Congresso debate os reflexos do Código Civil no Direito do Trabalho

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Com o tema "Os reflexos do Código Civil no Direito do Trabalho", foi realizado na sexta-feira, 15/6, o 2º Painel do 7º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT da 15ª Região, com a coordenação do ministro Antonio José de Barros Levenhagen, do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Como expositores, o juiz Edilton Meireles, da 34ª Vara do Trabalho de Salvador (BA), e o advogado José Affonso Dallegrave Neto, membro da Academia Nacional do Direito do Trabalho e da Associação Luso-Brasileira dos Juristas do Trabalho.

Doutor em Direito do Trabalho pela PUC de São Paulo e professor da Universidade Federal da Bahia, Edilton Meireles inicialmente enalteceu o volume de público do encontro. "Há muito eu não via uma platéia tão grande. Fico muito feliz de ser testemunha de um grande evento como esse."

Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC), o magistrado lembrou que o Código Civil é o diploma legal que mais disciplina a vida da população brasileira, "desde antes do nascimento, com as regras de proteção ao nascituro, até depois de nossa morte, regulando as questões de sucessão".

Autor do livro "O Novo Código Civil e o Direito do Trabalho", pela editora LTR, Meireles baseou sua fala em dois princípios. Primeiramente, citou o artigo 421 do novo código: "A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato." Antes, explica o magistrado, a função social limitava a liberdade de contratar. Desde 2003, com a entrada em vigor do novo código, vai além, tornando-se fundamento, a própria razão do direito de contratar e colocando o contrato, como assinala o palestrante, em sintonia com o maior dos princípios, consagrado na própria Constituição Federal: a dignidade da pessoa humana. "O contrato deve respeitar a dignidade da pessoa humana e todos os demais direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição", preconiza o juiz.

Esse princípio obriga o contrato a obedecer, inclusive, a limites perante terceiros, atentando para os efeitos externos que possa produzir. Assim é que, exemplifica o professor, uma casa em área residencial nem sempre poderá ser alugada para fins comerciais, pois o negócio pode, eventualmente, atentar contra os direitos da vizinhança.

Dessa forma, o contrato de trabalho também se torna mais um instituto jurídico que tem uma função social a cumprir. Ao demitir um empregado que representa os colegas perante a empresa, por exemplo, o empregador pode até não incorrer em desrespeito à Lei, por falta de previsão, mas estará descumprindo a função social do contrato, por afetar não só o indivíduo demitido como também toda a coletividade antes por ele representada. A obrigação de contratar deficientes físicos ou aprendizes também encerra em si uma função social importante, defende Meireles, para quem o mesmo princípio poderia ser aplicado a outros grupos também discriminados, como os ex-presidiários, por exemplo, que a lei não protege explicitamente, mas cujo direito a uma proteção especial poderia ser pleiteado por meio de uma ação ajuizada por alguma entidade que os representasse, sugere o juiz.

Boa-fé

O palestrante abordou em seguida o princípio da probidade e da boa-fé. Quando subjetiva, a boa-fé é sinônimo de probidade e se contrapõe à má-fé, explica o professor. Objetiva, no entanto, a boa-fé se distingue na verdade da ausência de boa-fé, como esclarece Meireles. "A boa-fé objetiva diz respeito à conduta esperada das partes".

Como exemplo, o juiz assinala que, se uma empresa está instalada num lugar perigoso, de alto índice de criminalidade, a contratação de vigilantes para fazer a segurança do estabelecimento se imporá, mesmo que não esteja prevista em contrato. "Caso o empregador não o faça, não estará agindo de má- fé, mas terá ignorado a boa-fé objetiva", resume o magistrado. Outro exemplo é o de um trabalhador a quem o patrão proporcione moradia. "Independentemente da previsão legal, o princípio impõe que o empregador forneça um local seguro e saudável ao seu empregado", defende Meireles. Também é inerente ao empregador o dever de aviso e esclarecimento, sobretudo se seu empregado lida com equipamentos perigosos ou produtos tóxicos.

Entretanto, o princípio da boa-fé objetiva não se limita ao patrão, adverte o juiz. Se um empregado surpreende um colega agindo com improbidade contra os interesses da empresa, tem o dever de informar o fato ao seu superior hierárquico ou diretamente ao empregador, ensina Meireles. Mesmo fora do expediente a obrigação não cessa, prossegue ele. De férias, num dia de folga ou no final-de-semana, passando em frente à empresa onde trabalha, o empregado deverá avisar o mais rápido possível seu empregador ou mesmo a própria polícia, se detectar, por exemplo, alguém danificando o patrimônio da empresa.

Também é própria do princípio uma função limitadora, que impeça entre outras coisas um comportamento contraditório do empregador. Uma empresa que transfere, por seu interesse, um empregado de Salvador para Campinas, exemplifica Meireles - obrigando esse empregado a mudar-se com toda sua família, transferindo seus filhos para uma nova escola e de resto toda sua vida pessoal para uma nova cidade -, perde o direito de demitir esse empregado pouco tempo depois da transferência. Indicar um empregado ao posto de membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) e demiti-lo logo depois ou empregar um menor de 14 anos, tendo conhecimento de sua idade, e depois dispensá-lo negando-lhe qualquer verba indenizatória, sob a alegação de que o contrato era nulo, também são exemplos de contradições que não podem ser cometidas pelo empregador, quando se leva em conta a boa-fé objetiva.

O princípio pode provocar também a decadência de um direito. Não faz sentido, no entendimento de Meireles, impingir muito tempo depois uma justa causa não aplicada na época em que a falta grave foi cometida pelo empregado.

“A aplicação desses dois princípios, o da função social do contrato e o da boa-fé objetiva, tem permitido um grande avanço na organização social do trabalho”, concluiu o magistrado.

Lacuna

José Affonso Dallegrave Neto, mestre e doutor pela Universidade Federal do Paraná, também ressaltou a expressiva afluência de público ao congresso. “Há muito tempo eu não presenciava um evento de tanto prestígio”. O advogado reverenciou o jurista Arnaldo Lopes Süssekind, presente à platéia. Prestes a completar 90 anos, ex-ministro do Trabalho e Previdência Social - na época as duas áreas estavam unificadas numa só pasta - e ministro aposentado do TST, Süssekind é o último remanescente da comissão que elaborou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) original, nos anos 1940. “Muito do que o Código Civil chama de novo o ministro Süssekind já trazia na CLT em 1943.”

Autor de “Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho”, Dallegrave ressaltou que o Código Civil só deve ser usado em substituição à CLT nos casos em que houver lacuna, e mesmo assim se a norma civil for compatível com os princípios do Direito do Trabalho. O parágrafo único do artigo 5° do Código Civil, em seu inciso V, dispõe, por exemplo, que cessa a incapacidade para os menores com dezesseis anos completos pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor tenha economia própria. O palestrante preconiza, no entanto, que o juiz do trabalho não pode fundamentar-se nesse dispositivo e ignorar os artigos 408, 424 e 439 da CLT, que estabelecem, respectivamente, que ao responsável legal do menor é facultado pleitear a extinção do contrato de trabalho, desde que o serviço possa acarretar prejuízos de ordem física ou moral ao adolescente; que é dever dos responsáveis legais de menores afastá-los de empregos que diminuam consideravelmente o seu tempo de estudo, reduzam o tempo de repouso necessário à sua saúde e constituição física ou prejudiquem a sua educação moral; que é vedado ao menor, numa rescisão de contrato de trabalho, dar quitação ao empregador, sem assistência dos seus responsáveis legais, pelo recebimento da indenização que lhe for devida.

No sentido oposto, o palestrante cita uma aplicação inteligente do novo Código Civil num caso de acúmulo/desvio de função, situação para a qual, com exceção da atividade de radialista, não há previsão na legislação trabalhista brasileira. Dallegrave recorre a um magistrado da 15ª Região, o titular da Vara do Trabalho de Campo Limpo Paulista, Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, que, atuando no TRT da 15ª Região, como substituto, foi relator de um acórdão que versou sobre caso dessa natureza. Para Giordani, o artigo 884 do novo Código Civil pôs no papel um remédio jurídico desde sempre existente e reconhecido em nosso direito contra o desvio/acúmulo de função - o princípio que veda o enriquecimento sem causa.

Outro princípio antes existente apenas em construções doutrinárias e que, como aponta Dallegrave, também recebeu conceito legal com o novo Código Civil é o que condena o abuso no exercício de um direito. Conforme estabelece o artigo 187 do código, “comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. É uma previsão legal que pode ser invocada contra, por exemplo, o abuso nas revistas íntimas, feitas geralmente em trabalhadores de confecções ou de grandes magazines, alerta o advogado. Ele lembrou caso em que a 4ª Turma do TST, tendo como relator o próprio ministro Barros Levenhagen, condenou uma empresa a pagar indenização por danos morais porque obrigava suas funcionárias a ficar apenas de calcinha e sutiã, quatro vezes por dia, na presença de todas as colegas.

Para Dallegrave, a Súmula 363 do TST deveria ser cancelada ou, no mínimo, adaptada. De acordo com a Súmula, desde a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 a contratação de servidor público sem prévia aprovação em concurso público gera a nulidade do contrato de trabalho. Assim, ao trabalhador resta garantido apenas o direito ao pagamento relativo ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS. Dallegrave defende que é preciso garantir a indenização plena do trabalhador, que ele classifica como vítima nessas situações, ao invés de prestigiar o infrator, no caso a administração pública, procedimento que o TST, na opinião do advogado, estaria adotando, por meio da Súmula 363.

O advogado também defendeu a aplicação no Direito do Trabalho do artigo 389 do Código Civil, segundo o qual o devedor deve ressarcir a parte contrária inclusive do pagamento de honorários advocatícios. “É preciso garantir a reparação integral da vítima”, afirma Dallegrave. Para ele, o artigo 14 da Lei 5.584/1970 - pelo qual a parte só é beneficiária da assistência judiciária gratuita se sua renda mensal não passa de dois salários mínimos ou se declara, na forma da lei, não poder arcar com os custos do processo sem prejuízo para sua sobrevivência e de sua família - foi claramente revogado. A eficácia foi perdida com a entrada em vigor da Lei 10.288/2001, que acrescentou ao artigo 789 da CLT o parágrafo 10 - “O sindicato da categoria profissional prestará assistência judiciária gratuita ao trabalhador desempregado ou que perceber salário inferior a cinco salários mínimos ou que declare, sob responsabilidade, não possuir, em razão dos encargos próprios e familiares, condições econômicas de prover a demanda.” Por sua vez, essa segunda lei foi sucedida pela de n° 10.537/2002, que deu novo texto ao artigo 789, mas sem repetir a regra do parágrafo 10. Com isso, na opinião de Dallegrave - da qual muitos outros juristas compartilham -, a matéria pertinente à assistência judiciária ficou sem regulamento específico na Justiça do Trabalho, daí a possibilidade de se aplicar o novo Código Civil, mais especificamente seu artigo 389. “A repristinação tem que ser expressa”, advoga Dallegrave, fazendo menção ao fato de a Lei 10.537/2002 não reestabelecer expressamente a eficácia da 5.584/1970. O palestrante defendeu mudanças nas Súmulas 219, do TST, e 633, do Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda condicionam o pagamento de honorários advocatícios na Justiça do Trabalho ao enquadramento da parte nas hipóteses previstas no artigo 14 da Lei 5.584.

Em resposta a Dallegrave, o ministro Levenhagen, no que diz respeito à Súmula 363, lembrou que antigamente a jurisprudência era ainda mais restritiva, não contemplando nem mesmo as horas trabalhadas pelo funcionário contratado sem concurso público. Levenhagen assinalou que é preciso não ignorar que a própria Constituição Federal impõe, salvo exceções bem específicas, a necessidade da aprovação em concurso público para o ingresso no serviço público. O ministro advertiu que, na maioria das vezes, os reclamantes em processos desse tipo são apadrinhados que se valeram dessa condição para ingressar ilegalmente no serviço público e depois ainda pretendem receber verbas que, como tem prevalecido nos julgamentos proferidos pela Justiça do Trabalho, não lhe são devidas.

Quanto à questão do pagamento dos honorários advocatícios e a Súmula 219, Levenhagen reafirmou que o TST mantém seu entendimento de que a Lei 5.584/1970 permanece vigente.

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