Condenada empresa que cometeu excesso em investigação de fraude em cartão

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Por unanimidade, a 12ª Câmara do TRT da 15ª Região reformou sentença da 2ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto, condenando a reclamada, uma empresa de promoções e serviços de cobrança e telemarketing, a pagar a uma ex-empregada uma indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil. A trabalhadora e mais alguns colegas foram acusados de participação em fraudes no sistema de cartões de crédito administrado pela empresa. Eles foram submetidos, por cerca de três horas e meia, a ameaças e constrangimentos feitos por quatro homens, incluindo dois gerentes da empresa, que tentavam descobrir o suposto fraudador.

A situação ocorreu na filial de uma grande rede de supermercados – onde a reclamada mantém uma “ilha de crédito” -, numa sala próxima ao refeitório da loja e à vista de funcionários da rede. Após o incidente, todos os acusados foram demitidos.

Excesso

O incidente ocorreu em 28 de outubro de 2004, por volta das 20 h. À frente da investigação estavam o gerente do Departamento Comercial e o de um setor criado justamente para apurar possíveis ocorrências de fraude. Em sua defesa, na reclamação trabalhista, a reclamada alegou que não foram utilizadas palavras grosseiras no interrogatório, e os empregados não foram coagidos a assumir a culpa pela fraude.

A prova testemunhal, no entanto, concorreu contra a versão da ré. Um dos gerentes envolvidos na investigação, que depôs como testemunha da empresa, admitiu que todos os empregados da “ilha de crédito” foram levados ao mesmo tempo para a sala onde ocorreu o incidente e foram interrogados uns em frente aos outros. Reconheceu também que, além dele próprio e do outro gerente, outros dois homens - prestadores de serviço na área de investigação, segundo o depoente - participaram do interrogatório, e um deles chegou a afirmar: “temos uma maçã podre na cesta; vamos tirá-la daqui.”

Por sua vez, uma testemunha apresentada pela reclamante – outra ex-empregada da empresa, que também foi interrogada na ocasião – afirmou que os dois desconhecidos se disseram policiais e ostentaram algemas na cintura, ameaçando usá-las nos investigados, além de prometer levá-los para passar a noite numa delegacia de polícia. A ex-empregada da ré assegurou também que, durante a investigação, o tempo todo foi impedida de ter contato com os outros interrogados. Disse ainda que funcionários do supermercado passavam pelo local e viam a situação ocorrer.

Para o relator do acórdão no TRT, juiz convocado Edison dos Santos Pelegrini, o conjunto de provas produzido no processo, sobretudo a prova testemunhal, incluindo aí o depoimento da própria testemunha da empresa, provou que a reclamante foi submetida a uma investigação interna “de forma truculenta e vexatória”. No entendimento do magistrado, a presença dos dois seguranças prestadores de serviços, portando algemas na cintura, foi uma “clara tentativa de intimidação dos empregados investigados”.

- Agia-se de forma a incutir medo nos averiguandos - criticou o juiz, condenando ainda a atitude da empresa de deslocar ao mesmo tempo todos os empregados da “ilha de crédito”, indistintamente.

A demissão conjunta dos investigados, logo após o interrogatório, foi outra medida reprovável cometida pela ré, avaliou o relator. Para ele, a atitude causou a impressão de que os empregados foram realmente responsáveis por algo de muito grave praticado no trabalho.

“Inegavelmente, a reclamada tem todo o direito de proceder à investigação de fraudes que estejam ocorrendo em seus estabelecimentos, inclusive envolvendo empregados”, alertou Pelegrini. “Porém, essa prerrogativa não é ilimitada, pois é preciso ficar bem claro que devem ser evitados atos que possam expor as pessoas a situações ridículas, constrangedoras ou vexatórias”, ponderou.

Segundo o juiz, a reclamante foi exposta a constrangimento público, pois a averiguação da fraude não se deu com as cautelas de praxe, de forma discreta e sigilosa, mas, sim, de maneira acintosa, chamando a atenção dos funcionários do supermercado. “Só faltou apor o carimbo de ‘culpada’ na testa da recorrente”, lamentou Pelegrini, propondo à Câmara o acolhimento do recurso ordinário da autora da ação.

Para o magistrado, houve violação da honra e da imagem profissional da trabalhadora. “Certamente, os colegas de trabalho terão uma lembrança nada abonadora da autora. A pecha ficou registrada, afora os comentários maldosos que por certo circularam.”

Desconhecimento

Além da indenização por danos morais, a empresa foi condenada também a pagar horas extras à reclamante. A autora alegou que trabalhava das 10 h às 22 h, inclusive em feriados, com uma folga semanal, em dias alternados, e apenas 30 minutos diários de intervalo para refeição e descanso. Na defesa, a reclamada sustentou que a jornada ía das 12 h às 20h20, com intervalo de uma hora, em regime de escala de seis dias de trabalho por um dia de descanso, sem expediente nos feriados. Porém, em seu depoimento, o preposto da empresa admitiu desconhecer os horários de trabalho da autora, o que valeu à reclamada a aplicação da pena de confissão no que diz respeito à matéria, conforme decidiu a Câmara, com fundamento nos artigos 843, parágrafo 1º, e 844 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A única mudança em relação ao pedido da trabalhadora foi quanto ao tempo de intervalo, que a reclamante confessou ser realmente de uma hora por dia de trabalho.

A condenação alcança toda hora trabalhada além da 8ª diária ou 44ª semanal, incluindo os adicionais regulamentares e reflexos, ante a habitualidade com que as horas extras eram executadas. (Processo 1093-2005-042-15-00-2 RO)

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