Grupo de 150 professores e diretores participa de capacitação oferecida pelo programa Trabalho, Justiça e Cidadania em Sorocaba

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Acostumadas a serem o centro das atenções onde trabalham, a professora Maria Cláudia de Almeida Silva e a diretora Silvana Gabriel Correia de Miranda, das escolas municipais Benedicto Cleto e José Mendes, deixaram o protagonismo de lado e transformaram-se em alunas, na manhã dessa quinta-feira (26/6), no auditório do Centro de Referência em Educação de Sorocaba. Elas e outros 148 professores e diretores, de 12 unidades de ensino, participaram de capacitação oferecida pelo programa Trabalho, Justiça e Cidadania (TJC), realizado pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV), com o apoio do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

Na pauta da aula, noções de direito e cidadania, com destaque para os temas trabalho infantil, acidentes de trabalho e Reforma Trabalhista. "Com esse diálogo com um desembargador, um juiz e um auditor do trabalho, temos contato com muitos conhecimentos que não temos acesso com facilidade. Eles instigam na gente a vontade de querer saber mais, buscar fontes genuínas de informação para levarmos aos nossos alunos. Muitas vezes o que nós vemos na mídia é apenas uma pincelada distorcida", explica Maria Cláudia, fazendo referência aos palestrantes da capacitação, o desembargador e coordenador do TJC, João Batista Martins César, o juiz titular da 4ª vara do trabalho de Sorocaba, Valdir Rinaldi Silva, e o auditor-fiscal do trabalho aposentado João Batista Amâncio.

Além deles, também conversaram com os professores, na mesa de abertura do evento, o diretor da Faculdade de Direito de Sorocaba, João Batista de Mello e Souza Neto, e o representante da Secretaria de Educação de Sorocaba, Carlos Eduardo Golob Lara Santos.

O juiz do trabalho Valdir Rinaldi, primeiro palestrante da manhã, apresentou aos professores uma evolução legislativa sobre o tratamento dado ao trabalho infantil. "O primeiro registro que temos foi a Lei de Peel, de 1802, na Inglaterra, que limitava a 12 horas o trabalho de aprendizes paroquianos nos moinhos", afirmou. O magistrado explicou que, na primeira fase da revolução industrial (1780 - 1840), crianças e adolescentes representavam até 60% da mão de obra da indústria têxtil e eram submetidas a jornadas de 14 a 16 horas de trabalho. "Estavam todos os trabalhadores à mercê da voracidade do capitalismo, expostos aos ambientes mais hostis", disse.

Em 1819, a idade mínima para trabalho foi fixada em nove anos, por meio da lei Cotton Mills Act, um avanço para a época, lembrou o juiz do trabalho Valdir Rinaldi, quando era comum encontrar crianças com cinco anos de idade manejando máquinas. Passados 180 anos, em 1999, a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), destinada a proibir as piores formas de trabalho infantil, passou a reconhecer como criança toda pessoa com menos de 18 anos.

No Brasil, que promulgou a Convenção 182 da OIT em 2000, por meio do Decreto 3.597/ 2000, as primeiras normas sobre trabalho infantil chegaram com a República. "Eram normas federais e municipais, no Rio de Janeiro, mas nunca foram aplicadas. Eram leis para inglês ver", disse.

O marco inicial mais conhecido foi o Código dos Menores, uma consolidação das leis de assistência e proteção a crianças e adolescentes, publicado em 1927. Na outra ponta da linha do tempo, mais próximos do presente, estão o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, e, sobretudo, a Constituição Federal de 1988 que, no artigo 227, estabeleceu a teoria da proteção integral à criança, ao adolescente e ao jovem. "Basta cumprir esse dispositivo para que possamos alterar nossa realidade. De acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), em 2015, tínhamos 2,7 milhões de crianças e adolescentes trabalhando, 554 mil com idade entre 5 e 13 anos", concluiu.

Gota d'água

A importância de um ambiente de trabalho adequado foi o tema da apresentação do auditor-fiscal João Batista Amâncio, que iniciou sua fala explicando as diferenças entre os acidentes típicos, de trajeto e as doenças profissionais e ocupacionais, de acordo com critérios definidos pela Previdência Social. "Desde um pequeno corte a uma queda de andaime, todos são acidentes de trabalho. Também é preciso destacar que a lesão não precisa ser necessariamente física", afirmou, dando o exemplo do trauma de bancário submetido a um assalto ou de um professor exposto a ameaças.

O auditor-fiscal explicou que entre os acidentes mais frequentes estão as quedas de telhados, desmoronamentos e descargas elétricas. "É muito comum a empresa dizer que foi fatalidade o fato de um trabalhador despencar de cima de um andaime. Nesses casos, quase nunca a responsabilidade é do trabalhador. Em geral, as causas estão nas condições ambientais e de segurança às quais o empregado é exposto por muito tempo", argumentou. Para exemplificar que os acidentes dificilmente ocorrem por uma única causa, ele utilizou a metáfora do copo cheio d'água prestes a transbordar. "O acidente é apenas a última gota", frisou.

De acordo com dados apresentados pelo auditor, tendo como fonte a OIT, foram 2,34 milhões de acidentes de trabalho no ano de 2013. No Brasil foram registrados 717.911, sendo que em 2.814 casos o trabalhador faleceu. Outros 16.121 resultaram em incapacidade permanente. "Embora o maior prejudicado seja o trabalhador, a empresa também perde, a sociedade perde. Os gastos com previdência e INSS relacionados aos acidentes são de aproximadamente R$ 10 bilhões por ano", concluiu.

Ausência de debate

"Impossível falar em Reforma Trabalhista sem lembrar que ela não foi discutida com a sociedade brasileira". Foi com essa frase e se propondo a debatê-la com os professores e diretores que desembargador João Batista Martins César iniciou a última palestra da manhã. Para o coordenador do TJC, a Lei 13.467/ 2017 foi resultado de uma série de estigmas e mentiras divulgados exaustivamente, aquilo que ele chamou de "guerra híbrida".

O primeiro deles, de acordo com o magistrado, foi atribuir às leis do trabalho a responsabilidade pela crise econômica do Brasil. "Há quatro anos estávamos vivendo uma situação de pleno emprego com a mesma CLT. A crise é resultado de uma eleição mal resolvida e não da legislação trabalhista", destacou.

Outra informação bastante divulgada durante a tramitação da reforma e questionada pelo desembargador foi a afirmação de que a CLT estava desatualizada. "Essa é outra mentira, ao longo de 75 anos foram realizadas centenas de atualizações", explicou o desembargador.

Outros pontos questionados pelo desembargador foram a afirmação de que o Brasil era campeão mundial de reclamações trabalhistas e de que outros países se beneficiaram com reformas semelhantes. "Percentualmente, considerando a população economicamente ativa, a Espanha possui mais processos trabalhistas que o Brasil. Além disso, Grécia, Argentina e Espanha fizeram alterações semelhantes e possuem taxa de desemprego mais elevadas que o Brasil", disse.

Algumas das questões trazidas pela Reforma ainda estão sob a análise do judiciário, entre as quais o desembargador João Batista Martins César destacou a regulamentação do teletrabalho, possibilidade de não equiparação salarial para empregados que exercem a mesma função, a possibilidade de supressão do intervalo intrajornada e a declaração de quitação anual de débitos trabalhistas. "Há pontos inconstitucionais, assim como há aqueles que afrontam as convenções das quais o Brasil é signatário. O judiciário trabalhista não permitirá que o mercado de trabalho vire uma terra arrasada para beneficiar maus empresários e especuladores internacionais", concluiu.

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