Palestrante clama pela preservação dos processos trabalhistas

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A conferência de abertura do II Encontro Nacional da Memória da Justiça do Trabalho coube à professora Magda Barros Biavaschi, juíza aposentada do TRT da 4ª Região (RS), doutora em Economia Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e integrante da Comissão Coordenadora do Memorial da Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul.

Com o título “Memória do Trabalho e Preservação das Fontes Históricas: Direito dos Cidadãos”, a exposição teve como fio condutor a tese de doutoramento concluída recentemente pela conferencista sobre a criação da Justiça do Trabalho no Brasil. A tese deu origem ao livro “Direito do Trabalho no Brasil - 1930-1942: A Construção do Sujeito de Direitos Trabalhistas”, publicado este ano pela Editora LTR.

A professora conta que sua pesquisa tomou outro rumo após entrevista realizada com o jurista e ex-ministro do Trabalho Arnaldo Süssekind - o único signatário ainda vivo da Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943 -, em que foi por ele orientada a buscar as fontes materiais do Direito do Trabalho brasileiro não na Carta del Lavoro italiana, “da qual costuma-se dizer que a CLT é cópia”, mas nas “reclamações trabalhistas” apresentadas nos anos 30 e 40 perante as antigas Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJ) do Ministério do Trabalho, assim como nos pareceres de juristas que atuaram como conselheiros do Ministério, orientando-o na análise de demandas de trabalhadores inconformados com as decisões das Juntas.

Segundo a palestrante, além de informar sobre a riqueza daquele momento histórico, o exame desses processos e pareceres de fato permitiu-lhe identificar, nos próprios autos, o lugar de construção dos direitos de trabalhadores e trabalhadoras e de sua constituição como sujeitos de direitos. Permitiu-lhe, também, reconhecer nas JCJs e nos Conselhos Regionais e Nacional do Trabalho do Ministério atores importantes na construção dos direitos sociais. Em vez da propalada influência da legislação trabalhista italiana, de cunho fascista, a história do nosso Direito do Trabalho no Brasil teria, assim, de acordo com a professora, a marca especial de nossa sociedade e cultura.

A riqueza do material investigado levaria a pesquisadora, por sua vez, a uma compreensão mais acurada do papel dos processos judiciais como fontes históricas fundamentais, bem como da necessidade urgente de suspender o processo em curso de destruição indiscriminada dessas fontes. Segundo ela, essa preocupação se coloca também em relação aos processos dos anos 1980 e 1990, os quais, acredita, são fontes da maior importância para a análise da tentativa de desconstrução dos direitos sociais e trabalhistas e da resistência a esse movimento que se observam na sociedade contemporânea globalizada, tema que, promete, deverá ser o objeto de seu pós-doutoramento. Neste caso, afirmou, “a luta será mais dificil, pois que boa parte desses processos mais recentes já foram destruídos”.

Os perigos da Justiça sem papel

Como integrante da Comissão Organizadora do Memorial da Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul, a professora Magda Biavaschi tem estado à frente de uma série de iniciativas para a preservação dos processos que tramitaram no Judiciário Trabalhista gaúcho, por meio da digitalização, compactação e microfilmagem desses documentos, “com vistas a um arquivamento responsável dessas fontes históricas, a partir de uma avaliação criteriosa”, segundo ela. Inicialmente, relata, tratou-se de garantir a guarda da maior massa documental possível, mediante o aluguel de um prédio capaz de abrigar 1 milhão de processos. Os passos seguintes foram a criação de memoriais regionais no Estado, a cessão de parte dos arquivos a universidades públicas interessadas em sua análise e pesquisa, mantendo-se a guarda do Tribunal sobre os documentos, e a atração de pesquisadores para realizar suas pesquisas nos memoriais constituídos.

Com 30 anos de magistratura, a palestrante mostrou-se também bastante preocupada com o atual processo de informatização dos documentos públicos. Segundo ela, o processo judicial eletrônico ainda não se apresenta como uma solução definitiva, absolutamente confiável, sobretudo pela constante transformação do suporte tecnológico empregado, a exigir sucessivas readequações. Para Magda, a saída para o problema do acúmulo de documentos em papel não pode ser vista como uma via única, que nos é imposta de fora e que poderá implicar a total dependência do País de tecnologia importada. A justiça sem papel, afirmou, pode implicar a impossibilidade do resgate dos laços com a História caso não sejam adotadas medidas emergenciais para impedir a destruição indiscriminada dos autos. Essas medidas passam pela formação de arquivos e centros de memória nos Tribunais, pela contratação de historiadores e arquivistas para análise e classificação criteriosa dos documentos, pela compactação e microfilmagem dos processos, dentre outras iniciativas de preservação que, segundo ela, podem se mostrar mais baratas e seguras.

Por fim, a professora questionou o prazo de cinco anos, fixado por lei, para a guarda dos autos após o trânsito em julgado da ação. O prazo, segundo ela, vem de encontro ao direito do cidadão de ampla produção de provas, sobretudo nos conflitos trabalhistas, que envolvem, muitas vezes, direitos relativos a mais de 30 anos de vida profissional. “Os processos são as provas dos trabalhadores”, advertiu Magda.

Após a palestra, a professora autografou, no Espaço Cultural do TRT, no primeiro andar do edificio-sede, exemplares do seu livro “Direito do Trabalho no Brasil - 1930-1942” e da coletânea “Memória e Preservação de Documentos: Direitos do Cidadão”, que coordenou, juntamente com as professoras Anita Lübbe e Maria Guilhermina Miranda. Esta última publicação, uma co-edição do Memorial da Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul, da Editora LTR e do TRT da 4ª Região, reúne as discussões que mobilizaram o I Encontro Nacional da Memória da Justiça do Trabalho, realizado em 2006 em Porto Alegre.

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Comunicação Social