Professores divergem sobre critérios de preservação de documentos
Na manhã da terça-feira, 2/10, o II Encontro Nacional da Memória da Justiça do Trabalho, realizado no edifício-sede do TRT da 15ª Região, em Campinas, tornou possível a confrontação de dois pontos de vista antagônicos em alguns aspectos quando o assunto é preservação de documentos. A professora doutora Ana Maria de Almeida Camargo, da Faculdade de História da Universidade de São Paulo (USP), palestrou sobre "Valor Histórico e Outros Valores: o Arquivo Permanente das Instituições Públicas", focando sua fala, como ela própria destacou, no ponto de vista arquivístico. Seu colega Fernando Teixeira da Silva, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a quem coube o tema "A Universidade vai à Justiça do Trabalho: o Historiador e as Fontes Trabalhistas", expôs a visão de historiador.
Ana Maria de Almeida Camargo enfatizou que, na formação de um arquivo, não existe a intenção de se produzir documentos de valor histórico, ao contrário do que ocorre na atividade de historiador. O arquivo, esclareceu a professora, "nasce para provar que ações foram realizadas". Ele é o reflexo, umas espécie de espelho das atividades da pessoa ou instituição a que se refere, a prova de que determinadas ações foram efetivamente cumpridas, complementou Ana Maria.
Essa naturalidade, prossegue a palestrante, dá origem a todos os princípios da teoria arquivística, como, por exemplo, a proximidade dos documentos arquivados com as atividades que lhes deram origem. "A toda ação corresponde um documento, que é a própria corporificação do fato documentado", sintetizou.
Outra característica apresentada pela pesquisadora é a aspiração que os documentos arquivados têm de obter de todos que os lêem um entendimento único. "O documento de arquivo não é ambíguo como uma poesia ou uma obra de arte. Nestas, a ambigüidade é muitas vezes valorizada como uma qualidade. Naquele, seria um defeito."
No entendimento da palestrante, a avaliação do valor histórico dos documentos não tem implicações apenas no que diz respeito à disponibilidade de espaço para armazená-los. Para ela, existe um grau de redundância muito grande nos documentos do Poder Judiciário. "A avaliação reduz o conjunto de documentos à sua expressão essencial, que representa a instituição de uma forma enxuta, mas igualmente eloqüente." Ela adverte, no entanto, que é preciso "reconhecer a instituição depois do processo de avaliação". É como se a massa documental de uma instituição fosse um corpo obeso, e o processo de avaliação, um tratamento que o faz emagrecer, mas sem lhe extirpar parte alguma, exemplifica a professora, recorrendo à imagem criada pelo colega argentino Manuel Vazquez.
Generosidade
O professor Fernando Teixeira da Silva iniciou sua palestra reafirmando que os processos da Justiça do Trabalho têm sido cada vez mais "objeto de investigação da Academia e preocupação das políticas públicas de preservação documental". Crítico ferrenho da destruição de documentos, Fernando defendeu uma "guarda generosa, magnânima" de processos do Judiciário brasileiro. "O saber deve ocupar muito espaço", preconizou. Para ele, qualquer processo de avaliação do valor histórico de documentos carrega um risco muito grande. "Não podemos determinar o que será histórico para as gerações futuras."
O historiador chama a atenção para o perigo da aplicação dos critérios de amostragem na preservação de documentos. "Na impossibilidade de se determinar o valor histórico de um processo, a eliminação é padronizada", lamenta Fernando, advertindo, a exemplo do que fez no dia anterior seu colega Sidney Chalhoub, para a possibilidade de um documento de valor excepcional ser destruído. O palestrante observou que sobrou muito pouco do acervo de processos das décadas de 1940 a 1960 da Justiça do Trabalho brasileira. Segundo ele, está em curso um projeto que vai digitalizar e microfilmar, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), cerca de cinco mil ações trabalhistas das décadas de 1940 a 1970.
"Um processo trabalhista diz muito mais que o direito maculado", defende Fernando. Da análise dos feitos, é possível extrair, exemplifica o pesquisador, parte da biografia de um juiz ou advogado ou sua linha de atuação em situações específicas. Também se pode comparar a atuação de diferentes empresas na Justiça Trabalhista ou os métodos de racionalização do trabalho em empresas ou ramos de atividades. "Todo processo trabalhista é único, cheio de porosidades, ambigüidades", afirmou o professor.
O palestrante defendeu que, como alternativa à dificuldade de se estabelecer critérios e procedimentos seguros para a preservação dos processos judiciais no Brasil, nenhuma ação ajuizada até a promulgação da Constituição Federal de 1988 deveria ser descartada, inclusive as impetradas até 5 de outubro daquele ano mas que tramitaram posteriormente ou mesmo que ainda estão em andamento. De acordo com levantamento feito por Fernando, são cerca de três milhões de processos. "Pouco perto do que foi ajuizado depois."
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