V Simpósio de Direito do Trabalho Desportivo é encerrado com painel que contou com a participação do professor João Leal Amado, da Universidade de Coimbra

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Por Patrícia Campos de Sousa

O presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), Leonardo Andreotti de Oliveira, os advogados Maurício Correa da Veiga e Fabrício Trindade de Sousa, respectivamente secretário-geral e tesoureiro da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD), e o professor João Leal Amado, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, compuseram o time escalado pela organização do V Simpósio Nacional de Direito do Trabalho Desportivo para o último painel do evento, realizado no auditório do Centro Universitário Salesiano (Unisal), em Campinas, na sexta-feira, 22 de setembro. A coordenação dos debates coube à juíza Camila Ceroni Scarabelli, coordenadora do Juizado Especial da Infância e Adolescência (Jeia) da Circunscrição de Campinas.

"O contrato de trabalho desportivo na visão do Tribunal Superior do Trabalho" foi o tema da palestra de Maurício Correa da Veiga. Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB do Distrito Federal e autor de vários trabalhos sobre o tema, o palestrante apresentou uma breve retrospectiva histórica do direito desportivo no País, destacando, como marcos de um período inaugural, a instituição do Decreto-Lei 3.199, em 1941, considerado a primeira lei orgânica do desporto brasileiro, e a criação, nesse mesmo ano, do Conselho Nacional de Desportos (extinto em 1993), com a atribuição à União da competência privativa para legislar sobre o desporto.

Em 1945, com o fim da 2ª Guerra Mundial, explicou o palestrante, teve início uma nova fase para o desporto brasileiro, que, ainda sob forte intervenção estatal, começa a se alinhar às regras internacionais. Com a aprovação da Constituição Federal de 1988, comemorou o advogado, "passamos a viver uma fase de maior autonomia para o desporto, consolidada com a aprovação da Lei 9.615/1998, a chamada Lei Pelé ou Lei Geral do Desporto, ainda hoje em vigor, mas com várias alterações". Desde então, lecionou Maurício, no julgamento de conflitos envolvendo atletas profissionais, ou seja, aqueles que têm contrato de trabalho desportivo registrado na entidade de administração do desporto, a Justiça brasileira aplica a Lei Pelé, e somente de forma subsidiária, na omissão da lei, a CLT. "Se o atleta não estiver registrado como profissional, no entanto, seus direitos trabalhistas são regidos pela CLT", observou.

O advogado comentou algumas decisões do TST envolvendo a transferência de atletas e a rescisão de seu contrato com os clubes, entre elas a relativa ao jogador Ítalo Barbosa de Andrade, que teve deferido pela ministra Maria Helena Mallmann, em decisão liminar, habeas corpus impetrado no TST contra a Sociedade Esportiva do Gama, no Distrito Federal, obtendo a liberação para participar de jogos e treinamentos em qualquer clube. O pedido do jogador, de rescisão indireta do contrato de trabalho com o clube, em razão do descumprimento de obrigações trabalhistas, havia sido negado pela Justiça Trabalhista em 1ª instância e rejeitado também pelo TRT da 10ª Região (DF-TO), que extinguiu, sucessivamente, um mandado de segurança e um habeas corpus requerido pelo jogador com a mesma finalidade. Ao impetrar novo HC, agora no TST, os advogados de Ítalo Andrade argumentaram que a decisão do Tribunal da 10ª Região havia violado o direito à liberdade do jogador de exercer livremente a sua profissão, participando de jogos e treinamentos em qualquer localidade e para qualquer empregador, conforme sua livre escolha.

Na opinião do palestrante, a liminar deferida pela ministra Mallmann, "ao liberar o atleta de sua obrigação contratual, atropelou o percurso processual e causou um desequilíbrio desportivo muito grande, uma insegurança que tende a prejudicar o próprio atleta". Nesse sentido, Maurício citou o escritor e jornalista Nelson Rodrigues, que dizia que, "no futebol, o pior cego é o que só vê a bola", conclamando os especialistas em direito desportivo a aprofundar o debate, por meio de um constante diálogo com os outros direitos, como o trabalhista, o civil e o tributário.

Negociação coletiva

A segunda palestra, ministrada pelo advogado Fabrício Trindade de Sousa, abordou a negociação coletiva no desporto brasileiro. Apesar de suas ressalvas quanto à liberdade sindical no País, "mitigada pelos critérios da unicidade sindical e da representação por categorias profissionais", o palestrante defendeu a negociação coletiva entre atletas e clubes como meio eficaz de solução de conflitos no mundo desportivo, marcado pela "hiperespecialização". Disse que a Justiça do Trabalho, em consonância com o parágrafo 3º do novo artigo 8º da CLT, deve balizar sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva, limitando-se à análise da conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico. Para o advogado, "precisamos ter a segurança jurídica de que o que foi negociado com boa-fé e transparência reflete o interesse das partes e terá eficácia plena. A ausência de intervenção do Estado gera a certeza da observância dos termos negociados".

Fabrício salientou que a regulamentação das condições de emprego por meio de contratos coletivos tem sido estimulada pelo Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ele lamentou que o projeto de lei geral dos esportes que tramita no Senado não se detenha em tema tão importante. "A lei é genérica e imperfeita, devendo atuar apenas como um parâmetro, uma premissa de negociação. A preservação do interesse da competição, essencial para o esporte, também tem de ser levada em consideração", argumentou. Para o advogado, a negociação coletiva com os clubes pode abarcar vários temas, como os parâmetros da "concentração", a remuneração dos períodos de deslocamento (viagens para fora da sede do clube), o calendário e a quantidade máxima de jogos de cada atleta, os critérios de participação nas comemorações, a remuneração, as luvas e prêmios, assim como o próprio salário dos profissionais não atletas, como médicos, nutricionistas etc.

O Sistema Fifa

Leonardo Andreotti de Oliveira, por sua vez, abordou a resolução de disputas no futebol internacional, a cargo da Federação Internacional de Futebol (Fifa). Um dos coordenadores do Simpósio, Andreotti preside a Comissão de Direitos Desportivos da OAB de Campinas e é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo (SBDD) e titular da cadeira 35 da ANDD.

O palestrante teceu elogios ao Regulamento de Transferência de Jogadores da Fifa, utilizado na resolução de disputas e controvérsias de âmbito internacional entre atletas e clubes de futebol. A norma, segundo ele, tem garantido a segurança jurídica nas relações desportivas. Andreotti revelou que a entidade também dispõe de uma Câmara de Resolução de Disputas, para apreciar questões laborais e conflitos entre atletas e clubes. Das decisões do colegiado é possível recorrer ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), com sede em Lausanne, na Suíça. "Criado em 1984, desde 1993 o TAS é gerido por um conselho internacional de arbitragem e, em 2003, em resposta a questionamentos quanto à sua imparcialidade, foi declarado pela Suprema Corte da Suíça um órgão legítimo e independente, inclusive com relação ao Comitê Olímpico Internacional, com poder de decidir em última instância os conflitos de natureza contratual no mundo desportivo. Todo esse sistema é hoje colocado à disposição de atletas e clubes de todos os países."

Na avaliação do palestrante, o sistema desportivo privado é organizado, complexo e impõe as suas regras de natureza privada inclusive aos órgãos públicos, sobrepondo-se às normas públicas dos Estados nacionais, que, segundo ele, "precisam acompanhar a realidade internacional".

Sobre o sistema nacional, Andreotti destacou que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 217, "consagra o dever do Estado de fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um", observada a autonomia das entidades desportivas dirigentes e das associações quanto a sua organização e funcionamento. "De acordo com a Constituição, portanto, o Poder Judiciário só deve admitir ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da Justiça Desportiva, regulada em lei",

A nova lei portuguesa

O simpósio foi encerrado com a palestra do professor João Leal Amado sobre a nova lei do desporto portuguesa (Lei 54/2017), aprovada por unanimidade pelo Legislativo do país em julho passado.

Na avaliação do palestrante, a nova legislação, que regula não só o contrato de trabalho do praticante desportivo, como também o contrato de formação desportivo e o contrato de representação ou intermediação entre empresários e agentes esportivos, "tem grandes possibilidades de cumprir sua missão de promover a qualidade da competição desportiva e proteger os interesses do atleta. Aprovada após intensos e demorados debates, com o apoio de todos os partidos, a lei estabelece, entre outros pontos, que o contrato de trabalho do atleta é especial, não se sujeitando às mesmas regras do trabalho comum, ainda que as normas gerais do direito do trabalho [o Código do Trabalho Português] possam ser aplicadas subsidiariamente em caso de omissão da lei".

Amado ressaltou o fato de que o legislador português condicionou a negociação coletiva com os clubes à existência de uma associação sindical de atletas. "A lei também acertou ao estabelecer que a autonomia privada coletiva não pode se contrapor à lei, que a negociação coletiva deve ser um instrumento de progresso, de melhoria, e não uma instância de negociação de direitos que a lei já consagrou", avaliou o mestre. Ele destacou também a possibilidade assegurada pela Lei 54 de as partes recorrerem à arbitragem para dirimir divergências. "Desde 2013 contamos com um Tribunal Arbitral de Desportos em Portugal, para resolver problemas contratuais entre atletas e clubes, mas as partes podem optar por ingressar com uma ação no Tribunal da Justiça do Trabalho."

Tal como no Brasil, lecionou o professor, o contrato de trabalho desportivo em Portugal só pode ser firmado com atletas com idade superior a 16 anos, e até eles completarem 18 anos o prazo do contrato não poderá exceder a cinco temporadas esportivas. Já os contratos com atletas maiores de 18 anos não podem ter duração inferior a uma temporada esportiva e superior a cinco temporadas. "A lei também determina que a entidade empregadora deve respeitar os direitos de personalidade do atleta, sem prejuízo das limitações justificadas pela especificidade da atividade desportiva. O assédio no âmbito da relação laboral desportiva é proibido. O jogador tem o direito de não querer renovar o contrato, sem sofrer qualquer tipo de constrangimento por isso. Ele não tem o dever da renovação contratual."

O palestrante falou também sobre a formação do atleta em Portugal. Segundo ele, a nova lei não considera o contrato de formação desportiva um contrato de trabalho, uma vez que não supõe o pagamento de salário aos contratados. "O compromisso da entidade formadora é com a formação do atleta. A lei autoriza que adolescentes dos 14 aos 18 anos firmem contrato de formação com entidades formadoras devidamente certificadas e fiscalizadas pela federação desportiva, as quais devem garantir um ambiente de trabalho adequado à formação dos seus atletas. O formando é considerado livre para rescindir o contrato, desde que cumpra aviso prévio de 30 dias."

Leal discorreu ainda sobre a rescisão contratual na nova lei portuguesa, que, de acordo com o professor, pode se dar por caducidade (decurso de prazo), por acordo entre as partes, em razão de despedida por justa causa e por despedimento coletivo, "uma novidade da lei, para denúncia do contrato por iniciativa do praticante". Segundo ele, a lei confere às partes liberdade para fixar as cláusulas da rescisão, mas o Tribunal deve ter controle sobre o valor acertado, de modo a garantir o princípio da equidade. "Se o valor acordado for manifestamente prejudicial a uma parte, o Tribunal pode reduzir o valor da cláusula penal."

O palestrante abordou, por fim, a disposição da lei que atribui ao vínculo desportivo natureza acessória em relação ao vínculo contratual, podendo aquele ser extinto com a mera comunicação da vontade do atleta, independente de eventual indenização a ser paga ao clube. "O contrato acaba ali. O atleta fica livre. O que não o exime da responsabilidade indenizatória. É uma regra nova, que vai suscitar resistências, porque relativiza o valor da estabilidade contratual, embora considere outros valores, como a liberdade de trabalho."

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