Acordo sobre verbas trabalhistas não quita indenização por danos morais
A 4ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região deu provimento a recurso de um cortador de cana-de-açúcar, em ação movida contra uma companhia de produtos agrícolas, determinando o retorno do processo à Vara do Trabalho de Pederneiras, município da região de Bauru, para instrução e julgamento do mérito. A ação foi ajuizada em 14 de abril de 2005, pleiteando indenização por danos morais decorrentes de doença que teria sido adquirida nos dois períodos em que o reclamante trabalhou para a companhia.
O juiz de primeiro grau acolheu preliminar de coisa julgada suscitada pela reclamada e extinguiu sem julgamento o processo, porque, em duas reclamações anteriores, uma de 1998 e outra de 2004, as partes fizeram acordo, tendo o reclamante dado à empresa, conforme os argumentos desta, a mais ampla, geral e irrevogável quitação em relação às verbas trabalhistas pretendidas e aos extintos contratos de trabalho. No entanto, para o relator do acórdão, juiz Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva, cujo voto foi acompanhado por unanimidade pelos demais integrantes da Câmara, os acordos homologados em primeira instância quitaram apenas as verbas de natureza eminentemente trabalhista, produzindo efeito de “coisa julgada” somente em relação a essas verbas. No entendimento do magistrado, para abranger eventual pedido de indenização por danos materiais ou morais decorrentes de acidente do trabalho ou doença ocupacional, o acordo precisa fazer referência específica a isso, por se tratar de matéria de cunho civil.
Tríplice identidade
Para o juiz que proferiu a sentença de primeira instância, se entendesse ser credor de outras parcelas ou valores relativos aos contratos mantidos com a reclamada, o trabalhador deveria ter outorgado quitação apenas ao objeto das reclamações trabalhistas anteriormente ajuizadas. Mas, de acordo com o artigo 301 do Código de Processo Civil, lembra o juiz Sotero, o fenômeno da coisa julgada ocorre quando há reprodução de ação idêntica a outra que já foi julgada por sentença de mérito contra a qual não caiba mais recurso. É necessária a tríplice identidade entre os processos, explica o relator: igualdade de sujeitos, de causa de pedir e de pedidos.
Em 30 de julho de 1998, o trabalhador ingressou com a primeira reclamação, perante a Vara do Trabalho de Lençóis Paulista, referente ao contrato mantido entre 25 de abril de 1996 e 22 de junho de 1998, requerendo o pagamento de diferenças de horas “in itinere”, acrescidas do respectivo adicional; horas extras e diferenças decorrentes de sobrejornada e ausência de concessão de intervalo intrajornada; férias em dobro, acrescidas do terço constitucional; diferenças salariais pela inobservância do acordo coletivo; diferenças decorrentes da redução do salário no período de entressafra e reflexos. Na audiência, realizada em 20 de agosto de 1998, as partes fizeram acordo, o que resultou no pagamento de R$ 235 ao trabalhador. Na segunda ação, que tramitou na 1ª Vara do Trabalho de Jaú, foi pedido o pagamento de diferenças de horas “in itinere” e reflexos; horas à disposição do empregador e reflexos; diferenças do depósito de FGTS e devolução do seguro de vida. O processo dizia respeito ao período entre 8 de junho de 1999 e 2 de fevereiro de 2004. Houve nova conciliação em 5 de abril de 2004, e o cortador de cana recebeu a importância líquida de R$ 560.
Como observa o relator, “verifica-se que, nas transações efetuadas, as partes quitaram verbas de natureza trabalhista”, enquanto que, no terceiro processo, o pedido, embora decorrente dos dois contratos de trabalho, “refere-se a indenização de cunho civil”. Assim, reforça o juiz Sotero, a quitação plena aos contratos, conferida pelo trabalhador por ocasião dos acordos, alcança exclusivamente as verbas trabalhistas, “não fazendo coisa julgada em relação ao objeto da presente ação”.
Dessa forma, foi determinado o retorno do processo à primeira instância, inclusive para reabertura da instrução, antes de ser proferida nova sentença. “Como os autos não se encontram em condição de julgamento imediato, tendo em vista a ausência de produção de provas, e em atendimento ao comando constitucional da observância do devido processo legal, a fim de se evitar eventual violação à garantia do contraditório e ampla defesa, bem como a supressão de instância, torna-se absolutamente imprescindível que os autos retornem ao juízo de origem, para regular processamento do feito”, concluiu o juiz Sotero. (Processo 13693-2005-144-15-00-4 RO)
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