Palestra do ministro Gelson de Azevedo encerra Congresso do TRT

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A última palestra do 7º Congresso do TRT da 15ª Região, encerrado na tarde do dia 15, coube ao ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Gelson de Azevedo, recém-eleito para integrar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O palestrante foi apresentado à audiência pelo presidente do TST, ministro Rider de Brito, que ressaltou a excelência de sua formação - além de vários títulos referentes à carreira da Magistratura, o ministro tem pós-graduação em Filosofia em Estrasburgo, na França - e a importância do seu trabalho como conferencista Brasil afora, “não propriamente para ensinar, mas para aprender no contato com os operadores do Direito, como o ministro Gelson costuma afirmar”.

A palestra versou sobre alguns aspectos controvertidos da Emenda Constitucional nº 45, de 2004. Dada a amplitude do tema, o ministro centrou-se nas alterações promovidas pela Emenda no artigo 114 da Constituição Federal, analisando as interpretações ensejadas e apresentando a visão sobre elas predominante na Seção de Dissídios Coletivos do TST.

O primeiro aspecto abordado foi a mudança introduzida pela Emenda 45 no parágrafo 2º do artigo 114, que recebeu a seguinte redação: “Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.”

Para o ministro, algumas imprecisões no texto do artigo têm gerado controvérsias quanto à sua interpretação. Uma primeira controvérsia, segundo ele, refere-se à idéia ali sugerida de que o ajuizamento do dissídio coletivo estaria condicionado à recusa à negociação pelas partes. Para o ministro, trata-se de evidente imprecisão textual, que poderia ser sanada com a substituição deste trecho do parágrafo pela expressão “inconciliadas as partes”, que abarcaria tanto as categorias - patrões e empregados - que não sentaram para negociar, como as que, tendo se reunido, efetivamente não conseguiram fechar um acordo.

Dentre outros pontos, o palestrante discorreu também sobre a natureza constitutiva - criadora de normas - do dissídio coletivo, para argumentar a respeito da não obrigatoriedade da Justiça do Trabalho de decidir o conflito em caso de dissídio coletivo. Afinal, lembrou, “não há que se falar, aqui, em descumprimento do princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional, que dispõe que nenhuma lesão de direitos poderá ser excluída da apreciação do Judiciário, uma vez que não pode haver lesão de direito se ainda não há norma regulando esse direito”. Nesse sentido, prosseguiu o ministro, a Justiça do Trabalho teria, de fato, a faculdade e não o dever de “dizer o direito” nesse tipo de conflito. O palestrante esclareceu, ainda, que a posição predominante no TST tem sido a de considerar o julgamento de dissídios coletivos uma prestação jurisdicional em sentido restrito, e não um juízo arbitral, sendo legítima, portanto, a interposição de recurso ordinário das decisões tomadas se a competência original for dos tribunais regionais.

Outro ponto do referido parágrafo tratado pelo ministro refere-se ao entendimento de quais “disposições mínimas legais de proteção ao trabalho” devam ser respeitadas pela Justiça Trabalhista. Segundo ele, o TST, em suas decisões, tem distinguido as garantias de proteção do trabalhador de natureza patrimonial daquelas de natureza extrapatrimonial, referentes à sua saúde, à sua higidez física e mental. Estas, afirmou, são inegociáveis, por se tratar de direitos indisponíveis, cabendo, evidentemente, exceções à regra, adaptações a situações concretas. Esse teria sido o caso, por exemplo, de um segmento da categoria dos vigilantes e motoristas de carros fortes que, preocupado com sua segurança pessoal, solicitara à Justiça do Trabalho a homologação de acordo coletivo flexibilizando o tempo do intervalo intrajornada dos trabalhadores, o que foi deferido pelo Tribunal, em condições excepcionais, por se tratar de cláusula acordada entre as partes que beneficia o empregado.

Já os direitos de natureza patrimonial, ponderou, têm sido muitas vezes flexibilizados em atendimento a circunstâncias próprias, regionais, assegurando-se, sempre, o benefício do trabalhador e a preservação de direitos históricos conquistados. Nesse sentido, o ministro lembrou um acordo coletivo recentemente homologado pelo TST que, flexibilizando as normas da CLT, unificou as horas in itinere - tempo gasto pelo empregado para chegar ao local de trabalho que é considerado como integrante de sua jornada diária - dos trabalhadores de uma determinada categoria, dada a dificuldade de contabilizá-las para cada um individualmente.

O segundo ponto abordado pelo palestrante foi o significado da expressão “relação de trabalho”, presente no inciso I do mesmo artigo 114 da Constituição Federal, que dispõe sobre a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Gelson de Azevedo identificou, em princípio, três interpretações correntes sobre a questão. Para alguns analistas, a expressão “relações de trabalho” abarcaria o mesmo espectro da relação de emprego, visão que, segundo o ministro, literalmente não se sustenta. Outra vertente inclui na expressão “relação de trabalho” qualquer prestação de trabalho em benefício de outrem, interpretação que, de seu ponto de vista, converteria em relação de trabalho até mesmo a relação estabelecida entre um motorista de táxi e o passageiro transportado, ampliando demasiadamente o espectro dos jurisdicionados e, por conseqüência, impossibilitando materialmente o atendimento. A terceira teoria, híbrida, propõe que, quando o interesse prevalecente for o do prestador do serviço, a competência deverá ser da Justiça Trabalhista; já se o interesse for do consumidor do serviço, teremos, então, uma relação de consumo. Tal teoria, de acordo com o palestrante, igualmente não se sustenta, uma vez que não seria possível, conceitualmente, desmembrar a relação trabalhista entre quem vendeu seu trabalho e quem o comprou. “Da mesma forma que não se pode admitir a existência do devedor sem o credor, não se pode considerar o empregado sem considerar o empregador”, comentou o ministro.

Após argumentar pela inconsistência das três correntes, Gelson de Azevedo declarou que, particularmente, não vê maiores problemas com a expressão insculpida no texto constitucional após a aprovação da Emenda 45. Segundo ele, permanece no texto constitucional a intenção primordial do constituinte, presente no caput do antigo artigo 114, que estabelece a competência da Justiça do Trabalho para “conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores”, firmando, assim, a ampliação da competência dessa justiça especializada para abarcar também o trabalho de pequenos empreiteiros e dos artífices, além dos chamados empregados. Nesse sentido, ponderou, não pode haver dúvidas quanto ao objetivo do legislador de proteger um tipo de trabalhador específico - o trabalhador por conta alheia, ou seja, aquele que mantém com o empregador uma relação não-eventual de subordinação, baseada na pessoalidade e na onerosidade, sujeitando-se à exploração econômica (no sentido da apropriação da mais-valia) e também jurídica por ele promovida. “O trabalhador por conta própria não precisa de proteção. Nós é que precisamos de proteção em relação a quem nos presta serviço, em relação ao médico, ao advogado. É o trabalhador por conta alheia que merece a proteção da Justiça do Trabalho. É para assegurar garantias desse trabalhador que a Justiça Trabalhista precisa ser efetiva e célere”, concluiu.

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