Conferência de abertura do Congresso Rural aborda a influência das novas tecnologias no campo

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Por Luiz Manoel Guimarães

A conferência inaugural do XV Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural, proferida pelo juiz do Trabalho Francisco Rossal de Araújo, da 4ª Região (RS), teve como tema “As novas tecnologias e suas influências nas relações de trabalho rurais". O Congresso teve início na manhã desta quinta-feira, 6, no Espaço Toledo, em Presidente Prudente, com cerca de 800 participantes, entre magistrados e procuradores do trabalho, advogados, sindicalistas, empresários, servidores do Judiciário e estudantes (leia matéria aqui).

Araújo é doutorando em Direito do Trabalho pela Universidade Pompeo-Fabra, de Barcelona, Espanha, e mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), instituição na qual é professor. Leciona também no Centro de Estudos do Trabalho (Cetra).

Ele iniciou a conferência com um panorama da participação da agropecuária na economia brasileira. Segundo Araújo, o setor é responsável por quase um terço do PIB do País e responde por 65% da nossa balança comercial. O professor informou também que, apesar da transformação do Brasil, ao longo do século XX, numa nação predominantemente urbana, 12% da população nacional ainda vive no campo. Outro dado interessante é que, atualmente, está ocorrendo uma espécie de êxodo às avessas, esclareceu o juiz, “e aproximadamente 5% dos moradores das cidades se deslocam todos os dias para o meio rural, onde trabalham”.

O conferencista lecionou que, contrariando o senso comum, “existem atualmente muitas agriculturas, muitas pecuárias, o que gera uma diversidade igualmente grande nas relações de trabalho”. Antigamente, prosseguiu Araújo, “o trabalho no campo se aprendia de forma empírica, na prática do dia a dia. O conhecimento era transmitido de geração a geração”. Hoje, observa o juiz, a chamada “agricultura de precisão” exige um aprendizado que vai além da transmissão de pai para filho. “É preciso investir numa educação específica, em cursos de nível médio e até superior.”

Araújo traçou uma espécie de “linha do tempo” da evolução da agricultura, desde as primeiras experiências do homem no ramo, há cerca de 10 mil anos, até os nossos dias. O professor procurou mostrar que, historicamente, a agricultura sempre gerou tecnologia, e dependeu desta, numa simbiose que nunca deixou de trazer consequências para os trabalhadores e para a humanidade em geral. Entre os séculos X e XI depois de Cristo, exemplificou o magistrado, invenções que hoje muitos considerariam simples, como correias e ferraduras para os animais de tração, além de novos tipos de arado e foice, provocaram um aumento de produtividade que fez dobrar o excedente agrícola na Europa, de algo em torno de 25% para 50%. “As pessoas passaram a comer mais e melhor, e, até o final do século XIII, a população da Europa havia dobrado. No século seguinte, a Peste Negra dizimaria cerca de um terço dos europeus, mas, mesmo assim, passada a epidemia, o crescimento foi rapidamente retomado”, lecionou o conferencista.

Entre o final do século XVII e o início do XVIII, prosseguiu o juiz, a tecnologia no campo havia evoluído de tal forma que gerou o que ficou conhecido como a 1ª Revolução Agrícola, “um dos elementos que, junto com outros fatores históricos, como o Mercantilismo, tornaria possível a Revolução Industrial”. Por sua vez, a indústria acrescentou às atividades agrícolas recursos que iam desde novos modelos de ceifadeiras e arados metálicos até navios e trens. Estes últimos expandiram as fronteiras agrícolas, que, antes, “não iam além de 30 ou 40 quilômetros dos centros de consumo”, observou Araújo. Em retribuição à contribuição da agricultura na Revolução Industrial, lecionou o palestrante, a indústria traria para as atividades rurais, pelas mãos de Henry Ford, já no século XX, a máquina que seria literalmente o motor da 2ª Revolução Agrícola. Ao menos na produção em larga escala, os tratores transformaram a tração animal em coisa do passado no século passado. Inventado em 1882, o trator a gasolina entrou em linha de produção na Ford a partir de 1917, detalhou o juiz. “Menos de 10 anos depois, em 1925, já havia 158 mil deles em plena atividade.”

A agropecuária no último século seria marcada, ainda, disse o conferencista, pelo advento da fertilização mineral e dos pesticidas – inventado em 1864 como arma de guerra (“para matar pessoas, mesmo”, como revelou Araújo), o DDT se tornaria em 1939 o inimigo número um dos insetos e outros agressores biológicos das lavouras - e do uso da genética para a melhoria das espécies, entre outros fatores que geraram “uma elevação exponencial na produção agrícola”. Precariedade

“Ao longo da história, a agricultura esteve associada a formas precárias de trabalho”, lecionou o palestrante. “Em Roma, era o escravo. Na Idade Média, a servidão.” Hoje a “agricultura de precisão”, caracterizada pelo elevado emprego de recursos informatizados, incluindo o GPS, e que já está deixando de se restringir aos grandes latifúndios para chegar também às médias propriedades, requer outro tipo de profissional, enfatiza o palestrante.

Araújo lembrou que, de maneira geral, as relações de trabalho no campo, conforme estabelece a Constituição, foram equiparadas às que se travam no meio urbano. “Não de maneira exatamente igual, eu diria, mas igualitária, na busca de equalizar os mesmos direitos e deveres”, assinalou o magistrado. Persistem, no entanto, algumas regras específicas, incluindo a Lei 5.889, de 1973, o chamado Estatuto do Trabalhador Rural, observou.

O conferencista dividiu os trabalhadores do campo em dois tipos principais: proprietários e não proprietários. Estes últimos incluem os assalariados, os trabalhadores eventuais, os arrendatários e os parceiros. “Como eu já disse, no entanto, existem muitas agriculturas, que exigem soluções específicas, as quais via de regra só as normas coletivas podem proporcionar, categoria a categoria. Lá na minha terra, o Alegrete, por exemplo, existe um tipo de profissional conhecido como alambrador. O termo deriva do espanhol, alambre, que significa cerca. Portanto, é o trabalhador especializado em fazer cercas. Seu trabalho envolve aspectos tão específicos que só mesmo a convenção coletiva de trabalho tem condição de atender.”

Como acontece nas cidades, aprofundou Araújo, no meio rural cada vez mais as inovações tecnológicas dão origem a novos tipos de emprego ou trabalho, com necessidade de qualificação cada vez maior. A remuneração, observa o juiz, aumenta conforme cresce a complexidade, e a mecanização não raramente reduz a necessidade de mão de obra. Esse contexto tem seu lado negativo: o aumento do desemprego no campo. “A invenção do tear eliminou empregos. Na década de 1980, a informatização fez evaporar 410 mil postos de trabalho nos bancos. Os tipógrafos, na imprensa, e o pessoal que trabalhava com assistência técnica de máquinas de escrever são profissionais que praticamente não existem mais. Esse tipo de fenômeno já está chegando ao campo também”, advertiu o professor.

Para ele, o Brasil precisa investir numa “política séria, que garanta aos pequenos produtores rurais a possibilidade de acesso às novas tecnologias”.

Sobre a reforma agrária - “pólvora pura”, sublinhou -, Araújo defendeu que ela seja conduzida “sem demagogia e por gente do ramo”. O juiz preconiza que seja feito um levantamento apurado dos resultados já obtidos. “Temos de medir com seriedade o que foi feito até agora, a partir de critérios técnicos e econômicos rigorosos, para que seja possível definir acertadamente o futuro da reforma.”

Quanto ao papel dos tribunais em relação às ações trabalhistas advindas do meio rural, o palestrante acredita que o importante é o cuidado na análise dos fatos. “Temos que trabalhar com a legislação existente, mas a lei não vê os fatos. Esse papel cabe ao magistrado, que precisa enxergar corretamente a realidade fática. Em meus 21 anos de carreira na Magistratura já me deparei com milhares de casos e posso dizer com segurança que as grandes injustiças que vi tiveram origem na má compreensão da situação de fato.”

O diretor da Escola Judicial do TRT-15, desembargador José Antonio Pancotti, que fez a apresentação da conferência, uniu-se ao colega gaúcho na preocupação com o desemprego que o advento das novas tecnologias está provocando no campo. “Uma colheitadeira, operada por um único trabalhador, substitui de 80 a 90 cortadores de cana”, lamentou o desembargador.

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