Márcio Pochmann: legislação deve contemplar novas formas de trabalho
As profundas mudanças pelas quais vem passando o mercado e a própria natureza do trabalho, juntamente com uma “alteração dramática” no perfil demográfico do Brasil, exigem uma nova regulação pública. Esta é a opinião do economista Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), defendida em mesa-redonda na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat). Pochmann apresentou, a um grupo de 51 juízes do trabalho substitutos recém-aprovados em concursos públicos [sete são da 15ª], algumas ideias para reflexão, dentro do tema proposto – Morfologia do Trabalho e da Produção. Uma delas é que vivemos numa sociedade de abundância, e não de escassez: “a desigualdade é política”, afirma. Outra é a de que o avanço da tecnologia poderia garantir o pleno emprego e permitir que cada trabalhador trabalhasse apenas 12 horas por semana. “O velho se esgotou e o novo ainda não está maduro. O que nos separa desse novo mundo é o medo de mudar, de fazer diferente”, desafia.
Trabalho imaterial
A principal mudança na natureza do trabalho é a sua transformação de material para imaterial. Na sociedade do trabalho imaterial, os limites entre o tempo de trabalho e o de não-trabalho se diluem – e o economista faz uma analogia com a agricultura familiar, em que trabalho e vida privada se misturam e seguem ritmos próprios, não ditados pela legislação. A intensificação e a extensão do trabalho geram um aumento da produtividade (e, consequentemente, de riqueza) que ainda não foi devidamente mensurado – nem se reflete na qualidade de vida do trabalhador. “A Justiça do Trabalho não sabe, os sindicatos ainda não se deram conta, o governo ainda não tributa”, afirma, lembrando que, atualmente, 500 empresas transnacionais detêm 50% do PIB mundial.
O princípio ativo do trabalho imaterial não é mais a força física, e sim o conhecimento. Ele exige, portanto, maior qualificação do trabalhador, além de mudanças nos modelos educacionais. “A educação para o trabalho, como temos hoje, perde o sentido porque o trabalho muda a cada dia. A educação deve ser para a vida.” Nesse contexto – e diante do aumento da expectativa de vida -, a entrada no mercado do trabalho não precisa acontecer antes dos 25 anos. A viabilidade disso, porém, é outro problema. “O modelo atual reproduz a desigualdade, pois o jovem de pior condição econômica precisa trabalhar mais cedo. Não dá para combinar trabalho com educação de qualidade. Educação não é fábrica de salsicha.”
Os dados apresentados pelo economista mostram que a população brasileira crescerá até 2030 e, a partir daí, começará a decrescer – e, consequentemente, a envelhecer. “Até 2030, haverá mão-de-obra ativa para financiar as políticas públicas, mas depois disso o quadro deve mudar”, afirma. Paralelamente, vive-se uma transição para o trabalho imaterial, que pode ser exercido independentemente de um local específico, a qualquer hora e em qualquer lugar e não é voltado para a produção de bens. Hoje, 70% dos empregos gerados são do setor terciário, e até 2030 o percentual chegará a 90%. Com o fim da exigência de força física, e com a queda da natalidade, a mulher terá cada vez mais condições de igualdade no mercado. “É uma realidade totalmente diferente do conjunto de regras ainda utilizados”, observa Pochmann.
Legislação deve ser ampliada
O presidente do IPEA lembra que a CLT foi concebida para a regulação do trabalho material – que ainda não desapareceu. “Ela ainda é atual para essa realidade. Mas para a do trabalho imaterial é necessário uma legislação mais alargada, inclusiva”, defende. “A CLT foi construída, nos anos 40, dentro da perspectiva do trabalho assalariado. Mas numa parte importante das ocupações não são mais assalariadas – como o trabalho na agricultura familiar, o trabalho cooperativado, o trabalho autônomo, independente, por conta própria. Para essas formas, não existe um sistema adequado de regulação.”
Enquanto isso não acontece, a Justiça do Trabalho vem, nos limites da sua competência, atualizando a CLT para regular áreas ainda não reguladas. “Ela responde bem às necessidades que chegam ao espaço de decisão dos juízes, mas várias condições de trabalho, por não estarem amparadas legalmente, acabam não chegando à Justiça”, observa Pochmann. Um deles é a terceirização. “Eu parto do pressuposto de que a terceirização não é necessariamente precarização, embora em grande parte das vezes ela venha sendo”, diz. “Este é um espaço sobre o qual é preciso se refletir mais e avançar a regulamentação sobre as modalidades em que a terceirização pudesse existir, por imperativo econômico, mas que não representasse a precarização dos trabalhadores.” O momento atual, portanto, é de transição.
Carmem Feijó/Enamat
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