Memória da Justiça do Trabalho: artigo da desembargadora Tereza Asta é publicado na Revista do TST
Por Ademar Lopes Junior
O artigo “A preservação da memória da Justiça do Trabalho no Brasil: Da menoridade à emancipação”, de autoria da desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani, presidente da 1ª Turma do TRT da 15ª, publicado na Revista do Tribunal Superior do Trabalho, volume 76, nº 1 (janeiro/março 2010), retrata em 15 páginas um acervo histórico da Justiça do Trabalho no Brasil e o resgate da sua importância na construção da cidadania e da formação da própria República brasileira.
Das origens escravocratas de um país agrário, de mentalidade colonial, à emancipação e libertação, a história da Justiça do Trabalho brasileira é aos poucos reconstruída no texto da desembargadora Tereza Asta, que também é membro da Comissão de Preservação da Memória da Justiça do Trabalho do TRT da 15ª Região, diretora regional do Fórum Amplo Nacional Permanente em Defesa da Preservação Documental da Justiça do Trabalho e doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP).
A autora combate os “estrangeirismos” que comprometem e ameaçam a sociedade brasileira atual. Tereza preocupa-se com possíveis retrocessos e reforça que “a atuação da Justiça do Trabalho se reveste de importância significativa, por se tratar de um sistema jurídico que desde sua gênese foi edificado com o escopo de garantir a inclusão política e econômica pelo trabalho”.
A preservação de processos trabalhistas enseja no presente uma vasta contribuição para as pesquisas acadêmicas. A magistrada reafirma a importância da preservação de material do passado: “Não se trata, portanto, de guardar restos de um passado obsoleto senil que ficou para trás, mas de preservar um material rico e fecundo, que vai vivificar nossas experiências do presente e contribuir para construção de novos horizontes no futuro, que possam levar a outros patamares de desenvolvimento, sustentado por institutos jurídicos próprios, desapegados de estrangeirismos e comprometidos com a valorização de nossa cultura, que possam dar significado a nossa história, superando de vez nosso complexo de inferioridade de país periférico”, afirmou a autora.
Mais que sua dimensão jurídica, a Justiça do Trabalho representa, na conclusão da autora, uma dimensão ética, social e política, “demonstrando que os conceitos de trabalho e cidadania estão imbricados e atuam de forma interdependente, notadamente porque numa sociedade de massa a democracia só se realiza se passar pelo mundo do trabalho, que se torna a principal via de inclusão”.
Leia a Íntegra do artigo:
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Rev. TST, Brasília, vol. 76, nº 1, jan/mar 2010.
A PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO NO
BRASIL:
DA MENORIDADE À EMANCIPAÇÃO
Tereza Aparecida Asta Gemignani*
A vida não é um particípio, mas um gerúndio.
Não é um factum, mas um faciendum.
Ortega y Gasset
“Nunca a alheia vontade, inda que grata,
Cumpras por própria. Manda no que fazes.
Nem de ti mesmo servo.
Ninguém te dá o que és. Nada te
mude
Teu íntimo destino involuntário.
Cumpre alto. Sê teu filho.”
Fernando Pessoa
Resumo- O acervo da Justiça do Trabalho detém valor inestimável para a
preservação da memória social da nação, pois registra o rito de passagem de
uma mentalidade colonial e autoritária para horizontes de emancipação e
libertação, construindo espaços de imbricamento da justiça comutativa com a
justiça distributiva. A documentação do caminho percorrido nesta senda, até a
constitucionalização e exigência de eficácia dos direitos fundamentais nas
relações de trabalho, contribui para a formação de uma nova identidade
nacional, marcando a consolidação da democracia brasileira pela edificação de
* Desembargadora do TRT de Campinas (Presidente da 1ª Turma); Membro da
Comissão de Preservação da Memória da Justiça do Trabalho do TRT da 15ª Região;
Diretora Regional do Fórum Amplo Nacional Permanente em Defesa da Preservação
Documental da Justiça do Trabalho; Doutora em Direito do Trabalho; Pósgraduação
pela Universidade de São Paulo.
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Rev. TST, Brasília, vol. 76, nº 1, jan/mar 2010.
um marco normativo fundado no trabalho, como um dos pilares de sustentação
da nossa república.
1 - INTRODUÇÃO
Na primeira metade do século XX vivemos um período de
efervescência, em que a jovem república brasileira tentava cortar os laços
umbilicais com Portugal. Não por acaso tivemos o Movimento de 1922,
marcado por uma explosão da arte e literatura nacionais. Porém ainda
tínhamos imagem distorcida e depreciativa de nós mesmos, como Mário de
Andrade explicitou em Macunaíma, em que o protótipo do brasileiro era
definido como o de “um herói sem nenhum caráter”.
Neste mesmo período também ocorreu a promulgação das primeiras leis
trabalhistas e, a seguir, de uma consolidação que visou sistematizá-las, cujo
norte apontava em sentido diverso, ou seja, na concepção do brasileiro como o
herói anônimo, trabalhador de caráter forte o suficiente para construir um país,
como já constatara o escritor Euclides da Cunha 1, ao reportar no clássico “Os
sertões” a realidade que encontrava em suas andanças.
Para uma sociedade que até então atribuía pouco valor ao trabalho e a
quem o executava, nosso Direito desencadeou uma revolução que, embora
silenciosa, se revelou contundente, provocando efeitos importantes. Ao
estabelecer o trabalho como valor de vida, nasceu imbuído de um sentido ético
que foi impregnando todo o ordenamento jurídico. Falo da ética no sentido que
lhe atribuiu o filósofo alemão Kant, como imperativo categórico de um agir
pautado pela alteridade, pelo respeito ao outro. O fundamento do direito do
trabalho é precisamente este: romper a mentalidade de escravidão/servidão e
assegurar que seja respeitada a pessoa do outro, mesmo que esteja atrelado a
uma relação de subordinação, mesmo que este outro dependa que lhe dêem
trabalho para poder sobreviver. Assim, diversamente do pensamento até então
dominante, não é fator de exclusão, mas de inclusão na esfera da cidadania,
porque é através do trabalho que o indivíduo contribui para a edificação do
regime democrático.
2 – UMA ORIGEM CONTURBADA
1 Cunha, Euclides da. Os sertões. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002.
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Enquanto a revolução industrial explodia na Europa, as relações de
trabalho no Brasil ainda eram regidas pelo regime escravocrata. Ocupávamos
posição estratégica para que Portugal pudesse satisfazer interesses comerciais
estreitos que mantinha com a Inglaterra e que não podiam ser dispensados pela
frágil economia portuguesa. Somente neste sentido é possível entender o
decreto baixado pela Rainha de Portugal D. Maria I, proibindo aqui a
instalação das primeiras fábricas e tecelagens.
Além do ouro e pedras preciosas, o mercado brasileiro fornecia para
Portugal produtos alimentícios e matérias-primas de alto valor comercial, de
tal modo que das exportações portuguesas para as nações estrangeiras, a maior
parte era constituída por produtos brasileiros, que rendiam a Portugal uma
elevada soma em dinheiro, crédito, ou contrapartida em produtos importados.
Tudo para preservar o poder real, que dependia da centralização política
da Corte e manutenção de uma burocracia improdutiva, máquina sustentada
prioritariamente pela riqueza extraída das colônias.
Na metrópole não havia apreço pelo trabalho, como demonstrou Rubem
Barboza Filho2, ao ressaltar que a facilidade com que os bens extraídos das
colônias “enriqueciam a nação levava os portugueses a abandonarem a
agricultura e a evitarem a indústria, dilapidando imprevidentemente a riqueza
trazida do ultramar. O resultado foi a generalização do horror ao trabalho e
mesmo o homem simples do povo passava a aspirar a condição de criado de
libré”.
A vinda da família Real ao Brasil em 1808, com a elevação da Colônia a
Vice-Reino, intensificou a atividade econômica e logo evidenciou que não
adiantaria dispor de matéria prima, se a população não tivesse poder
aquisitivo. A abolição da escravatura e a instituição do trabalho livre dão a
partida para a formação de um mercado consumidor interno no Brasil.
Entretanto, o ranço autoritário continuou mesmo após a abolição da
escravidão, impregnando também as relações de trabalho livre.
Com efeito, não podemos desconsiderar que o longo tempo de duração
da escravidão no Brasil levou à formação de uma mentalidade que conferia
àquele que trabalhava a conotação de capitis deminutio. Isto porque, como
2 BARBOZA FILHO, Rubem. Tradição e artifício: Iberismo e barroco na formação
americana. Rio de Janeiro: Editora IUPERJ, 2000, pp.50 e seguintes.
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explica Bernardo Ricupero 3, o pensamento brasileiro estava calcado numa
“situação de não-autonomia. Na verdade, assim como tudo o mais na colônia,
o pensamento político brasileiro estava subordinado ao pensamento
metropolitano”.
Além disso, a lentidão na edificação de nosso país como nação decorreu
também da maneira como se deu a abolição, decretada com o objetivo de
constituir um mercado consumidor nacional por razões econômicas, mas sem
instituir qualquer programa ou reforma social que pudesse amparar o exescravo
e prepará-lo para viver como cidadão. Joaquim Nabuco, cujo
centenário de morte estamos comemorando, teve visão de estadista ao
defender tais idéias na obra clássica “O abolicionismo”. Muitas vezes chamou
atenção para esse grave problema, tentando em vão persuadir a Coroa a adotar
providências neste sentido, mas não foi ouvido.
O recrudescimento dos conflitos trabalhistas nas duas primeiras décadas
do século XX trouxe para o Parlamento a questão da regulamentação. Apesar
de não ter logrado êxito o projeto mais amplo, dos que defendiam a reunião de
todas as propostas num “Código de Trabalho”, explica Ângela de Castro
Gomes 4que “por razões históricas, os direitos sociais, especialmente os do
trabalho, assumiram posição estratégica para a vivência da cidadania”, porque
“se durante o período imperial o processo de construção de um Estado
nacional estava em curso, o processo de construção de uma nação brasileira
ficava comprometido pela existência da escravidão”. Tratava-se, portanto, de
“afirmar a dignidade do trabalhador, de onde decorreria a demanda por
direitos, sem que se pudesse recorrer a um passado de tradições - ao contrário,
era necessário superar o passado escravista para que um futuro pudesse se
desenhar”. Aos poucos, de forma assertiva e determinada, esta Justiça
diferente, especializada, vai alçar estatura constitucional e institucionalizar o
trabalho como valor balizador do sistema republicano.
E isso tem enorme repercussão social e histórica!
A promulgação de leis trabalhistas posteriormente aglutinadas numa
Consolidação (CLT), com a instituição de órgãos que deram origem a Justiça
do Trabalho, deu a partida para a criação de uma nova mentalidade, pautada
3 RICUPERO, Bernardo. Sete lições sobre as interpretações do Brasil. São Paulo:
Editora Alameda, 2007, pp.33 e seguintes.
4 CASTRO GOMES, Angela. Cidadania e direitos do trabalho: descobrindo o Brasil.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.
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pelo respeito à dignidade daquele que trabalha, criando marcos institucionais
para preservar o trabalho como valor e impedir que as condições de
arbitrariedade e submissão, que marcaram as relações escravocratas,
permanecessem em relação ao trabalho livre.
Além do inquestionável valor jurídico, a grande contribuição do Direito
do Trabalho consistiu em apontar as diretrizes, que precisavam ser seguidas,
para que houvesse a superação da mentalidade colonial autoritária e
excludente, com a obtenção de marcos civilizatórios em que o trabalho passa a
ser visto como fator de emancipação e inclusão, assim garantindo vida decente
aos trabalhadores por impedir que uma pessoa, só porque dependia de seu
trabalho para sobreviver, fosse relegada à condição de servo, numa situação de
sujeição a outrem.
A novidade institucional que o Direito do Trabalho trouxe para o
ordenamento nacional consistiu em imbricar critérios de justiça comutativa
com os da justiça distributiva, que passaram a atuar como vasos comunicantes,
criando espaços de confluência pelos quais faz transitar novos parâmetros de
normatividade. No Brasil esta tendência passou a ser seguida por outros ramos
do direito, como evidencia o Código Civil de 2002, ao valorizar conceitos
como a boa-fé objetiva, a função social da propriedade e combater a
onerosidade excessiva e o enriquecimento sem causa, fundado em conceitos
que de há muito eram sustentados pelo Direito do Trabalho
Os Tribunais Trabalhistas atuaram como importante fonte de Direito ao
elaborar uma intricada engenharia jurídica pautada pela idéia da inclusão,
como ocorreu em relação aos trabalhadores rurais que, a princípio alijados da
CLT, aos poucos passaram a ter benefícios concedidos pela jurisprudência,
num movimento crescente que culminou com a reforma constitucional,
equalizando seus direitos aos do trabalhador urbano.
A memória da Justiça do Trabalho está marcada, portanto, por essa
perspectiva de libertação, por esse compromisso com a emancipação do
homem que trabalha, caminhos cuja preservação se revela imperiosa no
presente, para que possamos alcançar um desenvolvimento sustentado no
futuro, conceito definido pelo ganhador do prêmio Nobel Amartya Sen5 como
um processo de expansão das liberdades substantivas dos cidadãos. Para a
nossa Justiça, longe de aprisionar o homem no reino da necessidade como se
5 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.
São Paulo- 2000
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apregoava, o trabalho se constitui numa porta de acesso a esta região de
liberdade, pois é através dele que o cidadão consegue prover sua subsistência,
sem perder a dignidade.
3 – A IMPORTÂNCIA DO ACERVO
Por isso, a guarda dos autos findos tem despertado grande interesse na
Justiça do Trabalho. Em Campinas, estudantes e historiadores nos procuram
para ter acesso a dados e informações de uma das regiões mais importantes e
prósperas do país, não só pelo passado de sua economia cafeeira e berço das
tradições republicanas, mas também como local que abrange 599 municípios e
mais de 20 milhões de pessoas, onde se desenvolve um amplo leque de
atividades rurais e urbanas, desde a prestação de diversos e variados serviços,
fabricação e montagem de automóveis e aviões, fibras óticas, laboratórios a
laser, até a produção de frutas e flores, além de pólo produtor de etanol e
açúcar em suas grandes usinas, o que tem elevado a expressão econômica da
região não só no cenário nacional, mas também internacional, como
importante centro exportador de commodities.
Sensibilizado com o grande valor histórico deste acervo, o TRT de
Campinas tem se preocupado com a gestão de documentos desde a produção,
classificação, controle de tramitação, até a avaliação e recolhimento para a
guarda definitiva.
Para tanto, conta com uma equipe de resgate e triagem composta por
servidores do quadro, historiadores e estagiários dos cursos de Direito e de
História, que muito tem contribuído para o bom andamento dos trabalhos no
que se refere à análise da massa documental, seleção dos processos históricos,
higienização e acondicionamento, criação de um banco de dados e catálogo,
cuja consulta é disponibilizada ao público em geral.
Compõem o acervo de guarda permanente os 10 (dez) primeiros
processos de cada Vara do Trabalho, as ações autuadas antes de 1970, os
dissídios coletivos, 3% a 5% dos autos findos, processos e documentos
judiciais e administrativos classificados como históricos.
Os critérios para essa caracterização exigem que haja referência à
memória histórica da localidade e importância para a pesquisa, originalidade
do fato, mudança significativa da legislação que disciplina a matéria, decisões
de impacto social, econômico, político e cultural, notadamente os dissídios
coletivos e ações que envolvem o questionamento de direitos difusos.
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Há processos que contém documentos históricos relevantes como selos
para pagamento de emolumentos no valor da época (100 réis), “Carteira
Official” expedida pelo então “Departamento Estadoal do Trabalho”, pedido
de aprendizagem e acordo de aprendizagem datados de 1962/1964, entre
outros.
Despertam notório interesse processos que registram a evolução social e
política de nosso país. Entre eles, podemos destacar o autuado em 1940, em
que José Elisário Ribeiro ajuíza ação contra a Cia. Paulista de Estradas de
Ferro, pleiteando o pagamento de uma indenização referente aos 16 meses em
que ficou detido na Delegacia de Ordem Política e Social, sob a acusação de
“professar idéias extremistas”. Alegava ter sido readmitido pela empresa em
decorrência de absolvição pelo “Tribunal de Segurança do Paiz”, mas não
recebeu os salários deste período. A ação foi julgada improcedente, sob o
fundamento de que o reclamante poderia pedir indenização ao governo ou
“àqueles enfim que o impossibilitaram de trabalhar”, mas não à Cia. Paulista
de Estradas de Ferro.
Também mantemos em arquivo processos em que há votos proferidos
por doutrinadores relevantes, como a ação movida por Expedito Moreira
contra a Refinadora Paulista S/A- Usina Tamoio, requerendo o pagamento do
adicional noturno em virtude da prestação laboral em turnos de revezamento,
que tramitou até o recurso de revista julgado em 1958 pelo então Ministro
Délio Maranhão.
A fim de agilizar esta catalogação, foi instituído neste Regional em 2009
um selo de “Guarda Permanente” que doravante passará a distinguir os
processos e documentos do Tribunal considerados de interesse histórico.
A aposição do selo visa facilitar o trabalho de triagem dos feitos e
documentos por ocasião da avaliação para destinação final, sendo que entre os
primeiros que o receberam está o dissídio que envolveu os interesses coletivos
dos trabalhadores e da Embraer, em tumultuado episódio de dispensa coletiva,
matéria que despertou interesse nacional.
Necessário ressaltar que a manutenção do acervo detém importância
significativa também para preservar o direito constitucional de acesso ao
judiciário no que se refere à produção de prova. Com efeito, os processos
guardam documentos que registram os períodos de recolhimento do FGTS,
valor dos salários de contribuição e, até mesmo, prova do tempo de atividade
de advogados e peritos que atuaram no feito, além do tempo de serviço dos
empregados, inclusive em condições peculiares como é o caso da
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insalubridade, o que tem notória importância para fins de obtenção da
aposentadoria.
4 – PRESERVAR A MEMÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. PARA
QUÊ?
A sistematização das leis trabalhistas numa consolidação (CLT), com a
instituição de órgãos inicialmente administrativos e posteriormente judiciais,
que formataram a Justiça do trabalho do século XX, veio criar marcos
institucionais que erigiram o trabalho como valor, impedindo que
permanecessem as condições de precariedade, submissão e arbitrariedade, que
marcaram as relações escravocratas.
Neste sentido as elucidativas reflexões de Afrânio Garcia e Moacir
Palmeira6 ao explicar que a “instauração do direito do trabalho modificou
radicalmente as formas de construção da dominação pessoalizada até então
prevalente, já que ela introduziu um sistema de equivalências monetárias para
tudo o que antes era objeto de trocas mediante contradons. O novo direito
tornava perigosas e mesmo ameaçadoras as estratégias tradicionais dos
grandes plantadores, que tinham por finalidade endividar material e
moralmente seus moradores e colonos. De acordo com o novo sistema de
normas jurídicas, todo o trabalho efetuado para o patrão deve ser retribuído
segundo o valor do salário mínimo, e todas as vantagens anexas, férias,
repouso remunerado, décimo terceiro, são calculáveis pelos mesmos
parâmetros.” Conclui que “o respeito à lei trabalhista funcionou como um freio
à pauperização provocada pela supressão das vantagens que antes eram
oferecidas a título gratuito.”
Assim, é a nossa Justiça que vai inserir o trabalho como um dos pilares
de sustentação do sistema republicano, situação que consegue manter mesmo
no auge do fordismo e nos anos dourados da economia, que ocorreram em
meados do século XX, de modo que não se pode deixar de reconhecer a grande
importância política, social e histórica desta atuação, registrada nos
documentos e processos que hoje compõe seu acervo. Por isso, mantê-lo em
guarda permanente é preservar a memória dos acontecimentos que pautaram o
6 GARCIA, Afrânio; PALMEIRA, Moacir. “Transformação agrária”. In: SACHS,
Ignacy; WILHEIM, Jorge; PINHEIRO, Paulo Sérgio (orgs.). Brasil: um século de
transformações. São Paulo: Cia. das Letras, 2001, pp.63 e seguintes.
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início de construção da identidade do país e a consolidação da democracia
brasileira.
5 – A QUESTÃO TRABALHISTA DA ATUALIDADE
Os grandes avanços tecnológicos que permearam o final do século XX
num primeiro momento levaram à ilusão de que haveria diminuição das horas
de trabalho e aumento dos períodos de lazer.
Ledo engano.
No início do século XXI os tempos de trabalho e à disposição vem
aumentando. O uso de celulares e notebooks permite que se trabalhe sempre,
em qualquer lugar, reduzindo cada vez mais os espaços da vida privada.
Tudo ficou misturado e muito mais controlado.
O trabalhador voltou a ser parte de um macro- sistema, passível de ser
“acessado” a qualquer hora, independentemente do período estipulado no
contrato de trabalho. Além disso, diferentemente do apregoado pelo sociólogo
Domenico de Masi7, volta a ser considerado apenas peça de uma engrenagem,
e de maneira muito mais perversa e abrangente. Com efeito, enquanto nos
primórdios do século passado esta estrutura estava fixada num determinado
espaço físico, e o trabalhador dela se libertava quando encerrava o expediente
e as portas se fechavam, hoje ela tem existência virtual e, como tal, não pára
nunca, não fecha as portas, embora mantenha o velho esquema de limitar a
atuação do empregado a espaços compartimentalizados, que o impedem de ter
a noção do conjunto, para que não haja a menor possibilidade de ocorrer perda
do controle detido pelo empregador. Charlie Chaplin8 certamente ficaria
surpreso ao descobrir que, apesar dos grandes avanços tecnológicos, os
apertadores de parafuso e a famosa bancada estão de volta, com a agravante de
que agora, não só os movimentos, mas também a própria linha de produção
passa a acompanhá-lo para todo lugar, virtualmente, reduzindo seu espaço de
liberdade.
Depois do taylorismo, do toyotismo, do just in time, o esquema que
pautou o velho fordismo parece renascer.
7 DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pósindustrial.
Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1999.
8 Charlie Chaplin, ator americano que ficou mundialmente famoso ao dirigir e atuar no
filme Tempos Modernos, que ironizava a forma de produção fordista.
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Travestido e repaginado, é verdade.
Mas com o mesmo espírito usurpador da liberdade.
Só que muito mais intenso.
Usa-se tecnologia de ponta. Mas as condições de vida no trabalho
pioraram.
Retrocedemos.
E, o que é pior, de forma subreptícia, o que dificulta a compreensão do
processo e impede a reação, pois ao invés de empregados, o sistema agora trata
de colaboradores.
Ora, colaborador é parceiro. Parceiro não se insurge contra outro
parceiro, porque a estratégia da palavra os coloca lado a lado, na mesma
trincheira, supostamente com o mesmo objetivo.
Como acertadamente lamenta Olgária Matos9 o “mundo construído pela
ciência e pela multiplicação de instrumentos técnicos que medeiam e,
frequentemente, prescindem do contato direto entre os homens, culmina em
sua desertificação técnica desresponsabilizadora de ações”, em que
indevidamente a “responsabilidade dos atos se transfere aos objetos técnicos”
É o enfrentamento desta nova realidade, de significativa importância
para o amadurecimento de nossa vida política e social, que marca a atuação da
Justiça do Trabalho, cuja memória mais que nunca deve ser preservada pois,
quando são quebradas as fronteiras entre a vida laboral e a vida privada,
garantir os direitos fundamentais é criar muros de contenção e resistência para
impedir a coisificação do ser humano, fazendo valer a efetividade da
Constituição, mesmo quando há inoperância do Parlamento na promulgação
das normas legais necessárias para tanto.
6 – OS NOVOS DESAFIOS
No início deste novo século vivemos novos desafios que, entretanto, nos
remetem ao mesmo dilema: como manter o valor da centralidade do trabalho
num momento em que a simbiose entre o economicismo e o avanço
tecnológico insiste em transformar a sociedade num corpo invertebrado,
incapaz de se manter em pé, que corre à deriva e ao sabor dos humores dos
burocratas de plantão?
9 MATOS, Olgária. Discretas esperanças: reflexões filosóficas sobre o mundo
contemporâneo. São Paulo: Nova Alexandria, 2006, p.57.
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Entre as características mais expressivas da pós-modernidade podemos
destacar: a resistência a um modelo de poder estatal centralizado, a fragilidade
das instituições e o sistemático descumprimento da lei por se desacreditar em
seus efeitos, o que tem acirrado os conflitos e disputas de poder nas relações
privadas. Com a precisão de um corte cirúrgico, Amaury de Souza e Bolívar
Lamounier10 fecham o diagnóstico no sentido de que “a anomia que fustiga
grande parte da sociedade brasileira é agravada e reproduzida pela anemia das
instituições nos três poderes da República”, o que vem evidenciar uma
perspectiva reducionista também da jurisdição, justamente quando dela mais
se necessita porque as relações de dominação e arbítrio se acham cada vez
mais disseminadas na sociedade civil, em decorrência da perspectiva
economicista que passou a monitorar as relações humanas na
contemporaneidade, fazendo circular o poder privado por canais mais sutis,
mas não menos perversos e contundentes, como explicitou Michel Foucault11
ao analisar a microfísica do poder na atualidade, o que poderá provocar
preocupante retorno à barbárie nas relações de trabalho.
Neste contexto, se por um lado não se pode negar o valor do
empreendedorismo, por outro lado é preciso reconhecer que o exercício da
livre iniciativa só se justifica quando também são garantidos os direitos
fundamentais daquele que, com seu trabalho, ajuda a construir a
sustentabilidade econômica de qualquer empreendimento.
Trata-se de um equilíbrio que deve ser preservado porque é preciso
evitar a intensificação das relações de dominação e arbítrio entre as partes de
um contrato de trabalho, cuja conseqüência será o império do mais forte no
lugar da supremacia da lei.
A jurisprudência trabalhista tem monitorado de forma significativa a
importante evolução de uma mentalidade exclusivamente contratualista,
pautada por balizas de justiça comutativa, para uma nova perspectiva, que
rejeita o viés assistencialista mas exige que numa relação de trabalho sejam
observados também os parâmetros de justiça distributiva, a fim de reduzir os
níveis de assimetria e promover uma melhor distribuição de renda, garantindo
a inclusão política e econômica pelo trabalho, o que não é pouca coisa para um
10 SOUZA, Amaury; LAMOUNIER, Bolívar. A classe média brasileira: ambições,
valores e projetos de sociedade. Rio de Janeiro: Campus, 2009.
11 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 26.ed. São Paulo: Graal, 2008.
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país que viu nascer sua atividade econômica sob o signo da escravatura, que
manteve por dezenas de anos.
7 – A MATURIDADE INSTITUCIONAL
A preservação da memória da Justiça do Trabalho tem o escopo de
manter os registros da evolução que marca a superação dos vícios de nossa
formação autoritária e patrimonialista, gerando efeitos que não ficaram
restritos à seara jurídica e assumiram também dimensão política e
institucional, ao demonstrar que os conceitos de trabalho, cidadania e
democracia estão imbricados e atuam de forma interdependente.
Este movimento abre uma nova perspectiva e se reveste de importância
significativa por marcar o rito de passagem de um país que sai da submissão
colonial e passa a conquistar marcos de emancipação, em que a inclusão da
cidadania se faz pelo trabalho. Evidencia que no futuro a edificação de novos
horizontes exige que seja acentuada a simbiose dos critérios de justiça
comutativa e justiça distributiva, a fim de garantir a implementação
substantiva dos marcos constitucionais, evitando que sejam subvertidos pelos
interesses técnicos e economicistas de providenciais “razões de estado”.
Assim, contribui para a efetividade do Estado Constitucional de Direito
e consolidação dos valores republicanos, que moldam nossa identidade.
Por tais razões, preservar a memória de atuação da Justiça do Trabalho
implica em registrar a superação da barbárie e a obtenção de marcos
civilizatórios, assim entendidos os que garantem vida decente aos
trabalhadores, impedindo que uma pessoa, só porque depende de seu trabalho
para sobreviver, seja por isso relegada a situação de sujeição ao arbítrio de
outrem.
A memória da Justiça do trabalho está marcada, portanto, por essa
perspectiva de libertação, por esse compromisso com a emancipação do
homem que trabalha, caminhos importantes no passado, cuja preservação se
revela imperiosa no presente, para que possamos alcançar um
desenvolvimento sustentado no futuro.E assim é porque para a nossa Justiça,
longe de aprisionar o homem no reino da necessidade, como se apregoava, o
trabalho se constitui numa porta de acesso a esta região de liberdade, pois é
através dele que o cidadão consegue prover sua subsistência, sem perder a
dignidade.
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Esta mesma bússola continua a nos guiar até hoje, e é por isso que
precisamos preservar a memória de seu mecanismo, para não perder os
espaços já conquistados e o eixo axiológico que lhe dá sustentação,
notadamente quanto à conformação do trabalho como valor fundante da nossa
república.
Conforme demonstrou Gilberto Freyre12, notável sociólogo cuja
importância voltou a ser reconhecida nas décadas finais do século XX, a
história não é feita só de heróis, mas tecida diuturnamente pelos hábitos que
marcam a vida do cidadão comum, que no Brasil se solidificou sob o signo da
diversidade cultural. Neste contexto, a força e a potencialidade de nosso marco
normativo residem na capacidade de costurar o equilíbrio, nas situações em
que há antagonismos dos múltiplos interesses em conflito.
Ora, o que faz o Direito do Trabalho senão construir incessantemente o
difícil equilíbrio entre o capital e o trabalho? Entre o valor do trabalho e da
livre iniciativa?
Como bem pondera Luiz Werneck Vianna13 na “sociedade brasileira,
um caso de capitalismo retardatário e de democracia política incipiente, a
presença expansiva do direito e de suas instituições, mais do que indicativa de
um ambiente social marcado pela desregulação e pela anomia, é a expressão
do avanço da agenda igualitária em um contexto que, tradicionalmente, não
conheceu as instituições da liberdade... Décadas de autoritarismo
desorganizaram a vida social, desestimularam a participação, valorizando o
individualismo selvagem, refratário à cidadania e a idéia de bem-comum” de
modo que a “intervenção normativa e a constituição de uma esfera pública
vinculada direta ou indiretamente ao Judiciário... pode se constituir,
dependendo dos operadores sociais, em uma pedagogia para o exercício das
virtudes cívicas.”
Ao transformar a questão social numa questão jurídica 14, o Direito do
Trabalho esvazia o antigo conceito de que o trabalho era apenas uma
mercadoria, passível de ser comprada e vendida como outra qualquer e vai
12 FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. 22.ed. Rio de Janeiro, José Olympio,
1983.
13 WERNECK VIANNA, Luiz. A judicialização da política e das relações sociais no
Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, pp.150 e seguintes.
14 Conhecida expressão cunhada pelo Ministro Viveiros de Castro em palestra
proferida na segunda década do século XX.
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muito mais além, juridicizando esta nova referencia e inserindo o trabalho
como valor balizador de uma nova normatividade.
A Constituição Federal de 1988 dá mais um passo importante neste
sentido, quando confere ao novo conceito status de direito fundamental,
transformando a questão social, agora jurídica, numa questão pautada pelo
Estado Constitucional de Direito.
No que se refere às relações de trabalho, o artigo 7º de nossa Carta
Política inova ao estabelecer que este estado constitucional de direito implica o
reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais entre os
particulares, instituindo um norte jurídico que vai irradiar seus efeitos para
todo o ordenamento.
Conforme explica Virgílio Afonso da Silva 15, os direitos fundamentais
nasceram para garantir os interesses do cidadão em face do Estado, ante a
disparidade de poder existente entre eles. Entretanto, esta visão provou-se
rapidamente insuficiente, pois “nem sempre é o Estado que significa a maior
ameaça aos particulares, mas sim outros particulares, especialmente aqueles
dotados de algum poder social ou econômico”
Tal ponderação se revela particularmente importante quando se trata de
relações de trabalho, já que são marcadas por notória assimetria e
preponderância do poder de uma parte sobre a outra. Deste modo, a
manutenção da viabilidade operacional, necessária para garantir espaços de
competitividade ao empreendimento econômico, não pode ser considerada
absoluta, nem pode desconsiderar que no outro lado há uma pessoa detentora
de um direito fundamental ao trabalho, que é sua fonte de subsistência.
Assim, o exercício da livre iniciativa pelo empreendedor só se justifica
juridicamente se também for garantido o direito daquele que com seu trabalho
ajuda a conferir sustentabilidade a esta atividade, a fim de evitar a
intensificação das relações de dominação entre as partes de um contrato de
trabalho, promovendo uma melhor distribuição da renda produzida.
A preservação da memória da Justiça do trabalho visa registrar essa
evolução, que consolida o regime democrático e os valores republicanos como
formadores da identidade da nação.
15 AFONSO DA SILVA, Virgílio. A constitucionalização dos direitos: os direitos
fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2008, p.18.
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8 – O PADRÃO NORMATIVO TRABALHISTA NA
CONTEMPORANEIDADE
A escalada de coisificação do ser humano, que ressurge de forma
violenta neste início do século XXI, torna o Direito cada vez mais necessário
como instrumento de resistência contra a precarização. Apesar de todo avanço
tecnológico, as relações humanas e sociais estão dando cada vez mais sinais
inequívocos de volta à barbárie, o que avulta a importância do Direito para
garantir os marcos civilizatórios até aqui conquistados.
Ora, o padrão normativo tem o escopo de garantir a vida em sociedade
atuando de forma propositiva, e até mesmo propedêutica como ressalta
Norberto Bobbio16, para evitar o risco de retrocesso. Por isso, ao analisar a
questão sob a perspectiva jurídica, Virgílio Afonso da Silva 17 ressalta ser
inadmissível a assertiva de que algumas normas tem eficácia meramente
limitada pois “pode-se imaginar que nada resta aos operadores do direito,
sobretudo aos juízes, senão esperar por uma ação dos poderes políticos; com
base em concepção diversa, pode-se imaginar que a tarefa do operador do
direito, sobretudo do juiz, é substituir os juízos de conveniência e
oportunidade dos poderes políticos pelos seus próprios”. Conclui que nenhum
destas posições é sustentável, defendendo como postura mais adequada
“aquela que se disponha a um desenvolvimento e a uma proteção dos direitos
fundamentais... a partir de um diálogo constitucional fundado nessas premissas
de comunicação intersubjetiva entre os poderes estatais e a comunidade.
O exame da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas
implica em analisar como é valorada a Constituição Federal no ordenamento e
como se dá sua interrelação com os demais marcos normativos postos pelo
sistema, ponderando Virgílio18 que “quanto mais onipresente for a
Constituição”, mais assertiva “será a atuação do juiz, destacando que, a
despeito de ter poucos adeptos em outros países, a concepção de constituiçãofundamento
“tem grande força no Brasil”. Assim, entendidos os princípios
16 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 9.ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1997.
17 AFONSO DA SILVA, Virgílio. Direitos fundamentais: conteúdo essencial,
restrições, eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, p.256.
18 AFONSO DA SILVA, Virgílio. A constitucionalização dos direitos: os direitos
fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2008, pp.111, 147
e seguintes.
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constitucionais como mandamentos de otimização “devem ser realizados na
maior medida possível dentro das condições fáticas e jurídicas existentes”,
tendo a Constituição como moldura, pois se trata de um modelo dinâmico e
flexível, que deixa espaços abertos por considerar que quanto maior “o
número de variáveis- e de direitos- envolvidos em um caso concreto, maior
tenderá a ser a quantidade de respostas que satisfaçam o critério de otimização,
o que torna de suma importância o trabalho judicial desenvolvido pela
jurisprudência, ao completar o enunciado normativo das cláusulas abertas.
Um século depois, apesar de vivermos novos desafios, estes nos
remetem à mesma matriz.
Por isso, é necessário preservar a memória das lutas institucionais
encetadas, nas quais arduamente combatemos para manter a dignidade daquele
que trabalha, impedindo que fosse novamente rebaixado à condição de
mercadoria.
Num mundo de bytes em que os fatos se sucedem numa velocidade
alucinante, marcado por uma realidade cada vez mais líquida e fluída, como
alerta o sociólogo Zygmunt Bauman19, a preservação da memória da Justiça do
Trabalho impede que se instaure o retrocesso institucional e restaura o sentido
da permanência e do pertencimento, sem os quais se perde a humanitas.
9 - CONCLUSÃO
A preservação da memória da Justiça do Trabalho é um ato de fé no
futuro do país, na superação do efêmero e no compromisso com a permanência
dos valores que sustentam a república. É esse o norte que direciona a custódia
do nosso patrimônio documental institucional, pois se constitui num acervo
que na verdade registra a formação de nossa identidade como nação.
Não se trata, portanto, de guardar restos de um passado obsoleto e senil
que ficou para trás, mas de preservar um material rico e fecundo, que vai
vivificar nossas experiências do presente e contribuir para construção de novos
horizontes no futuro, que possam levar a outros patamares de
desenvolvimento, sustentado por institutos jurídicos próprios, desapegados de
estrangeirismos e comprometidos com a valorização de nossa cultura, que
possam dar significado a nossa história, superando de vez nosso complexo de
inferioridade de país periférico.
19 BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.
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