Cortadores de cana: Ministro Walmir Oliveira da Costa defende análise diferenciada
Por José Francisco Turco
Uma das palestras mais esperadas do XV Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural foi a conferência de encerramento do encontro, proferida pelo ministro do TST Walmir Oliveira da Costa. Com o tema “Remuneração do Trabalho Extraordinário do Cortador de Cana” o magistrado deu uma explicação considerada bastante didática pelo público que acompanhou todo o evento. Coube ao desembargador Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, da 6ª Câmara do TRT, a apresentação do palestrante.
O assunto sobre o qual o ministro discorreu tem gerado intensa polêmica e está associado ao desgaste físico e psíquico inerente à atividade, que, em muitos casos, têm ocasionado até a morte por exaustão, conforme estudos realizados sobre o tema. Incentivados pela remuneração baseada na quantidade de cana cortada, o trabalhador – que chega a cortar 15 toneladas do produto por dia – acaba trabalhando além de suas forças para receber um salário mensal razoável.
Decisões proferidas na 15ª Região, tanto na 1ª como na 2ª instância, deferindo a chamada hora extra cheia (com adicional de penosidade) têm sido reformadas pelo TST, que baseia seu entendimento sobre o assunto na Súmula 340 daquela Corte (que trata dos comissionistas) e na Orientação Jurisprudencial 235, segundo a qual o empregado que trabalha no sistema de salário por produção faz jus somente ao adicional de horas extras.
Para o ministro Walmir, no entanto, o trabalho do cortador de cana é bastante peculiar, não podendo ser comparado com um comissionista, que muitas vezes trabalha em um ambiente muito mais saudável. Chamando atenção para “evidentes diferenças” entre o trabalho rural e o trabalho urbano, o ministro propôs em um voto sobre o tema, rever o tratamento das horas extras no campo e propôs a revisão da Súmula 340, além de concluir pela inadequação da OJ 235. Essas revisões dependem ainda de uma análise da Corte, para uma possível unificação.
Ao ponderar que em casos como os dos cortadores de cana devam ser analisados mais aspectos sociológicos do que jurídicos, defendeu que “nós do Direito do Trabalho temos mais responsabilidade social”, mesmo frisando que os outros ramos do conhecimento jurídico também têm essa visão. Ele lecionou aos estudantes presentes que o TST não é exatamente um tribunal de justiça, mas sim uma Corte de unificação da jurisprudência. “A justiça deve ser aplicada pelos órgão de origem”, defendeu.
Nessa linha elogiou o trabalho da juíza Maria da Graça Bonança Barbosa, titular da 4ª VT de São José dos Campos, utilizado pelo ministro na elaboração de seu voto. Segundo a magistrada, a morte de trabalhadores nos canaviais paulistas pode ser relacionada ao fenômeno que os japoneses denominam de “karoshi”, a morte por excesso de trabalho. Na decisão, em que defende inclusive a mudança na forma de remuneração do trabalho com a cana, a magistrada ressalta que essas ocorrências são geralmente causadas por arritmia cardíaca, infarto ou acidente vascular cerebral (AVC), provocados pela jornada extensa de trabalho, que acarreta alterações do ritmo biológico ao exigir do organismo um esforço extremo.
No Japão, presume-se que mais de 10 mil trabalhadores são vitimados anualmente pela “karoshi”. Walmir também elogiou voto do desembargador Gerson Lacerda Pistori, proferido na mesma linha há alguns anos. Para o ministro Walmir, esses trabalhadores não podem continuar morrendo aos 37 anos. “Acorda, Justiça do Trabalho”, finalizou.
O desembargador Giordani, no fechamento da conferência, disse que a exposição abordou a questão do trabalho dos trabalhadores da cana em suas mais variadas vertentes. “Foi como se várias roupas fossem retiradas de um armário”, cada qual observada sob a ótica de suas cores e formas. Ele desejou que de tudo o que foi exposto prevaleça a roupa da dignidade da pessoa humana.
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