Congresso do TRT discute as causas e consequências das doenças ocupacionais e meios de sua prevenção
Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira propõe a criação do Estatuto Nacional de Saúde e Segurança do Trabalhador
Por Patrícia Campos de Sousa
O 5º Painel do Congresso do TRT reuniu, na manhã do dia 1º de julho, a médica sanitarista Maria Maeno, o juiz Homero Batista Mateus da Silva, titular da 88ª Vara do Trabalho de São Paulo, e o desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, presidente da 2ª Turma do TRT da 3ª Região (MG), para tratarem do tema “Doenças ocupacionais: prevenção, causas e consequências”. Dada a impossibilidade de comparecimento do ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Lelio Bentes Corrêa, a coordenação do painel ficou a cargo do desembargador Luiz Antonio Lazarim, vice-presidente administrativo do TRT da 15ª.
Mestre em Saúde Pública pela USP e pesquisadora da Fundacentro, Maria Maeno abriu o painel chamando a atenção para a complexidade do adoecimento, produto de fatores tanto individuais como socioeconômicos. As doenças profissionais, explicou, podem ser decorrentes tanto de condições físicas de trabalho inadequadas, quanto de má alimentação, pressão por produtividade, medo de demissão, competitividade, movimentos repetitivos, assédio e humilhação. Por meio de gravuras e ilustrações, a palestrante procurou mostrar como as doenças ocupacionais acompanharam historicamente a evolução “do trabalho pesado ao trabalho da rapidez on-line”. No caso do Brasil, observou Maeno, “temos um mosaico de situações de trabalho, inclusive o análogo ao do escravo. O que explica o Ministério da Saúde ter arrolado mais de 300 doenças relacionadas ao trabalho”.
A partir de um estudo de caso acerca do setor financeiro de um banco que passara por um processo de reestruturação produtiva, a pesquisadora procurou mostrar como a automação, a terceirização e o estabelecimento de metas crescentes de produção estão sobrecarregando psiquicamente os trabalhadores que permanecem empregados. O trabalho sem pausas durante jornadas prolongadas, muitas vezes continuadas em casa, advertiu Maeno, leva à sobrecarga do sistema músculo-esquelético do trabalhador, causando-lhe todo tipo de transtorno. “Alguns recorrem aos remédios de tarja preta para conter a depressão e a ansiedade. Muitos adoecem precocemente. Esta é a realidade vivida hoje.”
A palestrante destacou o papel do Judiciário na prevenção primária das doenças ocupacionais, garantindo aos trabalhadores adicionais para horas trabalhadas extraordinariamente e para o trabalho noturno, jornadas especiais a algumas categorias mais vulneráveis e ambientes de trabalho saudáveis. “Muitas empresas podem ser ‘verdes’ por fora, mas continuam ‘cinzentas’ por dentro, pois continuam adoecendo seus trabalhadores. Queremos trabalho verde e saúde verde também.”
Maria Maeno chamou a atenção ainda para a atuação dos profissionais da saúde, aos quais cabe evitar ou reduzir as desvantagens sociais das vítimas dessas doenças, seja buscando a detecção precoce dos adoecimentos (prevenção secundária), seja prevenindo, com tratamentos adequados, a incapacidade permanente do trabalhador (prevenção terciária). E concluiu ressaltando a importância de se buscar minimizar o impacto negativo do crescimento econômico com políticas econômicas e sociais eficientes.
Novo rol de doenças
O segundo expositor do painel foi o juiz Homero Batista Mateus da Silva, que é professor doutor de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Universidade de São Paulo (USP) e autor da coleção “Curso de Direito do Trabalho Aplicado”, de dez volumes. Após traçar um breve panorama histórico das doenças ocupacionais, o magistrado voltou-se à análise do problema na sociedade atual, na qual, segundo ele, o consumo ostentativo, como um fim em si mesmo, tem gerado grande insatisfação e ansiedade no trabalhador, constantemente empenhado em provê-lo. “Para consumir mais, ele trabalha mais, em casa inclusive, abrindo mão de seu tempo de lazer. O que explica por que os maiores beneficiários do auxílio doença são os portadores de doenças nas mãos, ombros, coluna e com problemas de audição, nessa ordem, conforme divulgou o próprio INSS.”
O palestrante salientou o avanço representado pelas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que tratam da segurança e da saúde dos trabalhadores e do meio ambiente de trabalho, atualizando o rol de doenças consideradas de cunho ocupacional e estabelecendo uma “cultura de prevenção” nessa matéria. O objetivo da lista é guiar os esforços de registro, prevenção, notificação e, quando for o caso, compensação financeira para doenças causadas pelo trabalho. Nela foram incluídas desde as doenças ocupacionais causadas por agentes químicos, físicos e biológicos, até as doenças respiratórias e de pele, disfunções ósseas e musculares e câncer de origem ocupacional. Pela primeira vez, doenças de ordem mental e comportamental foram incluídas neste rol. O estresse pós-traumático também passa a fazer parte da relação, e há espaço para a inclusão futura de outras desordens semelhantes.
Referindo-se ao futuro, Homero disse que as preocupações da OIT para 2020 deverão centrar-se no impacto demográfico do envelhecimento do País e no trabalho home-office, além das conseqüências, para o homem, do emprego da biotecnologia e da nanotecnologia.
Direito Ambiental do Trabalho
Encerrando o painel, o desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira lecionou sobre o direito das vítimas de doenças profissionais – típicas do exercício de determinada profissão – e das chamadas doenças do trabalho – surgidas em razão das condições em que o trabalho é prestado, como é o caso da LER/DORT –, ambas discriminadas na relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Segundo explicou o magistrado, que é mestre em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e autor dos livros “Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador” e “Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional”, a partir da Lei 8.213, de 1991, as vítimas dessas enfermidades passaram a ter o mesmo direito a indenização admitido para as vítimas de acidente de trabalho decorrente de culpa ou dolo do empregador.
Referindo-se aos requisitos para a responsabilização do empregador pelas doenças ocupacionais – a comprovação do dano, da culpa do empregador e do nexo causal entre eles, com a exceção das chamadas atividades de risco, que dispensam a comprovação de culpa –, o magistrado salientou que “a presença do nexo causal, nesse caso, se mede por razoável probabilidade, não por matemática certeza. Não podemos ficar presos ao rigorismo de uma prova irrefutável. A ciência médica não é matemática”.
Entre outras propostas para buscar reduzir as doenças ocupacionais, Sebastião Geraldo de Oliveira defendeu a criação de um novo marco legal sobre segurança e saúde do trabalhador, de um estatuto nacional que incorpore os avanços consagrados nas convenções da OIT ratificadas pelo Brasil e normatize regras que permanecem inscritas em normas regulamentadoras, “atribuindo responsabilidades, cominando sanções penais, disciplinando, por exemplo, o ônus da prova e a tutela preventiva”.
O palestrante propôs ainda incluir na grade dos cursos de Direito a disciplina de Direito Ambiental do Trabalho. Segundo ele, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, é um comando constitucional e como tal deve ser cumprido. “O direito a que se refere o artigo 7º, inciso XII, da Constituição, é estrutural, um princípio. O princípio do risco mínimo regressivo, ou seja, de que o risco de acidente de trabalho deve decrescer com o avanço da tecnologia.”
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