Condenado recrutador de mão-de-obra que escravizava brasileiros em Angola

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A 2ª Câmara do TRT da 15ª Região negou provimento a recurso ordinário de um agenciador de mão-de-obra, titular de uma empresa individual, que levava brasileiros para trabalhar na construção civil em Luanda, Angola, submetendo-os a condições de trabalho análogas às de escravo. Em votação unânime, a partir do voto da juíza convocada Adriene Sidnei de Moura David Diamantino, a Câmara decretou a existência de vínculo de emprego entre o recorrente e o autor da ação, um dos trabalhadores explorados na cidade africana. O colegiado também rejeitou a tese do reclamado no que diz respeito à aplicação da legislação angolana ao processo, em lugar da Lei – brasileira - 7.064, de 1982, que dispõe sobre a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior.

A reclamação teve origem na 2ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto. O reclamado negou a condição de empregador do autor da ação e dos demais trabalhadores levados à África, alegando que o reclamante teria sido, na verdade, empregado da construtora angolana. Mas ficou provado que o agenciador esteve presente no canteiro de obras, dando ordens e fazendo pagamentos ao reclamante e aos demais operários, caracterizando, assim, vínculo empregatício entre os trabalhadores e ele.

- O reclamado em momento algum da contestação explica a que título fazia pagamentos e dava ordens de trabalho ao reclamante (...). A prova oral, por sua vez, demonstra sua efetiva presença no local de trabalho, bem como a prática de atos típicos de empregador, sintetizou a juíza Adriene.

Dura realidade

Para a relatora, o fato de ter sido juntado ao processo um contrato escrito firmado entre a construtora angolana e o reclamante em nada altera a conclusão de existência de relação de emprego entre este e o recrutador de mão-de-obra. Sobre a declaração apresentada pela empresa africana, dando conta de que o reclamado seria, na verdade, seu empregado, a juíza observou que o documento menciona um período contratual cujo início é posterior à data de contratação do reclamante pelo recrutador. “Assim sendo, na data em que o autor foi contratado pelo reclamado, este não mantinha, ainda, vinculação formal de empregado com a empresa africana”, observou a magistrada, ponderando, ainda, que o agenciador, além de figurar como titular de empresa individual que explora o ramo de construção, é também irmão de sócio da empresa tomadora dos serviços do reclamante, a construtora estabelecida em Luanda.

“Interessa ao Direito do Trabalho a realidade vivenciada pelas partes, em detrimento de formalidades que constam de documentos”, sublinhou Adriene. “Qual a vantagem aferida pela tomadora dos serviços, que se estabelece em Luanda, ao se valer de um terceiro - no caso, o reclamado -, para angariar trabalhadores no Brasil?’, indagou. Acontece que, lecionou a juíza, se o recrutador de mão-de-obra não fosse reconhecido como o verdadeiro empregador do reclamante, seria impossível a aplicação do Direito do Trabalho brasileiro à questão, porque a Lei 7.064 “disciplina a aplicabilidade do nosso direito material tão-somente na hipótese de a contratação ter sido realizada por empregador estabelecido no Brasil, ou na hipótese de manutenção de vínculo com este, após a transferência do empregado para o exterior”. Em resumo: afastada a caracterização do vínculo de emprego entre o reclamado e o autor, a este só restaria se submeter unicamente à legislação de Angola, pois o tomador de seus serviços seria apenas a empresa lá estabelecida.

Tal possibilidade não deixou dúvidas à relatora: para ela, a contratação do reclamante, da forma como foi feita, caracterizou uma manobra fraudulenta, uma tentativa de tungar, de burlar a legislação brasileira. Na avaliação da juíza, ficou patente a ocorrência do crime de aliciamento de mão-de-obra, previsto no artigo 206 do Código Penal e que se somou a outro, tipificado pelo artigo 149 do mesmo código - o de obrigar os trabalhadores brasileiros a prestar serviços em condições análogas às de escravo.

Uma testemunha garantiu que, assim como seus colegas, o reclamante cumpria jornada de trabalho excessiva e sob condições degradantes. Os operários eram transportados no compartimento de carga de uma carreta e trabalhavam das 7 h às 20 h, sem folga semanal. Um pequeno quarto no alojamento, sem água potável, era dividido por quatro trabalhadores. Para completar o quadro, a alimentação era péssima – a testemunha chegou a encontrar, num prato de comida que foi servido a ela própria, a arcada dentária de um porco. E se alguém tivesse diarréia, a única opção era recorrer a uma árvore medicinal. Pelo abuso, o reclamado foi condenado, na primeira instância, a pagar indenização por danos morais ao reclamante, condenação da qual contraditoriamente não recorreu, apontou a juíza Adriene.

Configurada a prática dos crimes, a Câmara determinou, com base no artigo 40 do Código de Processo Penal, a expedição de ofícios ao Ministério Público (MP) do Trabalho da 15ª Região, ao MP Federal e ao MP Estadual, para as medidas cabíveis. A pena para o crime de aliciamento é de um a três anos de prisão e multa. Já quem submete alguém a trabalhar em condições análogas às de escravo fica sujeito à pena de dois a oito anos de reclusão e multa, além da pena correspondente à violência. (Processo 0305-2006-042-15-00-5 RO)

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