancas, negras, de cabelos lisos ou encaracolados. Olhos castanhos, negros ou azuis. Inúmeros sobrenomes".

Patussi explicou o trabalho desenvolvido pelo Cami, que atua diretamente na promoção dos direitos humanos fundamentais, na inserção social e na prevenção às formas de trabalho análogas a de escravo, prevenção ao tráfico de pessoas visando inclusão econômica, social, política, cultural e pastoral dos imigrantes. O centro promove também encontros de formação para a cidadania, capacitação de agentes multiplicadores em direitos humanos e prevenção ao tráfico de pessoas, cursos de informática e cidadania, aulas de português e cidadania, Escola da Diversidade Cultural e divulgação de direitos e deveres. Além disso, atua em um trabalho de incidência política para a construção de políticas públicas para os imigrantes.

Reunião com juízes do trabalho da região

O Fórum Trabalhista do município sediou à tarde o 2º Encontro do Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Discriminação, desta vez com magistrados da Circunscrição de Sorocaba, Maria Cristina Bizotti Zamuner, Walter Gonçalves, Marcus Menezes Barberino Mendes,Valdir Rinaldi Silva, Ana Maria Eduardo da Silva, Alexandre Chedid Rossi, Paulo Eduardo Belloti, Tony Everson Simão Carmona, Erika Ferrari Zanella, Iuri Pereira Pinheiro e Gustavo Naves Guimarães. Foram abordados os seguintes temas: A Prática do Combate ao Trabalho Escravo sob o Enfoque da Fiscalização do Trabalho (Sérgio Aoki – auditor fiscal do trabalho); Cooperação Institucional – A Questão da Prova na Justiça Criminal (Ricardo Perin Nardi – Procurador da República); Ações do Ministério Público do Trabalho da 15ª Região (Catarina Von Zuben – Procuradora-Chefe do MPT em Campinas); e Atuações Concretas – Caso Agrishow (Renato César Trevisani – Juiz Titular da Vara do Trabalho de Ituverava e integrante do Comitê da 15ª). O encontro buscou reforçar, junto aos magistrados, a importância da identificação de situações de trabalho escravo ou tráfico de pessoas, com foco no detalhamento de provas durante a instrução do processo trabalhista para subsidiar investigações e punições por outras esferas do Judiciário, sobretudo a criminal.

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