Com a uniformização do direito e a evolução da jurisprudência como tema, ministro Luiz Philippe, do TST, faz a conferência de abertura do Congresso do TRT-15

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Por Luiz Manoel Guimarães

No ano em que completa 30 anos de carreira na Magistratura Trabalhista, o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, presidente da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), foi o encarregado de proferir a conferência de abertura do 17º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT da 15ª Região, que começou na manhã desta quinta-feira, 8 de junho. O bom humor do magistrado – "É a quinta vez que sou convidado para participar do Congresso do TRT-15. Parece que eles gostam de persistir no erro" - fez logo de início um contraponto à solenidade do tema a ser tratado: "A evolução do direito e a uniformização da jurisprudência". Ao seu lado, o presidente do TRT-15, desembargador Fernando da Silva Borges, que apresentou o conferencista às mais de 1.200 pessoas presentes ao Theatro Municipal de Paulínia, palco do encontro.

Antecipando em que sua fala se concentraria, o ministro sublinhou que trataria não de aspectos técnicos, mas, sim, de "uma avaliação das circunstâncias em que se dá uma decisão judicial e suas consequências para a sociedade". Luiz Philippe focou sua abordagem na "corda bamba" em que a jurisprudência se equilibra – se, de um lado, em nome da segurança jurídica, ela clama por estabilidade, de outro, pela inviabilidade da estagnação do direito, não lhe é dado permanecer imóvel. "É possível haver justiça em meio a esse dilema?", questionou nosso conferencista.

Para enriquecer sua reflexão, o ministro lembrou "dois casos emblemáticos", como ele mesmo qualificou.   No primeiro, que ficou conhecido como "O caso Dred Scott", a Suprema Corte dos Estados Unidos, mesmo sob forte campanha abolicionista encampada pela mídia e pela maioria da sociedade, decidiu, em 1857, que as pessoas de ascendência africana, importadas para o país e mantidas como escravas, ou seus descendentes, quer fossem escravos ou não, não estavam protegidos pela Constituição norte-americana e, inferiores, não podiam ser considerados cidadãos, sendo-lhes vedado, por exemplo, pleitear nos tribunais. "Prevaleceu nesse caso a segurança, em detrimento até do clamor da sociedade", lamentou Luiz Philippe. Só dez anos depois, ao final da Guerra Civil americana, lecionou o magistrado, a 14ª Emenda derrubaria essa decisão, consagrando que nenhum Estado poderia tirar a vida, a liberdade ou a propriedade sem estar amparado por um processo legal. "Mas foi o Legislativo, e não o Judiciário, o protagonista da mudança", observou o ministro.


Na França, ou mais precisamente a pequena cidade de Morsang-sur-Orge, a cerca de 25 quilômetros ao sul de Paris, ocorreria 140 anos depois, detalhou o conferencista, o segundo caso polêmico. Numa disputa que chegou até a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos, foi confirmada uma medida do prefeito local, que proibiu a prática de "arremesso de anões", contrariando a vontade do dublê Manuel Wackenheim, cidadão de 1,14 m de estatura e que, até a proibição, era o arremessado, posto que essa era sua principal forma de ganhar a vida. Venceu, aí, esclareceu Luiz Philippe, o princípio da dignidade humana, o qual se sobrepôs aos argumentos do próprio Wackenheim, que alegara inclusive ter havido, da parte da Prefeitura de  Morsang-sur-Orge, discriminação aos portadores de nanismo.

No Brasil, prosseguiu o ministro, a trajetória da jurisprudência se divide em dois momentos claramente distintos, e mais uma vez a Constituição Federal de 1988 é o divisor de águas. Antes dela, ensinou o conferencista, a legislação civil, infraconstitucional, era preponderante, cabendo à Carta Magna meramente organizar o Estado. "Prevalecia um positivismo legalista, em que regra e norma eram sinônimos, e ao juiz cabia não mais que declarar normas preexistentes. Vigorava um Estado liberal, com baixa operatividade da atividade judicial." A chamada Constituição Cidadã instituiu no País o Estado Democrático de Direito, em que a CF "é o alicerce da ordem jurídica", enfatizou Luiz Philippe. Nesse contexto, ponderou ele, o papel do juiz passa a ser outro. "O legislador produz o texto legal, mas é o juiz que o interpreta na aplicação ao caso concreto. Dessa diferenciação entre texto e norma é que a atividade do juiz cresce e ganha importância."


Tamanha prerrogativa não vem, todavia, sem responsabilidades e demandas à altura, adverte o conferencista. "Vivemos em meio a um aumento crescente da complexidade e da fragmentação das relações sociais, e numa sociedade tão complexa e fragmentada, nem mesmo o legislador consegue acompanhar a velocidade dos acontecimentos. À lei, por si só, não é possível prever todas as variáveis. Assim, não é o Legislativo, e sim o Judiciário que dá a interpretação derradeira ao texto legal, caso a caso."

Essa interpretação, por outro lado, pondera Luiz Philippe, há de vir alicerçada em determinados critérios. "Precisamos refutar o excesso de subjetividade, algo como 'se decido assim, é porque entendo assim'", advertiu o conferencista, para quem toda decisão deve estar solidamente fundamentada. "Vivemos um tempo de valorização da argumentação jurídica."

O juiz, em meio a essa conjuntura,  aponta o ministro, tem diante de si "um trabalho hercúleo", em que, sem ignorar a riqueza do caso concreto que está em suas mãos, deve sempre estar ciente de que sua decisão pode gerar um comando para o futuro, para outros tantos casos semelhantes. O magistrado de hoje, preconiza Luiz Philippe, deve ir além do modelo tradicional, weberiano, dotado primordialmente de saber teórico. "Não é só interpretar e julgar. A sensibilidade e a alteridade, a capacidade de saber se colocar no lugar do outro, também são atributos fundamentais."


 

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