Empresa de vigilância é condenada por assédio moral e sexual contra trabalhadora
A 10ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região condenou uma empresa de vigilância a pagar R$ 25 mil a título de indenização por danos morais, a uma trabalhadora vítima de assédio moral de seu superior e assédio sexual de um colega, o que ensejou sua dispensa indireta, mas também transtornos psicológicos. Conforme constou dos autos, a trabalhadora exercia o cargo de vigilante. Após sua promoção, passou a ser alocada em diferentes postos de trabalho, sempre sob a supervisão do mesmo superior. Segundo depoimentos de testemunhas da trabalhadora, esse superior fazia constantes ameaças, costumava usar termos de baixo calão no tratamento da trabalhadora e, também chegou a espalhar “diversas inverdades” sobre ela, o que acabou por chegar aos ouvidos do companheiro da vítima, na época, causando brigas e a inevitável separação.
Devido a alguns problemas financeiros, a trabalhadora solicitou ao supervisor para trabalhar em suas folgas, prática comum entre os vigilantes para aumentar a renda mensal. Solícito, o superior concordou com o pedido, mas avisou à trabalhadora que para isso precisaria “colaborar com a empresa”, o que significava, como veio a descobrir, que ela deveria pagar ao supervisor “alguma quantia”, conhecida como “rachadinha”, para que ele a alocasse nos postos que necessitavam de “folguistas”. Mais tarde, a trabalhadora ficou sabendo que era a única que sofria com tais ameaças, o que para ela se caracterizava como “afrontas pessoais”.
Além desse assédio, especificamente, a trabalhadora conta que sofreu assédio sexual por parte de um empregado do condomínio onde prestou serviços, que, “entre outras condutas agressivas, a agarrou uma vez”. Segundo ela informa, esse homem costumava dividir galão de água com ela, mas por “brincadeira” sempre a forçava a tomar “no gargalo”. Também dividia frutas com ela, mas a obrigava a comer perto ele, “esfregando” as frutas em seu rosto, dizendo que ela deveria “sentir seu gosto”. O ataque sexual se deu numa noite, quando ela fazia a ronda no condomínio. Segundo o boletim de ocorrência feito pela vítima, o agressor “a agarrou por trás”. O fato foi comunicado à empresa, porém a vítima declarou que seu supervisor “a aconselhou a esquecer o assunto”, porque caso contrário daria justa causa a ela. Ele teria dito ainda que o empregado “agressor” era um “ótimo funcionário” e que tudo não passava de “invenção” dela.
A empresa negou os fatos. O Juízo de origem rejeitou os pedidos, porque julgou que a reclamante “não provou suas alegações”. O relator do acórdão, porém, o desembargador Ricardo Regis Laraia, entendeu diferente. Segundo ele, “nem sempre o assédio pode ser comprovado diretamente, porque com frequência ocorre sem a presença de testemunhas” e em outras vezes “as testemunhas são coniventes com o assediador por temor ou por serem enredadas por ele” e por isso, “admite-se que seja provado por indícios, isto é, por conjunto de fatos e circunstâncias que indiretamente convençam a respeito de sua existência”.
Nesse sentido, o colegiado ressaltou que, no caso, há indícios que convencem que a trabalhadora “sofreu ao menos parcialmente o assédio moral e o assédio sexual”. O primeiro desses indícios consiste nas “cópias da investigação interna feita pelos reclamados, para apuração de falta grave por parte do supervisor”, em que se confirmou que ele “cobrava dinheiro dos vigilantes para atribuir-lhes trabalho em folga (‘rachadinha’)”. Apesar de não ter sido apurado o assédio à reclamante e o uso de termos chulos e xingamentos, pode-se “presumir que o assédio ocorreu, pois a cobrança de valores para atribuir trabalho extraordinário aos vigilantes não se faz sem pressão psicológica e sem constrangimento”, afirmou o acórdão.
Outros indícios referem-se ao assédio sexual. A testemunha indicada pela trabalhadora afirmou que não presenciou as atitudes do empregado em relação à colega, “mas narrou atitudes dele em relação a ela própria, que permitem concluir que o mesmo se deu com a autora”. Além disso, o colegiado afirmou que o assédio também “pode implicar consequências para a saúde mental e física da vítima”, e que no caso, “ainda que não se possa afirmar que a saúde da reclamante tenha sido afetada exclusivamente pelos fatos narrados, é muito significativo que foi acometida de diversas patologias físicas e mentais a partir do assédio moral e sexual impingido” pelo supervisor e pelo empregado “agressor”, principalmente “após o ataque por este segundo”.
Após ter registrado boletim de ocorrência policial em decorrência desse ataque em primeiro de novembro de 2016, a vigilante “afastou-se do trabalho algumas vezes com variados sintomas, o que é indício do abalo sofrido por ela”. Conforme consta nos autos, “entre outros motivos a reclamante afastou-se do trabalho em 3.11.2016, CID R 52, por dor não especificada; em 7.11.2016, CID A 09, por diarreia; em 22.11.2016, CID M 25.5, por dor articular e em 2.12.2016, por 30 dias, CID F 43.2, por transtorno de adaptação”. Em 2017 ela foi encaminhada para psicoterapia e depois disso lhe foram prescritos diversos medicamentos antidepressivos e analgésicos. Em 2.12.2016 a médica psiquiatra que atendeu a trabalhadora relatou que “na ocasião a reclamante apresentava quadro da doença classificada no CID-10 com o código F 43.2, que corresponde a transtorno de adaptação decorrente do assédio moral e sexual, com risco de suicídio”.
O acórdão lembrou que o relatório da psiquiatra foi elaborado “a partir do quadro clínico apresentado pela reclamante e de seu relato, o que não serve de prova isoladamente”, porém salientou que a associação desse quadro ao relatado pelo depoimento da testemunha transcrito anteriormente e com a literatura em Psicologia permite concluir que a reclamante sofreu assédio moral praticado pelo supervisor e assédio sexual praticado pelo empregado do condomínio.
A Câmara concluiu, assim, que “todas essas circunstâncias implicam falta grave de parte dos reclamados” e caracterizam as hipóteses de descumprimento do contrato e ato lesivo à honra (alíneas “d” e “e” do artigo 483 da CLT), e autorizam a declaração da dispensa indireta. Já responsabilidade da empresa de vigilância pelos atos do agressor, que não foi seu empregado, mas sim da segunda reclamada, uma empresa de terceirização de serviços, “decorre da exposição da reclamante ao risco e da omissão em assisti-la durante e após o acontecimento”. Por fim, o acórdão afirmou que o fato de os assédios terem ocorrido no ano de 2016 e de a reclamante ter proposto a presente ação em 13.9.2017 “não retiram o caráter de imediatidade da falta, pois deve ser considerado o prejuízo à saúde mental, cuja gravidade é demonstrada pelo relatório médico referido” e pelo fato de que “a reclamante se encontra em processo depressivo e afastada do trabalho desde então”. O colegiado reconheceu também o direito da trabalhadora de rescindir indiretamente o contrato, em decorrência da “falta grave”. (Processo 0011935-70.2017.5.15.0043)
- 1376 visualizações