Primeira audiência pública do TRT 15ª em 30 anos confirma-se como evento marcante, discutindo o trabalho dos aprendizes e sua adequação legal

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Por João Augusto Germer Britto

Dois dias depois de uma menina de 12 anos, refugiada síria no Brasil há um ano, carregar a tocha olímpica em Brasília e dar entrevistas em português fluente, o TRT 15ª protagonizou a primeira Audiência Pública de sua história, para conscientizar empresários sobre a relevância da contratação de aprendizes e intensificar ações voltadas ao cumprimento da Lei 10.097/2000.

Essa sensibilização pretende inibir ou erradicar, concomitantemente, casos de trabalho ilegal de crianças e adolescentes, como antes da Audiência anunciara o presidente do TRT15 (e do Coleprecor), Lorival Ferreira dos Santos. A menina síria Hanan Khaled não trabalha (nem poderia !), mas é candidata a ser uma aprendiz em pouco tempo; ela está, felizmente, em condição social e educacional adequada para sua idade.

 

Presidente Lorival: "É obrigação do Estado instituir políticas públicas para a valorização das crianças e dos adolescentes"

A Audiência Pública, idealizada em conjunto pelo TRT 15ª, Ministério Público do Trabalho 15ª e Ministério do Trabalho e Previdência Social, teve sua mesa alta composta pelo anfitrião, desembargador Lorival, o prefeito de Campinas Jonas Donizette, a ministra do TST Maria de Assis Calsing (vice-coordenadora nacional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do CSJT), o procurador-chefe do MPT 15ª Eduardo Luis Amgarten, o desembargador João Batista Martins Cesar (presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho da 15ª), o preisdente da Câmara Municipal de Campinas, Rafael Zimbaldi, o presidente da Amatra XV Luis Rodrigo Fernandes Braga, o gerente regional do MTPS em Campinas João Batista Amâncio e a secretária municipal da Cidadania Janete Aparecida Giorgetti Valente.

 

A Audiência está vinculada ao supramencionado Programa do CSJT, às comemorações dos 30 anos do TRT 15ª e à Semana Nacional de Aprendizagem (de 02 a 06 de maio) na Justiça do Trabalho. A Orquestra dos Patrulheiros de Campinas abriu o concorrido e inédito evento no Plenário da 15ª, executando o hino nacional e mais dois números musicais.

O presidente do TRT 15ª inaugurou os discursos cumprimentando a todos. Lorival Ferreira afirmou sua "satisfação ímpar, nos trinta anos do Tribunal, receber tantas ilustres personalidades e dignas presenças para debater os caminhos da aprendizagem". O desembargador falou em "intensificar ações para o cumprimento da cota legal, que como todos sabem atualmente se encontra muito longe de ser atingida". Ele fez questão de lembrar dos "regramentos internacionais e de nossa Constituição Federal, além de um capítulo próprio na CLT, que asseguram a valorização da criança e do adolescente e fazem da profissionalização um de seus direitos fundamentais". Lorival destacou o papel dos empresários na aprendizagem, pois estariam "cumprindo sua função social para o primeiro emprego" e saudou as ações conjuntas das instituições e entidades que encamparam os debates sobre a aprendizagem.

 

Posteriormente, o prefeito Jonas Donizette assinou um Decreto, concebendo uma Comissão interinstitucional que cuidará da elaboração do Plano Municipal de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. O prefeito de Campinas salientou que "uma causa grande deve envolver muitas pessoas que tenham boa vontade" e saudou, de forma especial, os representantes das empresas e dos trabalhadores que vieram à Audiência. Jonas defendeu que o dispositivo legal da aprendizagem venha junto com o trabalho social, citando que "educação e cidadania caminham juntas" e exortando que todos os agentes sociais mostrem à sociedade a possibilidade de o adolescente aprender um ofício, sem prejuízo de seus estudos e futuro. O prefeito disse que "dessa união de esforços certamente serão obtidos grandes resultados".

 

O vereador e presidente da Câmara, Rafael Zimbaldi, saudou o TRT15 pela iniciativa e indicou a "importância de informar às empresas sobre a contratação de menores aprendizes, uma vez conhecidas as dificuldades, para os jovens, de ingresso no mercado de trabalho".

 

O procurador-chefe do MPT 15ª, Eduardo Luis Amgarten, destacou que "a Constituição cidadã de 1988 trouxe uma nova ordem jurídica, que valoriza os direitos sociais e coloca o valor do trabalho como algo fundamental à sociedade". Amgarten lembrou dos termos que anunciam a promulgação da Carta Magna, disse que ela é a grande protagonista do ordenamento jurídico e estabelece inúmeros direitos para crianças e adolescentes, dentre eles a profissionalização. O procurador opina que "a aprendizagem é caminho para solução de sérios problemas e todos sabem que, para os jovens, ingressar no trabalho e custear estudos é muito difícil".

 

O presidente da Amatra XV, referiu-se a "um momento especial, onde o Judiciário traz a sociedade para um diálogo". Braga pontuou sobre a antiga luta de sua Associação para disseminar e conscientizar sobre o assunto. Ele destacou a necessidade de haver um alinhamento entre a iniciação profissional e a formação educacional oferecidas aos jovens. O juiz nominou o evento como um "importante passo" e disse que "nós queremos ter para a sociedade o que queremos para nossos filhos".

Mesa alta assina Pacto de colaboração entre instituições e entidades

Após os pronunciamentos supramencionados, as autoridades que compuseram a Mesa do evento assinaram um Pacto em que se comprometem a uma colaboração e intervenção articulada para ações que protejam o trabalho dos adolescentes e cuidem da erradicação do trabalho infantil. O documento fala em políticas públicas e sociais que confirmem como a aprendizagem contribui para abrir o mundo aos jovens e lhes dá garantia de direitos; todos estarão empenhados na "mudança coletiva de mentalidades e atitudes".

Os grandes parceiros do TRT 15ª, saudados por sua presidência, são o Ministério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho e da Previdência Social, a Prefeitura Municipal de Campinas, o Fórum estadual da juventude, o "Sistema S", a ACIC e inúmeras federações, associações, sindicatos e entidades de trabalhadores e empresários, de diversas categorias profissionais, além de outros organismos sociais e não governamentais. Saliente-se que grande parte do público presente vinculava-se a esses agentes sociais, sem os quais o desembargador Lorival entende que não serão possíveis bons resultados pós Audiência.

Ministra Calsing discorre sobre o tema da tarde

 

Precedendo os debates da "Mesa técnica", a ministra do TST Maria de Assis Calsing discorreu sobre o trabalho infantil e a aprendizagem. Primeiramente, ela ressaltou a "importante parceria" da Justiça do Trabalho, do Ministério Público, do MTPS e de todas as entidades da ampla rede de proteção à criança e ao adolescente, além de entidades diversas e ONGs.

Calsing reiterou a conveniência de "as empresas tomarem ou aprofundarem seu conhecimento sobre a lei de aprendizagem, pois esse mecanismo possibilita aos jovens melhor qualidade de ensino e profissionalização". Em explanação de profundidade jurídica e alcance social, a ministra disse ser preciso "possibilitar aos jovens a construção de trajetórias ocupacionais futuras, até porque eles possuem mais habilidade para o desafio enfrentado pelas empresas na lida com inovações tecnológicas, as quais impulsionam a competitividade dos negócios nos dias de hoje".

A convidada do TST trouxe números para alertar que "a partir de 2014, crescem os índices de trabalho precário e infantil no país, e vejam que as projeções falam em mais de três milhões de jovens e crianças em trabalho irregular, com previsão de mais crescimento ainda, tanto em função do fator da situação familiar como especialmente em razão da ausência de perspectiva escolar e pobreza". Ela assentou que "o trabalho infantil só é protegido pela lei de aprendizagem".

Calsing afirmou ainda que os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, no Brasil, estão ameaçados "não só pelas condições de trabalho inadequadas mas também pela ausência, em muitos lares, de acesso à educação e ao saneamento básico, o que coloca milhões de jovens em situação de risco". A ministra também ressaltou que a Constituição de 1988 reafirma o princípio da dignidade da pessoa humana e isso deve ser levado aos jovens, que "são pessoas em desenvolvimento que muitas vezes vivenciam más condições sociais, capazes de vulnerabilizar crianças e adolescentes".

Calsing reconhece que, sobre o tema, "ainda há um longo caminho a percorrer e é preciso entender o significado da expressão constitucional 'prioridade absoluta' (aos direitos de crianças e adolescentes), de modo que a 'proteção especial' se concretize. A ministra elogiou as possibilidades dadas pela lei de aprendizagem, opinou que "o peso do desemprego e do trabalho precário" atinge mais os jovens, citou programas da ONU e do próprio governo brasileiro sobre trabalho decente e destacou que, para o tema, são prioritários, entre outros aspectos, "mais e melhor educação e a conciliação de estudo, trabalho e convívio familiar". Calsing terminou agradecendo à plateia, convidando-a para um filmete recentemente elaborado pelo TST sobre aprendizagem.

A seguir, nova Mesa foi formada para debates, com a participação da juíza Camila Ceroni Scarabelli (responsável pelo JEIA do Fórum trabalhista de Campinas) e da procuradora Marcela Monteiro Dória (representante regional da Coodinfância do MPT15ª), ocasião em que o presidente da 15ª Lorival Ferreira dos Santos trouxe, ao final de sua intervenção, reflexão do jurista e ministro do TST Maurício Godinho Delgado : "O empregado aprendiz é figura importante no Direito do Trabalho por traduzir fórmula jurídica de inserção da juventude nos benefícios civilizatórios da qualificação profissional pelo caminho mais bem protegido, que é o da relação de emprego".

A aprendizagem, a lei e a percepção do TST

A Semana Nacional de Aprendizagem auxilia na busca do engajamento das empresas para cumprir as cotas dessa modalidade de ocupação para os adolescentes (a "lei da aprendizagem" determina que as empresas de médio e grande porte contratem um número de aprendizes equivalente a um mínimo de 5% e um máximo de 15% dos trabalhadores existentes, cujas funções demandam formação profissional).

É básica para adentrar o assunto a nova redação dada ao art. 428 da CLT, que esclarece: "Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze e menor de dezoito anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação". O Decreto 5598/2005 veio regulamentar a matéria e traz a lista das piores formas de trabalho infantil, o que repercute na vedação de muitas atividades também para o aprendiz.

Números obtidos pelo IBGE em 2014 apontam mais de 3,3 milhões de crianças e adolescentes em situação irregular de trabalho no país. Deste total, 2,7 milhões eram adolescentes entre 14 e 17 anos. Ou seja, 84% dos jovens estavam trabalhando e 60% deles exerciam atividades ilegais e perigosas, principalmente em indústrias e na agricultura.

O Tribunal Superior do Trabalho considera que ao adotar a Lei, os empresários cumprem a função social de proporcionar a inclusão social com o primeiro emprego para os jovens e a oportunidade de contribuir para a formação dos futuros profissionais do país, difundindo os valores e cultura de sua empresa. Assim, a aprendizagem seria uma das maneiras de se enfrentar a precariedade do trabalho infantil e combinar educação e qualificação no trabalho, permitindo que os jovens tenham garantias trabalhistas, segurança e remuneração justa.

A Corte superior trabalhista já esclareceu em sua página eletrônica que o trabalho do menor aprendiz não pode ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola. Como o jovem se encontra em fase de formação, a necessidade de trabalhar não pode prejudicar seu crescimento, o convívio familiar e a educação, que lhe possibilitará as condições necessárias para se integrar futuramente à sociedade ativa.

Compareceram à Audiência, ainda, os desembargadores da 15ª Henrique Damiano (vice-presidente administrativo), Gisela Rodrigues Magalhães de Araújo e Moraes (vice-presidente judicial), Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani (diretor da Ejud 15ª) Eduardo Benedito de Oliveira Zanella, Flávio Allegretti de Campos Cooper, Luiz Antonio Lazarim, Helena Rosa Mônaco da Silva Lins Coelho, Tereza Aparecida Asta Gemignani, Erodite Ribeiro dos Santos de Biasi, Thelma Helena Monteiro de Toledo Vieira,Claudinei Zapata Marques e Antonia Regina Tancini Pestana, além de juízes do 1º grau, servidores, estudantes e advogados.

 

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Comunicação Social