2º Painel do Congresso do TRT discute as causas e consequências da violência no trabalho
Por Patrícia Campos de Sousa
Abrindo a programação da tarde do primeiro dia do Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT da 15ª Região, o painel “Violência no Trabalho – Assédio Sexual, Assédio Moral e Burnout” trouxe ao palco do Theatro de Paulínia, na quarta-feira (30/6), o psicoterapeuta Ivan Capelatto e os magistrados Sônia das Dores Dionísio, juíza titular da 11ª Vara do Trabalho de Vitória (ES), e Cláudio Armando Couce de Menezes, desembargador do TRT da 17ª Região (ES). O painel, acompanhado por cerca de 1.300 congressistas, foi coordenado pelo vice-presidente judicial do TRT da 15ª, desembargador Eduardo Benedito de Oliveira Zanella.
A juíza Sônia das Dores Dionísio abordou inicialmente o tema do assédio moral no trabalho, caracterizado pela magistrada como o exercício abusivo do poder de direção e discricionário do empregador mediante práticas reiteradas ofensivas à saúde física e moral do trabalhador. Manter o empregado inativo, isolado dos colegas ou incumbido de tarefas inúteis, desqualificá-lo perante os demais, humilhá-lo, atacar sua autoestima de toda forma, seja para estimular a competitividade, seja para constrangê-lo a deixar o emprego “voluntariamente”, são, segundo ela, alguns exemplos de comportamentos assediantes do empregador, que, crescentemente, têm sido levados ao Judiciário Trabalhista. Sônia citou ainda “técnicas punitivas”, como a sobrecarga de trabalho, a jornada excessiva e a incumbência de tarefas impossíveis, e lembrou que hoje, a par do assédio vertical, praticado pelo empregador, vêm aumentando o número de casos de assédio horizontal, ou seja, entre pessoas do mesmo nível hierárquico, os próprios colegas de trabalho, com ou sem a conivência do empregador, típicos de ambientes muito competitivos.
A palestrante recorreu a trechos do filme Amor sem escalas (Up in the air, do diretor norte-americano Jason Reitman), para ilustrar as consequências da violência física e moral hoje praticada no mundo do trabalho pelo capitalismo global. “Há pessoas no Brasil trabalhando mais de 60 horas semanais, submetidas a rigor excessivo, à ridicularização. Vendedores vestidos de mulher porque não cumpriram metas. As consequências de tais práticas têm sido os incessantes pedidos de licenças-médicas, muitas vezes a saída prematura do mercado de trabalho, e mesmo o aumento do número de suicídios nos locais de trabalho, inclusive coletivos.”
Autora de sentenças condenando empresas denunciadas por assédio ao pagamento, a ex-empregados, de indenizações significativas, a palestrante enfatizou o fato de que, sendo o assédio moral um conceito jurídico indeterminado, abre-se ao magistrado a possibilidade de uma atuação mais efetiva para combatê-lo. “Não se pode permitir essa banalização do mal”, advertiu Sônia, citando a filósofa Hannah Arendt. Nesse sentido, elogiou como um importante avanço em prol de um ambiente de trabalho mais saudável o Projeto de Lei 2.369 de 2002, de autoria do deputado Mauro Passos (PT-SC), em tramitação na Câmara dos Deputados. O projeto regula a indenização por assédio moral nas relações de trabalho, estabelecendo multa administrativa para o infrator, aplicada pelo Ministério do Trabalho, além da responsabilidade do empregador pelas despesas médicas necessárias para reparar os danos físicos e psíquicos causados.
A palestrante abordou, por fim, o problema do assédio sexual, espécie do gênero assédio moral, caracterizado como um atentado à dignidade pessoal do trabalhador, na medida em que fere seu direito à liberdade sexual, expressão do direito constitucional à intimidade. “Como o assédio moral, o sexual também nasce de uma relação de dominação que visa obter uma conduta específica da vitima – no caso, um favor de ordem libidinosa”, explicou a magistrada. Além do assédio por chantagem, em que o assediador recorre ao poder hierárquico – convites amorosos condicionados à manutenção do emprego, por exemplo –, Sônia cita o assédio por intimidação, também chamado de ambiental, exatamente por violar o ambiente de trabalho de forma difusa, por meio, por exemplo, de incessantes piadas e contatos físicos inoportunos, disseminando um clima geral de hostilidade.
Embora admitindo a vulnerabilidade dos homens, Sônia diz serem as mulheres, certamente, as maiores vítimas. Nesse sentido, citou o resultado de pesquisas recentes que apontam um número alarmante de mulheres assediadas sexualmente que se calam sobre o assunto. Entre as razões indicadas pelas vítimas para a não denúncia da agressão, aponta a juíza, estão o medo da perda do emprego, a vergonha de se expor ao ridículo, a dificuldade de falar do assunto e o fato de não acreditarem na possibilidade de se fazer justiça. “Ora, o Poder Judiciário tem de ser mais efetivo diante do problema. Todos sabemos que a prova do assédio sexual é sorrateira, difícil de obter. A Justiça do Trabalho tem de quebrar essa cadeia perversa, tem de quebrar o dogma do princípio da prova material direta e partir para provas indiciárias. O processo tem de estar a serviço do homem, para acabar com a servidão humana”, conclamou, por fim, a palestrante.
Estresse crônico e burnout
O segundo painelista, desembargador Cláudio Armando Couce de Menezes, focou nas práticas estressantes do trabalho e suas consequências, atribuídas pelo magistrado a uma sociedade de hiperconsumo, que cada vez mais exige um comprometimento total do empregado com a empresa. Segundo o desembargador, que é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, doutorando em Direitos Fundamentais pela Universidade de Castilha – La Mancha, na Espanha, e autor de mais de dez livros na área, “apesar de a Constituição proteger a saúde física, psíquica e mental do trabalhador e exigir do empregador a manutenção de um ambiente de trabalho sadio e seguro, direitos fundamentais que são indisponíveis e irrenunciáveis, o Judiciário muitas vezes tem posto a Constituição de lado para prestigiar acordos coletivos que reduzem intervalos ou repousos semanais, ou homologar normas que são sabidamente nocivas ao trabalhador, agravando um quadro de estresse, decorrente de um ambiente de trabalho desconfortável, com excesso de ruídos, sobrecarga de trabalho, cobrança absurda de produtividade, de cumprimento de metas quase sobre-humanas, sob pena de punição ou perda do emprego”.
O palestrante chamou a atenção, em especial, para o perigo da monetarização da saúde do trabalhador, “algo que já vemos quando se trata de adicional de insalubridade e periculosidade. O empregador paga o adicional para continuar a exercer suas atividades em condições insalubres ou perigosas. Sai mais barato do que investir na prevenção ou na melhoria do ambiente de trabalho”.
Por fim, Couce de Menezes tratou de um tema ainda pouco debatido no meio jurídico, mas que afeta um número cada vez maior de trabalhadores: a síndrome de burnout – do inglês burn out, queimar de dentro para fora –, que se caracteriza pela dedicação exagerada do empregado ao trabalho, levando ao seu esgotamento físico e mental. Fadiga, dores na coluna, hipertensão arterial, úlcera, impotência, apatia, irritabilidade, rejeição ao trabalho e aos colegas de serviço ou excessiva agressividade são, segundo o desembargador, algumas das possíveis reações ao estresse crônico que tem atingido especialmente algumas categorias profissionais, como os motoboys, os bancários, os operadores de telemarketing e os empregados de empresas de alta tecnologia em geral, entre outras.
A perversão do dano
O psicoterapeuta Ivan Roberto Capelatto fez a terceira exposição do painel, aportando uma outra perspectiva ao debate. Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-Campinas, colaborador da Unesco e autor de Diálogos sobre Afetividade – o nosso lugar de cuidar e Prepare as Crianças para o Mundo, o palestrante buscou traçar as origens psicanalíticas de comportamentos assediantes e violentos no trabalho.
Segundo Capelatto, do ponto de vista da Psicanálise o autor do assédio moral e sexual é o perverso. A personalidade perversa decorreria, segundo ele, da não submissão das pulsões humanas às regras criadas pela cultura para viabilizar a vida em sociedade e o desenvolvimento da civilização. Com base em Freud, o palestrante explicou que o tripé neurótico formado pelos sentimentos do medo, da raiva e da culpa, longe de visar à destruição do sujeito, busca protegê-lo, sendo a única garantia de vida sadia. Por sua vez, a indiferença levaria ao “negativo” das neuroses, que são as perversões. O perverso, lecionou o psicoterapeuta, não sente medo, raiva ou culpa; ele tem prazer em assediar, em causar danos.
Para Capelatto, a par da proteção que a Justiça pode proporcionar ao trabalhador, é essencial investir pesadamente na educação das crianças, única esperança de reverter esse quadro de violência crescente. “O cuidado com o outro é a única fonte de vida, o único prazer que se origina do amor. A única chance de felicidade é a sabedoria para estruturar uma identidade capaz de suportar a sobrecarga”, concluiu, com otimismo, o palestrante.
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