Defesa de uma nova ética marca a palestra da professora Maria Belov
A advogada e professora baiana Maria da Graça Diniz da Costa Belov, que leciona na PUC-Salvador e na Faculdade Rui Barbosa, proferiu a segunda palestra de hoje, 14/6, no 7º Congresso de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT da 15ª Região. Coube à juíza Helena Rosa Mônaco da Silva Lins Coelho, presidente da 1ª Turma do Tribunal, apresentar a palestrante ao público do encontro. Mencionando o extenso currículo da palestrante, que inclui mestrado em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco e pós-graduação em Processo Civil pela Universidade Federal da Bahia, a juíza Helena expressou seu sentimento de honra em ter sido convidada para abrir a palestra.
Diante do tema “Ética e Processo”, Maria da Graça Belov não fez por menos: “estamos num momento trágico”, exclamou, referindo-se ao presente do País. “Ao ver o presidente do TRT, juiz Luiz Carlos de Araújo, me propor a participação no congresso com uma palestra sob esse tema, na situação em que o País se encontra, eu me senti atingida pela ‘Síndrome do Ronaldinho’”, brincou Belov. Foi como se o juiz Luiz Carlos dissesse: “vai lá e faz o gol”, divertiu-se a professora.
Números reveladores
Belov iniciou sua fala resgatando entrevista concedida pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, ao jornal O Estado de S.Paulo, em 2006. O ex-ministro estava de posse de dados de uma pesquisa feita em maio de 2005, uma verdadeira radiografia do Poder Judiciário no Brasil. Segundo a pesquisa, o País gasta mais de R$ 19 bilhões por ano com a manutenção da Justiça, perto de 110 reais/ano por habitante, considerando o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que estimou a população do país em 183 milhões de pessoas. Apesar de tanto gasto, a conclusão de Jobim após o levantamento foi que a Justiça no Brasil é lenta e pouco eficiente.
Na época da pesquisa, o Brasil contava com exatos 13.747 juízes, ou 7,6 para cada 100 mil habitantes, número acima da média mínima ideal estabelecida pela Organização das Nações Unidas, que é de 7 magistrados para cada 100 mil habitantes. Belov contrapõe, no entanto, que a ONU também fixa o padrão de 400 processos como o máximo ideal de ações a serem julgadas por cada juiz anualmente. Nesse quesito, o Brasil está longe de satisfazer os parâmetros estabelecidos pela ONU, uma vez que, em 2003, ainda de acordo com a pesquisa, 17.494.906 processos foram ajuizados em todas as esferas do Judiciário brasileiro, gerando média superior a 1.270 feitos para cada magistrado naquele ano, mais de três vezes superior ao limite preconizado pela ONU. Tanto que, desse total, cerca de 10.360.000 tiveram seu julgamento postergado para o ano seguinte.
Dentre os maiores tribunais superiores do Brasil, apenas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) alcança índice expressivo de julgamentos no mesmo ano em que as ações são ajuizadas: 69%. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) chega ao mesmo percentual, mas inversamente – 69% dos feitos que chegam à mais alta corte trabalhista brasileira são julgados no mínimo no ano seguinte ao de ingresso. No STF a situação é um pouco melhor: 58% obtêm julgamento no ano em que são ajuizados.
Na 2ª Instância, no entanto, a Justiça do Trabalho dá o troco e se torna a mais eficiente, com cerca de 80% dos processos julgados no mesmo ano em que lhes é dada entrada.
Quanto aos servidores, o quadro era, à época, de 246.630 em todo o País, ou 139 para cada 100 mil habitantes.
A conclusão de Jobim foi que o quadro de juízes e servidores seria suficiente para atender bem a população brasileira. A responsabilidade pelo mau funcionamento da Justiça no Brasil caberia, na opinião do ex-presidente do STF, ao sistema processual vigente.
Collaço acompanha
Na mesma época, também em entrevista à mídia, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Rodrigo Collaço, endossou em parte as opiniões de Jobim, conforme lembrou a professora Belov. Para Collaço, só uma reforma processual, com a redução do número de recursos possíveis, poderá dar à Justiça brasileira uma celeridade mais próxima do desejável. Mas, para chegar ao estágio que no meio jurídico é praticamente um consenso, o presidente da AMB adverte que seria preciso subjugar o lobby dos interessados na manutenção do status quo, o capital internacional e a classe empresarial brasileira, categorias que, afirma Collaço, não têm nenhum interesse em avanços no Judiciário brasileiro.
Mais recentemente, em 28 de maio deste ano, no Programa do Jô, da Rede Globo de Televisão, o magistrado defendeu uma idéia que, na opinião de Belov, seria uma inovação extremamente interessante. A proposta de Collaço é que ao juiz seja dada autonomia para estabelecer prioridade a determinados processos, conforme a matéria neles discutida. Assim, ações que versassem sobre corrupção, por exemplo, teriam prioridade sobre qualquer outra. No campo trabalhista, processos cujos autores tivessem sofrido lesão física irreversível ou mesmo tivessem morrido em decorrência de acidente de trabalho também poderiam ser prioritárias.
Compromisso atual
Para Belov, o compromisso maior do Direito atualmente é com os princípios fundamentais e as garantias constitucionais. “Todo direito perpassa pela Constituição. Assim é que temos o Direito Constitucional do Trabalho, o Direito Constitucional Penal e o Direito Constitucional Civil. O juiz do Trabalho precisa manter a Constituição permanentemente sobre a mesa, ao alcance de sua mão.”
Nessa conjuntura, o Direito do Trabalho é, na concepção da professora, o ramo mais importante do Direito. “Ouso dizer que, ao menos hipoteticamente, é do Direito do Trabalho a prerrogativa de promover justiça social.” O Direito Civil, por sua vez, continua exercendo seu papel de espelho da sociedade, defende Belov. “Numa sociedade capitalista, o Direito Civil acaba resvalando para o capital, tornando-se patrimonialista”, lamenta ela.
A professora não abdica de sua missão de propor idéias arrojadas. Como exemplo, Belov preconiza que ao analfabeto não deveria ser imposto o prazo prescricional de dois anos para o direito de ação na Justiça do Trabalho. “Na desigualdade, é preciso que prevaleçam regras igualmente diferentes, pois a prioridade deve ser sempre a dignidade da pessoa humana”, sentenciou a palestrante.
Finalizando, a professora ratificou comungar com o filósofo alemão Jürgen Habermas, que empunha a bandeira da ética da fraternidade. “O Direito precisa ser uma ferramenta de promoção de liberdade. Nesse sentido, minha ética não pode ser outra: uma ética fraterna, a ética do amor.”
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