Câmara mantém multa por litigância de má-fé a trabalhadora que mentiu ao ajuizar a ação
Por Ademar Lopes Junior
A reclamante trabalhou de 1º de maio de 1991 a 23 de fevereiro de 2008 na reclamada, um pequeno supermercado, e desempenhava a função de caixa. Com a despedida, recebeu apenas R$ 1.195 a título de horas extras. Descontente, procurou na Justiça do Trabalho direitos que acreditava ter conquistado, em virtude de outras funções que afirma ter desempenhado na empresa, especialmente de cartazista, repositora e de pintura. Também alegou, na ação na 2ª Vara do Trabalho de Piracicaba, que recebia, desde o início da contratação, salário “por fora” correspondente “ao mesmo valor pago através do contracheque”.
A empresa negou.
A primeira testemunha da trabalhadora disse que esta “nunca comentou nada com a depoente acerca de recebimento de salário ‘por fora’”, mas afirmou que ela mesma (depoente) “recebia ‘um pouquinho por fora’, ou seja, R$ 10,00 nas sextas-feiras”. A segunda testemunha ouvida disse “que a reclamante comentou com o depoente que recebia salário ‘por fora’”.
O juízo de primeira instância reconheceu que “a prova oral realizada pela reclamante foi frágil, não possuindo valor informações prestadas pela própria parte à sua testemunha, uma vez que esta, por definição, deve ter conhecimento através de sentidos próprios”. E completou: “O pequeno valor referido pela primeira testemunha nem de longe se compara à alegação da petição inicial de que a reclamante receberia o dobro dos salários registrados em contracheque”.
No que diz respeito à indenização de vale-transporte, a sentença se baseou igualmente em depoimentos de testemunhas, tanto da trabalhadora quanto da empresa, que afirmaram, respectivamente, “que a reclamante ia para o trabalho a pé e outras vezes de carro” e que “não sabe onde a reclamante morava, mas sabe que ela vinha trabalhar de carro”. E concluiu que “a reclamante faltou com a verdade em Juízo ao referir que iria trabalhar utilizando-se de transporte coletivo”.
A sentença condenou a empresa a pagar horas extras à trabalhadora, porém concluiu que a reclamante tinha direito às diferenças salariais e ainda que litigou de má-fé, no que diz respeito ao pedido de vale-transporte, já que usava o próprio carro para se deslocar até o serviço. A reclamante foi condenada a pagar multa de 1% e mais indenização de 5% à empresa, ambas sobre o valor da causa.
Inconformada, a trabalhadora recorreu, defendendo a mesma tese pela qual foi condenada por litigância de má-fé, segundo a qual “são devidos os reflexos de salários pagos ‘por fora’ da folha de pagamento e diferenças salariais por acúmulo de função”. Pediu também que fosse retirada a multa por litigância de má-fé.
O relator do acórdão da 10ª Câmara, desembargador José Antonio Pancotti, salientou que a reclamante não conseguiu provar que recebia salário “por fora” (como vulgarmente se denominam os valores em dinheiro, recebidos pelos empregados, que não constam nos contracheques ou holerites) e reconheceu que essa prova “é sempre empreitada difícil para o empregado”. Por isso, lembrou que a 10ª Câmara tem admitido “como provado tal fato, por meros indícios e presunções”. Porém, no caso “não há indícios, nem sequer presunções que tal fato ocorria”, observou o magistrado, e assim manteve o mesmo entendimento do juízo de primeira instância.
Quanto ao pedido de diferenças salariais por acúmulo de função, o acórdão também seguiu o entendimento da sentença de primeiro grau e reconheceu que “em estabelecimento de pequeno porte, com apenas oito empregados, é razoável que o funcionário designado para alguma função específica, em momentos ou nos gargalos de inoperância, execute pequenas tarefas em outro departamento ou seção, sem que com isso configure acúmulo de função”. E por isso entendeu que, apesar de toda explicação da trabalhadora, esta “apenas ajudava ao repositor de mercadoria nas gôndolas do mercado, nos momento de inatividade do serviço de caixa, o que não caracteriza acúmulo de função”.
Quanto ao pedido da trabalhadora de que fosse retirada a multa pela litigância de má-fé, o acórdão salientou que “não há dúvida de que a peça de ingresso alterou a verdade dos fatos, quando afirmou que ‘durante todo o período que perdurou o contrato de emprego a reclamante utilizou-se de transporte coletivo para ida e volta ao trabalho, utilizando-se de duas conduções diárias’”. A Câmara acrescentou que a prova oral foi “congruente e conclusiva de que a reclamante se utilizava de veículo próprio ou de colegas, nunca se utilizando de transporte público urbano”. Por isso, a decisão colegiada da 10ª Câmara entendeu que a trabalhadora “merece a sanção por improbidade e deslealdade processual, conforme exigem os artigos 14, inciso I, e 17, inciso I, ambos do Código de Processo Civil”. Em seu voto, o relator concluiu, em tom de desabafo, que “a Justiça do Trabalho, até agora, tem sido tolerante quanto a alegações levianas que deságuam em pedidos aventureiros dos reclamantes. Já é momento de os Juízes serem menos tolerantes a respeito”.
Apesar do entendimento comum entre a sentença e o acórdão a respeito da litigância de má-fé e da permanência de sanção, o acórdão abrandou a punição, considerando “razoável que a sanção processual se limite à multa de 1%, com a revogação do comando sentencial que impôs a indenização de 5%”. (Processo 0089900-81.2009.5.15.0051-RO)
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