Negada indenização a reclamante que se acidentou em máquina de setor onde não trabalhava
Ao longo do processo, trabalhador apresentou versões diferentes para o acidente
Por Ademar Lopes Junior
Com pouco mais de três meses de contratação na empresa do ramo de agronegócios (produção de sementes e ração animal) de São Joaquim da Barra, o trabalhador de 20 anos de idade trabalhava como auxiliar de produção, e competia a ele carregar os caminhões com os sacos de sementes e rações. Numa manhã de janeiro de 2008, pouco antes da hora do almoço, o trabalhador se encontrava em outro setor da empresa, longe de seu posto de trabalho, mais precisamente próximo a uma “bica” responsável pela remessa de sacos de sementes/ração para o estoque no pátio da empresa, onde são mantidos sobre paletes. Já com seu crachá na mão, na saída para o almoço, o trabalhador teria sentido uma tontura e, para não cair no chão, apoiou-se numa máquina conhecida por “reder”, onde sofreu o acidente que lhe cortou parte da unha do dedo médio da mão esquerda. O acidente foi de pequena proporção, e por isso o trabalhador ficou afastado por dois meses, por auxílio acidente, de 31 de janeiro de 2008 até 1º de abril de 2008, tendo recuperado a plena capacidade de suas funções.
Na versão do trabalhador, ele teria batido a cabeça na quina da bica enquanto ainda estava em cima do caminhão, mas na hora não sentira “nenhuma dor, tontura ou algo análogo, além de não ter se ferido”. Só depois que tinha descido do caminhão e se encontrava em outro local da empresa, onde ficavam pendurados os crachás dos colaboradores, é que ele teria sentido uma tontura e, sem ninguém por perto para socorrê-lo, “apoiou a mão esquerda no reder, procurando firmeza para manter seu corpo ereto, evitando cair ao chão, o que lhe poderia resultar maiores lesões, até mesmo pior que a sofrida”. A máquina, no momento, estava sem proteção, e “a corrente que estava girando sob a catraca decepou o dedo médio da mão esquerda”, conforme atestou a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho).
A Ficha de Análise de Acidentes relatou diferente o fato. Segundo ela, “o reclamante, ao passar perto de um reder que leva ração ao silo para ensaque, o mesmo [sic] se deparou com rações paradas numa das partes e, sem permissão, veio a colocar sua mão esquerda para retirar o conteúdo, onde ocorreu aí um acidente, constatado um ato inseguro, por saber que não podia colocar a mão nesta máquina, sendo que estava sendo limpa com ar, cabendo assim uma advertência”.
O juízo da Vara do Trabalho de São Joaquim da Barra concluiu pela existência de culpa patronal, o que resultou na parcial procedência dos pedidos do trabalhador, condenando a empresa às indenizações por danos morais no importe de R$ 10 mil e por dano estético no importe de R$ 7 mil. Em recurso, a reclamada se defendeu, pedindo a revogação de sua condenação ao pagamento das indenizações e, por cautela, se mantido o decreto condenatório, a redução das respectivas quantias.
A relatora do acórdão da 11ª Câmara, desembargadora Olga Aida Joaquim Gomieri, considerou que a condenação de primeiro grau “se sustenta toda na singela asserção do magistrado a quo de que: ‘à reclamada competia comprovar a alegação de culpa exclusiva do autor. Desse ônus, no entanto, a reclamada não se desincumbiu a contento, na medida em que as duas testemunhas ouvidas sequer presenciaram o acidente, fato esse que, por si só, tem o condão de afastar a alegação defensiva de culpa exclusiva do obreiro, tendo em vista que, a meu sentir, não ocorrerá na hipótese vertente, considerando que ambos os testigos souberam do acidente através de terceiros, ou seja, possuem limitadas condições de relatarem detalhes acerca da conduta obreira no momento da ocorrência do infortúnio’.”
No entendimento do acórdão “tal decisão não se sustenta”. Em primeiro lugar, porque “os fatos narrados na inicial não guardam correspondência com as informações do obreiro em seu depoimento prestado em audiência, nem com aquelas narradas ao Sr. Perito Judicial”. A relatora lembrou que “as estórias para justificar o acidente, contadas em cada momento, foram bem diferentes entre si, demonstrando que o obreiro faltou com a verdade sobre a real causa do acidente, o que por si só demonstra que o reclamante tinha ciência do ato inseguro que cometeu”, e que o trabalhador “sequer compareceu à data marcada para a primeira perícia, o que é sintomático do aludido”.
A relatora afirmou que o procedimento do trabalhador “foi tão desarrazoado, que o próprio Juízo de primeiro grau questionou, em sua sentença, a absurda hipótese de ele ter tido interesse em se automutilar, vez que, pelas fotos constantes dos autos, qualquer pessoa perceberia o perigo de assim fazê-lo quando a tampa da máquina estivesse aberta e a corrente elétrica exposta e em pleno funcionamento”.
O acórdão afirma que “a decisão a quo contradiz as inferências do próprio laudo pericial e esclarecimentos”, que concluem “não ser possível assegurar o nexo de causalidade” e também que “o fato provavelmente ocorreu por imperícia, negligência, ou até insubordinação” do reclamante.
A decisão colegiada ressaltou que, numa segunda entrevista marcada pelo perito, o reclamante admitiu que “durante o período do vínculo contratual havido, utilizava, regularmente, os necessários equipamentos de proteção individual, tais como uniformes, capacetes, sapatões com biqueira, máscaras, protetor auricular, luvas, bem como que o acidente aconteceu em setor diverso do que era o setor de trabalho do obreiro”. No entendimento do acórdão da 11ª Câmara, ao contrário do entendimento do juiz a quo, “nos termos dos artigos 818 da CLT e 333 , inciso I, do CPC, era do autor o encargo de demonstrar a culpa da empregadora pelo lamentável infortúnio que o acometeu. Desse encargo, no entanto, como visto, não se desincumbiu”.
O acórdão concluiu que o reclamante era extremamente inexperiente, e que, pela prova dos autos, “fica claro que o reclamante sofreu o acidente por sua única e exclusiva conduta, ao mexer, sem autorização, e sem nenhum sentido, em máquina estranha às suas atividades”. A decisão do Tribunal salientou que “imaginar que os funcionários de uma empresa deverão receber treinamento e instruções sobre TODAS as máquinas que existem na empresa, em diferentes setores, é incabível e, até mesmo, infantil”. E lembrou também que “o reclamante não tinha autorização para mexer na máquina em que ocorreu o acidente, vez que tal máquina era de outro setor de trabalho e era manejada somente por dois funcionários designados para isto, além dos mecânicos que faziam a manutenção”.
O acórdão considerou que não houve nenhuma redução na capacidade laborativa do obreiro, conforme ressaltado pelo laudo pericial, mantendo-se a “função dos dedos preservados”, e podendo ele “desempenhar todas as funções que fazia anteriomente ao acidente”. O próprio reclamante afirmou que “já trabalhou em outra empresa após o acidente” (numa siderúrgica na mesma cidade), confirmando, assim, a plena capacidade laborativa.
Em conclusão, o acórdão revogou a condenação da reclamada ao pagamento de indenizações por danos morais, estéticos e materiais e determinou à Secretaria da Vara a quo a devolução do depósito recursal efetuado pela reclamada, bem como a devolução à empregadora do valor de R$ 800, por ela recolhido adiantadamente, por conta da perícia médica que foi realizada. Quanto ao reclamante, o acórdão determinou o encargo do pagamento dos honorários periciais e das custas, ônus dos quais está isento, já que lhe foi concedida gratuidade processual pela origem. (Proc. 134500-23.2008.5.15.0117 RO)
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