Palestrantes do 1º Painel defendem adicional de insalubridade para o trabalho rural a céu aberto
“O trabalho rural a céu aberto e suas múltiplas consequências” foi o tema do 1º Painel do XIV Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural. Para debater essa dura realidade vivida por muitos trabalhadores brasileiros foram convidados o juiz Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, titular da Vara do Trabalho de Campo Limpo Paulista (SP), o perito da Justiça Comum e da Justiça do Trabalho Wallace Orlovicin Cassiano Teixeira e o procurador do trabalho Silvio Beltramelli Neto, da 15ª Região.
A coordenação do Painel coube ao promotor de justiça do Estado de São Paulo Felipe Locke Cavalcanti, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Pós-graduado em Teoria Geral do Processo pela Universidade Paulista (1996) e especialista em Direito de Falências e Recuperação de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (2005), Locke Cavalcanti foi titular das Promotorias do Júri de São Paulo e de Guarulhos de 1990 a 2001, tendo atuado em mais de quinhentos júris, inclusive no denominado “Caso Carandiru”, trabalho pelo qual foi agraciado com o Prêmio Nacional de Direitos Humanos.
Formado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Itajubá e em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto, com pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho pelo Centro Universitário Moura Lacerda, também de Ribeirão, Wallace Orlovicin Cassiano Teixeira focou sua palestra nas principais consequências da exposição excessiva ao calor e à ação dos raios ultravioleta para a saúde e a segurança do trabalhador rural que realiza suas atividades a céu aberto. Segundo o palestrante, que leciona no curso profissionalizante de técnico de segurança do trabalho do Senac de Jaboticabal (SP), o mesmo índice utilizado para caracterizar a insalubridade por calor advindo de fonte artificial – o chamado índice de bulbo úmido-termômetro de globo (IBUTG) – pode ser aplicado com propriedade para auferir também a insalubridade advinda do calor decorrente da exposição ao Sol. Ele explicou que a extrapolação do limite de tolerância à exposição solar, variável de acordo com tipo e o regime de trabalho realizado, é causa de fadiga, diminuição de rendimento, erros de percepção e raciocínio e perturbações psicológicas, podendo resultar ainda em doenças como a exaustão, a baixa da pressão arterial e a desidratação. Esta, por sua vez, pode provocar ineficiência muscular, perda de apetite, choque térmico, febre e até a morte. Já a exposição aos raios ultravioleta é responsável, afirma Wallace, por patologias como eritemas, envelhecimento precoce, redução das defesas imunológicas, formação de cataratas e até câncer de pele. Segundo informou o perito, 80% das ocorrências desse tipo de câncer têm origem ocupacional.
Essas consequências, alertou, poderiam ser evitadas ou ao menos minimizadas se o empregador garantisse ao trabalhador descansos periódicos em local ameno e o fornecimento dos equipamentos de proteção individual (EPIs) previstos nas normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, como a touca árabe, óculos de segurança com lentes dotadas de filtro ultravioleta (UV), camisas de manga comprida, luvas e calçados adequados, entre outros. “No entanto, embora São Paulo seja uma região rica, em termos de segurança do trabalho ainda há muito a melhorar”, concluiu o palestrante.
Mudança de postura
A exposição do procurador Silvio Beltramelli Neto, que é mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba e professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, enfocou outras consequências a que estão sujeitos aqueles que trabalham a céu aberto. Além dos riscos físicos (exposição à radiação, a temperaturas extremas, a chuvas e ventos fortes, a uma umidade relativa do ar acima de 70% ou abaixo de 30%, bem como aos ruídos das máquinas agrícolas), Beltramelli destacou os riscos químicos (contato com agrotóxicos e plantas), ergonômicos (postura forçada) e biológicos (picadas de animais peçonhentos, contato com a secreção de animais etc.), além dos riscos específicos de algumas culturas. No caso da cana-de-açúcar, os cortes e mutilações com os facões, a aspiração de fuligem e a exaustão – geralmente associada ao pagamento por produção –, além do vício no álcool e nas drogas, atribuído à penosidade da atividade e à condição de migrante de boa parte dos trabalhadores. No caso da cultura da laranja, o procurador arrolou como acidentes mais comuns a queda de escadas e os choques elétricos decorrentes do contato com fios de alta tensão.
Diante desse quadro, o palestrante ressaltou a necessidade de mudança de postura por parte do Judiciário, do Legislativo, do Ministério Público e dos sindicatos em relação às necessidades de saúde e segurança do trabalhador em todos os níveis. “É preciso elevar a importância dada aos direitos trabalhistas ambientais em relação aos direitos trabalhistas econômicos”, afirmou. Segundo ele, além do pouco empenho dos empregadores em fornecer os EPIs, há que se enfrentar a resistência em sua utilização por parte dos próprios trabalhadores, sobretudo nos canaviais, pelo calor que tais equipamentos produzem e suas consequências em termos de produtividade, variável determinante em se tratando de trabalho remunerado por produção. “Precisamos ter vontade e criatividade para achar alternativas, o que envolve a necessidade de mais investimentos na pesquisa de EPIs mais adequados, de uma atuação sindical que priorize normas coletivas que assegurem avanços em temas relativos à saúde e à segurança do trabalho, da valorização do trabalho dos profissionais que atuam nessa área e de investimentos em fiscalização.”
Beltramelli defendeu ainda a concessão do adicional de insalubridade previsto no artigo 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal aos trabalhadores rurais que exercem suas atividades a céu aberto, não obstante a posição contrária apresentada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) na Orientação Jurisprudencial nº 173. Ele adverte, porém, que o direito ao adicional deve ser interpretado como um elemento no contexto de uma nova postura em relação à segurança e à saúde do trabalhador, e não como um “pedágio”. Dessa perspectiva, advogou a adoção de outras iniciativas para garantir a efetividade da proteção do trabalhador contra enfermidades e acidentes de trabalho, como ações coletivas e mesmo a tutela inibitória, “instrumento disponível e que precisamos utilizar mais”.
Direito constitucional
O último palestrante, o juiz do trabalho Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, centrou sua exposição na discussão da aplicação do adicional de insalubridade. Membro do Conselho Consultivo e de Programas da Escola Judicial do TRT da 15ª Região, ex-presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV) e ex-diretor da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), o magistrado disse discordar da posição atual do TST, que veta a concessão do beneficio aos rurícolas em função da ausência de previsão legal. Segundo ele, o fato de esta hipótese de concessão não ter sido arrolada pelo Ministério do Trabalho e Emprego não é impedimento à aplicação do direito ao adicional. “O juiz tem, sim, base legal para concedê-lo, sob pena de restarem maculados os princípios e regras estabelecidos na Constituição de 1988, que prevê o direito à saúde, ao meio ambiente de trabalho sadio e também ao adicional de insalubridade, aos quais todos os particulares e o Estado estão vinculados. A Constituição não pode ser contida por lei mal feita ou pela ausência de lei.”
Para Giordani, o Direito não pode se fechar a uma única interpretação, assim como não se pode perder de vista a centralidade do homem nessas interpretações. “A saúde é direito fundamental do ser humano, que se liga estreitamente ao princípio da dignidade da pessoa humana assegurado na nossa Constituição, cuja realização deve ser perseguida por todos. O Judiciário tem a sua parcela de responsabilidade em fazer cumpri-la.”
Por Patrícia Campos de Sousa
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