Ministra Peduzzi palestra sobre assédio moral no segundo dia do Congresso
A ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), abriu o segundo dia do 7º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT da 15ª Região, na sexta-feira, 15/6, com palestra sobre assédio moral. O interesse pelo tema e a erudição e firmeza de posições da palestrante mobilizaram a atenção da platéia, que lotou a Casa de Campo do The Royal Palm Plaza Hotel, em Campinas.
Figura jurídica recente, com origem na psiquiatria e na psicologia, o assédio moral pode ser caracterizado como toda conduta sistemática que atente contra a dignidade ou integridade psíquica e física de uma pessoa, vulnerando seus direitos individuais fundamentais e causando-lhe transtorno emocional. Dessa perspectiva, o assédio moral no trabalho caracterizar-se-ia por omissões ou ações repetidas, regulares e prolongadas no tempo de hostilidade contra o trabalhador. Uma “insistência impertinente”, nas palavras da ministra, cujo objetivo seria ferir a auto-estima do trabalhador, provocar-lhe estresse, desestabilizá-lo.
Aprofundando-se no tema, a ministra Peduzzi deteve-se nas possíveis manifestações do assédio moral no mundo do trabalho. Além de individual ou coletivamente sentido, afirmou, o assédio pode ser horizontal, entre pessoas de um mesmo grau na hierarquia, ou vertical, entre ascendentes ou descendentes hierárquicos - e nesse aspecto se diferenciaria do assédio sexual, necessariamente vertical e ascendente. Pode, ainda, ser derivado de ato omissivo ou comissivo, abarcando várias modalidades: rigor excessivo na exigência de cumprimento das atividades; imposição ao trabalhador de tarefas para as quais não está habilitado ou estranhas ao seu cargo; restrição à sua atuação profissional ou mesmo ao seu ingresso em determinados setores da empresa por ele antes freqüentados; licenças remuneradas recorrentemente renovadas; humilhações verbais; tratamento desrespeitoso ou vexatório, como obrigar o trabalhador a se fantasiar, se arrastar no chão e outros tipos de trotes; exposição pública de intimidades do trabalhador; divulgação de comentários maliciosos; revistas íntimas abusivas, enfim, qualquer tipo de atitude persecutória, de intimidação ou coação psicológica recorrente que vise fragilizar o trabalhador, seja como castigo por não ter alcançado as metas/cotas de produção estabelecidas pela empresa, seja para imprimir um ritmo mais acelerado ao trabalho, seja, ainda, para forçar seu pedido de demissão ou adesão a plano de demissão voluntária. A conseqüência de tais atitudes, ressaltou a palestrante, é também variada; muitas vezes a violência psicológica intensa e prolongada pode gerar doenças graves como a síndrome de pânico e a depressão, afirmou.
O tema, interdisciplinar, é polêmico e ainda carente de regulação em vários países, apesar de sua ampla incidência – segundo informou a ministra, com base em dados recentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 42% dos trabalhadores do mundo são vítimas de alguma forma de assédio moral, a maioria mulheres, demonstrando a conotação sexual da prática. Alguns países, como a França, tipificam o assédio moral como crime (ilícito penal); outros, em que se inclui o Brasil, o tomam como um ilícito civil, sujeito a sanção de indenização para reparação do dano (moral/psicológico e, muitas vezes, também material) causado. Ainda que o dano não seja patrimonial, a reparação prevista é pecuniária. Além de seu caráter compensatório, a reparação visa também coibir a reprodução do ato, tendo, portanto, função pedagógica.
Analisando a situação nacional, a ministra Peduzzi esclareceu que o assédio moral ainda não foi regulamentado no País, fundando-se a pretensão de indenização por danos morais no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988, que dispõe: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Também o novo Código Civil, em seu artigo 186, trata da previsão indenizatória por dano moral, ao dispor: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. A palestrante informou, contudo, que há, atualmente, 11 projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, o mais antigo de 2001, que buscam regulamentar o instituto. Alguns propõem que o assédio seja incluído como falta grave patronal; outros, que seja tipificado como crime; outros, ainda, limitam-se a proibir sua prática entre os servidores públicos.
Peduzzi ressaltou, no entanto, que a ausência de lei específica sobre o assédio moral no Brasil não impede que se aplique o direito. Além do disposto na Constituição e no Código Civil, afirmou, há extensa doutrina e jurisprudência a respeito, além de algumas leis municipais (inclusive em Campinas) e estaduais coibindo e punindo a prática desse ilícito nos locais de trabalho e de cláusulas de acordos ou convenções coletivas que estabelecem meios de sua prevenção nas empresas.
A jurisprudência formada em torno do assédio moral é recente - os primeiros acórdãos são de 2002. A ministra observou, contudo, que, sobretudo a partir de 2005, o número de casos levados ao conhecimento da Justiça do Trabalho brasileira e que chegam aos tribunais, em fase recursal, tem crescido em progressão geométrica. As ações, concentradas nas regiões Sul e Sudeste do País, também atingem mais as mulheres e, em boa parte dos casos, os pedidos têm sido deferidos.
No caso de ações de assédio moral individual, as indenizações, de acordo com a ministra, têm variado, em média, entre 10 mil e 50 mil reais, mas há indenizações até de 400 mil reais. O critério do julgador para arbitrar o valor da reparação é subjetivo, mas, em geral, leva em consideração o tempo de serviço do empregado, gravidade da ofensa e a capacidade econômica de ambas as partes, sempre observando o critério da eqüidade.
Diferentemente, no caso de assédio moral coletivo, a reparação pecuniária é revertida para a coletividade, cujos sentimentos foram afetados, e não em favor dos trabalhadores individualmente. Nesse ponto, a palestrante destacou a atuação valiosa e eficiente do Ministério Público do Trabalho, que dirigiu centenas de investigações para apurar casos de assédio moral e ajuizou inúmeras ações civis públicas para reparação por dano moral coletivo, o que implicou o aporte de milhões de reais para o Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT). A ministra recordou também recente decisão da juíza Antonia Rita Bonardo, em processo que tramita na 1ª Vara do Trabalho de Paulínia, condenando empresa a pagar uma indenização de 2 milhões de reais, por assédio moral coletivo. A empresa obrigava trabalhadores licenciados por problemas de saúde a permanecer trabalhando.
Para Peduzzi, a falta de compreensão do conteúdo do instituto é um dos fatores que levam à prevalência da interpretação subjetiva do julgador, dificultando a uniformização de critérios - essencial na aplicação de sanções reparatórias - entre os juízos de primeira instância, os TRTs e o TST. É preciso dar integridade à aplicação da sanção reparatória, “a partir do exame de todas as características do fato, para se aproximar o mais possível de um ideal de eqüidade e justiça, evitando-se as disparidades entre as indenizações, que comprometem a segurança jurídica e a seriedade do instituto”, afirmou a palestrante. A ministra referiu-se, em especial, à necessidade de se prevenir o surgimento de uma indústria das indenizações.
Finalizando, Peduzzi frisou a importância de se promover uma eficiente política de prevenção ao assédio. Advertiu que cabe sobretudo ao empregador implementar um clima de respeito e harmonia entre os empregados e entre estes e a direção da empresa, bem como fiscalizar e coibir essa prática no ambiente de trabalho. Até porque, reforçou a ministra, como responsável pelos atos de seus gerentes ou prepostos, caberá ao empregador responder por eventual dano moral por eles causado, conforme determina o Código Civil.
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