Segundo painel debate duração do trabalho no meio rural

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As divergências sobre a reforma trabalhista não se limitam ao trabalho urbano. Foi o que comprovou o painel "Duração do trabalho no meio rural – aspectos pessoais e econômicos", de quinta-feira (5/10), segundo do 18º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural, realizado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em São José do Rio Preto. Com argumentos antitéticos – embora também tenha havido espaço para convergências – a desembargadora Eneida Melo Correia de Araújo, do TRT-6 (Pernanbuco), e o vice-presidente e corregedor do TRT-18 (Goiás), desembargador Paulo Sérgio Pimenta, apresentaram perspectivas diferentes sobre o trabalho rural, principalmente em relação as chamadas horas in itinere.

O painel foi coordenado pelo diretor da Escola Judicial do TRT-15, desembargador Manoel Carlos Toledo Filho. Defensor da necessária diferenciação do trabalho rural, o desembargador do TRT-15, ao apresentar os painelistas, lembrou os participantes do congresso sobre o tratamento histórico dado pelo legislador ao homem do campo. "Eles sempre estiveram um pouco atrás na aquisição de direitos sociais, sobretudo antes da Constituição de 1988. A tendência sempre foi estender aos rurais direitos já concedidos aos urbanos", explicou. Para ele, a Lei 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, pode significar uma reversão dessa tendência. A tentativa de acabar com o pagamento das horas in itinere seria uma das evidências dessa marcha atrás.

De acordo com a nova redação dada pela reforma ao parágrafo segundo do artigo 58 da Consolidação das Leis do Trabalho, não será computado como tempo à disposição do empregador os minutos ou as horas gastos pelo trabalhador, em ônibus da empresa, para chegar até o posto de serviço. Com isso, a partir da primeira quinzena de novembro, quando entra em vigor a reforma, a Súmula 90 do Tribunal Superior do Trabalho deve esvair-se. Nela está previsto como jornada de trabalho o tempo gasto em condução fornecida pelo empregador, até o local de difícil acesso ou não servido por transporte público regular.

"Como bem destacou o desembargador Manoel Carlos, o trabalho rural é um trabalho diferente, muito penoso, protegido de uma forma especial. E essa diferenciação sobre o trabalho rural não somos nós quem fazemos, é a legislação", afirmou a desembargadora Eneida. Um cortador de cana pode colher até 12 toneladas por dia. Para isso, será necessário caminhar uma media de 8.880 metros, desferir mais de 130 mil golpes de facão, fazer quase 37 mil flexões torácicas e perder oito litros de água por dia. "O risco de morte em decorrência do trabalho é muito elevado", lembrou.

A desembargadora Eneida defendeu que a mudança no artigo 58 da CLT não acabará com o pagamento das horas in itinere devidas ao trabalhador rural. O direito estaria assegurado, por exemplo, pela mesma CLT, que em seu artigo 4º considera como serviço efetivo o período em que o empregado está à disposição do empregador.

Um dos exemplos apresentados pela desembargadora para defender essa tese foi o de uma briga dentro do ônibus da empresa, envolvendo dois trabalhadores rurais. "Nessa situação, eles podem ser dispensados por justa causa. Se estivessem em qualquer outro tipo de transporte coletivo, isso jamais ocorreria. Como ensina o professor Márcio Túlio Viana, é como se a fábrica se estendesse ao ônibus, seguindo os operários pela estrada", explica.

O pagamento também estaria assegurado por outros direitos sociais históricos, estabelecidos pelo ordenamento jurídico nacional e internacional. É o caso da limitação razoável da duração do trabalho, inscrita na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e defendida pela Organização Internacional do Trabalho desde sua fundação, em 1919.

Reforma não inova

Já o desembargador Paulo Sérgio Pimenta defendeu que a mudança no artigo 58 da CLT não é uma inovação. "O histórico recente de decisões do Supremo Tribunal Federal demonstra que a reforma trabalhista não inovou ao suprimir direitos coletivos e ao valorizar os acordos", afirmou. Como exemplo, ele citou uma decisão do ministro Teori Zavascki, de setembro de 2016, no Recurso Extraordinário 895.759. O ministro julgou que a constituição prevê que convenções coletivas podem estabelecer novos parâmetros para a jornada de trabalho, desde de que não ultrapasse os "limites do que é razoável". Com isso, esclareceu o desembargador Paulo Sérgio, abriu-se a possibilidade de supressão do pagamento das horas in itinere por meio de acordos firmados entre o sindicato e a empresa.

Além da decisão relatada pelo ministro Teori, outras também confirmariam a possibilidade acordos prevalecerem sobre leis trabalhista. O ministro Roberto Barroso, em outro recurso extraordinário (590.415), deu ganho de causa a um banco que quitou dívidas com os trabalhadores por meio de um acordo que teve como contrapartida o compromisso de eles de não procurarem a Justiça do Trabalho após o pagamento. "As decisões do STF estão alicerçadas na ideia de que na negociação coletiva há uma equivalência de forças entre os polos", afirmou.

O desembargador também fez um longa análise sobre como o TRT-18, instalado em 1990, tratou a questão das horas in itinere ao longo de sua história. As mudanças por lá ocorridas foram desde qual a norma é aplicável aos trabalhadores rurais a quais são os limites do poder negocial das convenções coletivas.

Seriam os trabalhadores de uma usina de açúcar e álcool rurículas ou industriários? Um acordo entre sindicato e empregador pode suprimir as horas in itinere? Pode haver pactuação do tempo médio gasto com deslocamento? Qual a base de cálculo para definir o valor das horas in itinere? Para essas e outras questões, a jurisprudência do TRT-18 ofereceu dezenas de respostas durante os 27 anos de história do Tribunal, ora respondendo-as afirmativamente, ora não.

Até 2007, o Regional goiano analisava em qual segmento empresarial o funcionário exercia sua atividade para julgar como enquadrá-lo. Quem laborava na lavoura, era rurícula; na usina, industriário. A partir de 2007, o TRT-18 passou a considerar que a atividade rural era secundária nas usinas, sendo, portanto, industriários todos os empregados. "Somos um tribunal obediente e procuramos adequar nossa jurisprudência àquela estabelecida pelos tribunais superiores, evitando, assim, um aumento no número de recursos", disse o magistrado.

O problema é que a jurisprudência do TST sobre o assunto também sofreu uma série de mudanças ao longo do tempo. O Tribunal Superior chegou a acolher o entendimento de que eram industriários os trabalhadores das usinas. Entretanto, em 2010, voltou a fazer a distinção pelo tipo de atividade realizada pelo trabalhador para, após algum período, afirmar que a atividade preponderante nas usinas era a rural, tese também superada em 2015.

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