Mantida demissão por justa causa de executivo de filial de empresa alemã

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A 12ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região negou provimento a recurso ordinário do ex-diretor-geral da filial brasileira de uma empresa alemã. A decisão, unânime, manteve sentença da 1ª Vara do Trabalho de Jundiaí, que julgou improcedente a reclamação, confirmando a demissão por justa causa aplicada ao executivo pela empresa. A reclamada atua no ramo de produtos plásticos.

Entre outras faltas graves, conforme apurou a perícia determinada pelo juízo de primeira instância, o recorrente majorou irregularmente a própria remuneração, convertendo para reais a parte variável de seu salário com base em taxas de câmbio não-oficiais, sem consentimento da matriz alemã. Só essa operação provocou perdas de quase R$ 30 mil à empresa.

Em seu voto, o relator do acórdão no TRT, juiz convocado Luiz Felipe Paim da Luz Bruno Lobo, observou que, nos seus 15 anos de exercício da Magistratura, o processo em questão “reflete o mais agudo caso já examinado de abuso de fidúcia por parte daquele que, fazendo as vezes do empregador, seria o depositário de um amplo mandato de boa e fiel gestão”. Para o magistrado, “a ação proposta e o respectivo recurso nada mais são do que extensão de um comportamental amoral de autoria do obreiro”.

Reação

No recurso, o reclamante sustentou que, ao analisar a justa causa, o juiz de primeira instância não levou em consideração a ausência de imediatidade. Alegou também que teria havido anuência da empresa com os atos supostamente faltosos, por intermédio do conselho consultivo e de 12 auditorias internas sucessivas, além de auditorias externas. Pleiteou ainda que fosse decretada a confissão da reclamada no que diz respeito aos fatos apurados nas auditorias, por não ter a empresa juntado ao processo os documentos relativos a elas. Atribuiu, por fim, à sua ex-empregadora, a violação ao artigo 474 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Sobre o laudo pericial, classificou-o de “imprestável”, afirmando que ele se limita a repetir o relatório de auditoria anexo à defesa apresentada pela ré e que teria sido feito sem que fosse lhe fosse dada ciência.

O juiz Lobo rechaçou de imediato a aplicação ao caso do artigo 474 da CLT. “A suspensão do empregado por mais de 30 dias consecutivos, que importa na rescisão injusta do contrato de trabalho, é aquela aplicada como penalidade em conseqüência de um ato faltoso”, observou o magistrado. Para ele, essa hipótese não se confunde com a suspensão do contrato, facultada ao empregador, para uma apuração correta dos fatos “com a qual pretenda o empregador evitar uma dispensa por justa causa sem fundamento”.

Quanto à imediatidade, o relator assinalou que também não se aplica ao caso, o qual envolveu, ponderou o juiz, um conjunto de fatos “inequivocamente complexo”, exigindo a suspensão do empregado e uma auditoria para uma apuração mais acertada. A alegação do reclamante, de que era fiscalizado por um conselho consultivo e que a empresa foi submetida a auditorias sucessivas, também não convenceu o juiz. No entendimento do magistrado, mesmo em condições assim não estava garantido à empresa saber de todos os atos do reclamante.

Sobre a aplicação da pena de confissão pela falta de juntada aos autos dos documentos internos que resultaram das auditorias, mais uma vez Lobo rejeitou os argumentos do trabalhador, “seja porquanto o processo do trabalho tem fase de cognição prevista, seja porquanto a existência de elementos reais afasta qualquer presunção”. Além disso, o relator lembrou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido que goza de sigilo profissional “todo e qualquer relatório interno de auditoria”.

Perícia

“Não é fato que o laudo apenas repita o que constou do relatório anexo à defesa”, manifestou-se o magistrado, contestando a afirmação do autor a respeito do trabalho do perito. Para o juiz, o “expert” apenas conduziu seus trabalhos tomando por base o relatório de auditoria, “a fim de verificar a consistência de suas conclusões”. Lobo enfatizou ainda que o reclamante, por intermédio de seu assistente-técnico, pronunciou-se por duas vezes “de modo lacônico” sobre o laudo. “Em nenhuma das oportunidades manifestou insurgência ou sequer comunicou que não ficara ciente do início dos trabalhos do perito e da possibilidade de acompanhamento”, ponderou o relator.

Além da aplicação de taxas de câmbio não-oficiais na conversão da parte variável do salário, o reclamante, ainda conforme o laudo pericial, realizou diversos empréstimos e recebeu gratificações que não estavam previstas no contrato de trabalho, gerando, somente nessas operações, prejuízo de aproximadamente R$ 135 mil à sua ex-empregadora. No recurso, o trabalhador não contestou a ausência de autorização no contrato de trabalho para que as operações fossem feitas, limitando-se a alegar que, se os valores foram pagos durante o contrato, “obviamente o foram com o conhecimento e consentimento da recorrida”. No entanto, para o relator, “tratando-se de elevados valores que correspondem a rubricas de fato não constantes do contrato de trabalho e considerando-se a função do obreiro como diretor-geral da recorrida no Brasil, expressão máxima do empregador em sua filial nacional, não se pode presumir que tudo o que fora pago o fora com o conhecimento e consentimento da recorrida”.

Outra falta foi o gozo de 10 dias úteis adicionais de férias por ano, além das previstas legalmente, sem que houvesse autorização para tanto, conforme também certificou o perito do juízo. O recorrente alegou que havia previsão nesse sentido no contrato de trabalho. De fato, observou o relator, havia no contrato de trabalho a previsão do direito ao período adicional de férias, mas isso também estava condicionado a uma autorização prévia da diretoria da matriz, exigência cujo cumprimento o reclamante não conseguiu provar.

A utilização de dois veículos da reclamada e a contratação de um motorista particular, com despesas pagas pela empresa, providências mais uma vez tomadas sem a autorização da matriz, foram outras irregularidades apontadas. Não havia previsão contratual para a contratação do motorista, que trabalhou inclusive em regime de horas extras, cuidando até mesmo de assuntos pessoais e familiares do executivo.

Ainda sem a anuência da matriz, o autor lançou, no cartão corporativo da empresa, gastos relativos a várias viagens de caráter particular, incluindo despesas de hospedagem para quatro pessoas em hotel na Itália. Contra isso, o autor alegou mais uma vez a falta de imediatidade para a punição, bem como que a vantagem estaria estipulada no contrato de trabalho. “Superada a questão da imediatidade, certo é que a previsão contratual é no sentido de que a recorrida comprometeu-se a arcar com os custos aéreos de ida e volta do obreiro e sua família uma vez por ano para a Alemanha”, alertou o juiz Lobo. O relator advertiu ainda que mesmo as viagens do executivo e sua família, em férias, à Alemanha, deveriam ser combinadas com viagens de negócios, “não havendo autorização para lançamento de despesas de hospedagens de terceiros, em estadia na Itália, no cartão corporativo da recorrida, nem autorização para que fossem levados a débito deste despesas outras em viagens particulares”.

Má-fé

Além de manter a justa causa, a Câmara decidiu, também seguindo proposição do relator, punir o autor por litigância de má-fé. Ao finalizar seu recurso, o executivo assinalou que a sentença de primeira instância precisava ser reformada “para que a moralidade fosse restabelecida”. Foi a gota d’água. “Até tal manifestação este relator estava disposto a ignorar uma série de circunstâncias e manifestações constantes e contidas nos presentes autos, mas o recorrente extrapolou, em muito, o limite do ético”, reagiu o juiz Lobo. O magistrado relacionou uma série de afirmações feitas pelo executivo e consideradas desrespeitosas por ele, relator, como de resto pelos demais integrantes do colegiado. Frases como: “Precisamos de um Judiciário que pense, e não que bata carimbo”; “O que a Meritíssima Juíza fez foi acolher as conclusões do laudo, sem pensar, sem aplicar o direito, sem prestar atenção”; “O argumento consignado na r. [respeitável] sentença é uma afronta a qualquer profissional do direito”; “É preciso muita ingenuidade para acolher integralmente o laudo pericial de fls. 578/683, verdadeira cópia da defesa”. Lobo enfatizou que o advogado do recorrente deveria “manifestar pelo Membro do Poder Judiciário o mesmo respeito que dele espera merecer, estendendo esta consideração também ao Perito do Juízo”. “À toda evidência, litigou de má-fé o obreiro, alterando a verdade dos fatos, e desdobrou seu comportamento malicioso com o presente apelo manifestamente infundado”, reforçou o relator, condenando o executivo a pagar à empresa indenização equivalente a 10% do valor dos pedidos, “que refletem efetivamente o valor da causa”, além de honorários advocatícios, no mesmo valor. (Processo 0012-2002-002-15-00-5 RO)

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