Juiz Firmino Alves Lima palestra sobre discriminação nas relações de trabalho em evento no TRT
A Escola Judicial do TRT da 15ª Região promoveu nesta quinta-feira, 19 de agosto, a palestra “Discriminação nas Relações de Trabalho”, proferida pelo juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Piracicaba, Firmino Alves Lima. O evento reuniu cerca de 160 pessoas, entre magistrados, servidores e estagiários, no Auditório 1 da Escola, com transmissão por telão também no Auditório 3, ambos no 3º andar do edifício-sede do Tribunal.
O tema, de forte apelo nos dias atuais, prendeu a atenção do público que acompanhou, no período de pouco mais de uma hora, o resumo traçado pelo magistrado, que é mestre e doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo. Firmino, que também foi presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV) e integrante da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da entidade, preferiu dar à palestra o cunho de “pequena conversa”, e mais que passar conhecimento, disse que esperava “fomentar a discussão”. Ele salientou sua obrigação em dividir com a comunidade, especialmente a de magistrados e servidores da Justiça do Trabalho, as suas conclusões sobre a prática da discriminação, que, nos dias atuais, desafia a sociedade e, principalmente, os operadores do Direito, por sua complexidade.
Em sua apresentação, o palestrante estabeleceu conceitos sobre discriminação nas relações de trabalho, com base no uso do Direito Comparado e nos métodos científicos jurídicos. O magistrado ressaltou que a situação no Brasil ainda é dramática, especialmente pela carência de material de estudo, e lembrou que, no início de sua pesquisa, encontrou 990 ementas de Tribunais do Trabalho que abordavam o tema “discriminação”, porém apenas oito tratavam especificamente da discriminação de pessoas ou grupos, enquanto as demais se referiam a “discriminação de verbas”.
Firmino, que também é colaborador da Organização Internacional do Trabalho (OIT, órgão da ONU) nos programas de combate ao trabalho infantil, afirmou, no que tange à legislação, que o País se baseia principalmente na Convenção 111 da OIT, aprovada em 1958 e ratificada pelo País em 1968, a qual define discriminação, em seu artigo 1º, como “qualquer distinção, exclusão ou preferência fundada em raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional, origem social ou outra distinção, exclusão ou preferência especificada pelo Estado-membro interessado, qualquer que seja sua origem jurídica ou prática e que tenha por fim anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento no emprego ou profissão”. Além da Convenção, o Brasil ainda se vale de leis da União Europeia de 2000 e 2002 e da Constituição Federal, lecionou o magistrado, que ressaltou o fato de o assunto continuar sendo “novo” em todo o mundo, que apenas há pouco mais de 60 anos iniciou discussões mais sérias sobre discriminação.
Discriminação e seus significados
A expressão é latina e significa “estabelecer separação com base em alguma diferença”, mas seu uso “pejorativo”, lecionou o palestrante, passou à história mais precisamente no pós-guerra civil dos Estados Unidos, período denominado reconstruction era, quando se registraram as primeiras preocupações e discussões sobre os direitos dos negros e o trabalho.
No Brasil, a primeira manifestação legal nesse sentido se deu em 1937, mas só em 1968, com a Lei 5.473, começou-se a discutir o tratamento diferenciado dado a homens e mulheres relativamente ao salário, lembrou o magistrado. Com a Constituição “Cidadã” de 1988, o País passou a se preocupar mais com a discriminação nas relações de trabalho, e desde então a Justiça vem se acostumando à discussão do tema, ainda muito amplo e de difícil equação.
O foco principal no estudo da discriminação, explicou Firmino, é a violação da igualdade. O palestrante lembrou que “a existência de comportamentos diferenciados resulta na quebra do dever de trato igual de seres humanos”. O importante é entender que “tratamento diferenciado não é discriminação, mas toda discriminação é quebra de isonomia”. O palestrante reafirmou que “o ato discriminatório é o prejuízo à vítima em função de uma diferença” e que a sociedade precisa aprender que “a diversidade é componente essencial, e que reconhecer as diferenças e preservá-las é fundamental”. Na Justiça, essa apuração depende de uma “lente mais sensível”, disse o magistrado, para quem o julgador, “para apreciar uma situação de discriminação, deve se ver no lugar da pessoa discriminada”. Ele lembrou também que, “por sua gravidade, situações de discriminação requerem proteção adequada para que se atinjam seus objetivos”.
Para Firmino, uma das formas de se “combater” a discriminação é oferecer respostas que possam, em tese, compensar o dano causado pela prática discriminatória. Uma dessas respostas é, por exemplo, a reserva de vagas em universidades (cotas) destinadas a negros, índios ou grupos de alunos oriundos da rede pública. O magistrado lembrou que o método proposto de solução respeita o “juízo de proporcionalidade”, que leva em conta “a adequação, a necessidade ou juízo de indispensabilidade e a proporcionalidade em sentido estrito, que guarda relação com o fim objetivado. A pergunta que deve ser feita, nesses casos, é qual o maior valor a ser protegido”. Para o palestrante, a questão é tormentosa e complexa. Os efeitos da discriminação atuam, em regra, em detrimento dos direitos trabalhistas e dos direitos fundamentais de caráter geral, com prejuízos de vantagens e benefícios e atingindo, principalmente, a liberdade dos indivíduos.
Motivações
Outra dificuldade apontada pelo palestrante para o estudo das práticas discriminatórias é relativa à sua motivação. Segundo Firmino, esse estudo permite definir, principalmente, “se determinada prática é diferenciadora ou discriminatória”.
Os motivos, normalmente, podem ser classificados em naturais (os que definem o indivíduo desde o nascimento, como sexo, cor etc.), opcionais (ponto delicado no estudo, pois atingem diretamente a liberdade individual de escolha, como a política, a sindical, ou a religiosa) e mistos (os que se inter-relacionam, como, por exemplo, os baixos salários de “mulheres e negras”). Precisamente nos casos de motivos mistos, o palestrante lembrou que existem os legítimos e os ilegítimos, que muitas vezes “atingem proporções dramáticas”, mas defendeu que eles devem ser sempre “julgados em conjunto”.
Classificação
O estudo sobre discriminação refina conceitos à medida que avança em discussões na sociedade e, principalmente, no mundo jurídico. A classificação clássica de partes numa prática discriminatória envolve agente, vítima e o elemento de comparação. O palestrante lembrou que, nos dias atuais, “não se pode deixar de considerar as ‘preferências’ nas terceirização de trabalhadores, o que abre um leque muito grande de agentes”. E salientou que “novas formas de trabalho trazem novos tipos de discriminação”.
Particularmente no que se refere aos tipos de discriminação no trabalho, estudiosos dividem a prática discriminatória em vertical (atuação do empregador com poder de direção sobre o empregado, que o impede de ascender por algum motivo); vertical invertida (mais raro, mas ainda assim registrado, em que há atuação prejudicial do empregado sobre o empregador); e horizontal (diferenças entre empregados, o que se registra, mais claramente, por exemplo, nos empregos ocupados por negros e mulheres, com salários diferenciados).
O palestrante lembrou, porém, que cresce nos Estados Unidos o conceito de business necessity, que é um princípio que possibilita alguns tratamentos diferenciados. Apesar de salientar que o campo é tão perigoso como “andar sobre giletes”, Firmino ressaltou que, por esse princípio, podem-se garantir, em determinados casos, mais liberdade de contratação e proteção ao empregado.
O magistrado ressaltou que práticas discriminatórias, especialmente as cometidas nas relações de trabalho, podem acontecer na formação do contrato (rejeição, pretensão, preferência), durante o desenvolvimento laboral (assédios) e até mesmo após o desligamento do empregado (ao “queimar” o funcionário no mercado de trabalho, disseminando alguma informação prejudicial a seu respeito). Foi salientado, também, que todas as práticas discriminatórias (assédios moral e sexual e as retaliatórias) são muito complexas e de difícil solução. Por isso, ensejam medidas inovadoras, como já se entende no direito norte-americano, de tornar imprescritível o direito de se ajuizarem ações que tenham a discriminação como foco. Outra forma de combate, mais especificamente da legislação da União Europeia, explicou Firmino, é exigir que “cada tratamento diferenciado deva ser justificado”, bem como a de se instituir a inversão do ônus da prova. Neste aspecto, leva-se em conta que é muito difícil, em alguns casos, se provar a discriminação, uma vez que “se podem desmanchar os referidos indícios e provas dos fatos controversos que sustentam a justificativa”. Para tanto, aceita-se até que “não há necessidade da prova cabal”, concluiu o palestrante.
Há que se considerar, também, que a própria dificuldade em se provar a discriminação requer dos operadores do Direito “atenuação no rigor das provas”. Nos EUA, lecionou o juiz, são aceitas até mesmo avaliações sociológicas.
O palestrante encerrou sua fala com um trecho do texto “Eu tenho um sonho”, proferido na década de 1960 pelo líder negro norte-americano Martin Luther King e que virou símbolo de combate ao racismo e outras práticas discriminatórias em todo o mundo.
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