Dispensa de empregado com Aids antes de médico atestar doença não é arbitrária
Por Ademar Lopes Junior
O trabalhador estrangeiro foi contratado pela reclamada, uma empresa do ramo de criação e artes, em 26 de setembro de 2006, para exercer a função de auxiliar de pintura, com jornadas de segunda a sábado. Mais tarde, passou a trabalhar também aos domingos, sem folga semanal compensatória.
O contato com produtos químicos durante longos períodos causou no trabalhador infecção respiratória, o que, em seu entendimento, significou doença profissional. À psicóloga da empresa, porém, ele confessou ser portador de Aids. Em conversa com o trabalhador em 23 de março de 2007, ela questionou sobre a diminuição de sua produtividade e os problemas de saúde pelos quais vinha passando. Segundo ele, a psicóloga o teria aconselhado a permanecer em repouso até 27 de março de 2007, sendo que, em 28 de março de 2007, quando ele retomou as atividades, foi dispensado com data retroativa a 24 de março.
A empresa disse que jamais foi informada sobre a doença do reclamante. Mesmo assim, afirmou que não há provas do nexo de causalidade da doença respiratória alegada pelo reclamante e do labor exercido na empresa e argumentou que a dispensa se deu antes da emissão dos inúmeros atestados médicos que o trabalhador juntou aos autos.
O juízo da Vara do Trabalho de Itu julgou improcedentes os pedidos do trabalhador, com base no artigo 104 do Código Civil e no artigo 98 da Lei 6.815/1980, o qual veda o exercício de atividades remuneradas por estrangeiros com visto temporário.
O relator do acórdão da 2ª Câmara do TRT da 15ª, desembargador José Otávio de Souza Ferreira, discordou da decisão, lembrando que “a Constituição Federal de 1988 trouxe, em seu artigo 1º, incisos III e IV, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como fundamentos do Estado Democrático de Direito”. O acórdão salientou que “do princípio da dignidade humana emanam todos os direitos fundamentais insculpidos na Carta Magna e em Tratados Internacionais de Direitos Humanos de que o Brasil é signatário”. Esses direitos, sublinhou o relator, por serem universais, aplicam-se “a todos os seres humanos, onde quer que se encontrem”.
O acórdão também ressaltou que o artigo 5º, caput, da Constituição da República garante a igualdade de direitos entre os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, salvo as exceções expressamente previstas pela própria Lei Maior. Por isso, independentemente da condição do estrangeiro no País, “ele faz jus aos direitos sociais previstos no artigo 7º da Constituição Federal”. Segundo o acórdão, o artigo 98 da Lei 6.815/1980 não foi recepcionado pela Carta Federal de 1988, concluindo o colegiado que “os direitos trabalhistas do empregado estrangeiro não podem ser negados, ainda que este se encontre em situação irregular no País, sob pena de se criar odiosa discriminação, ensejar o enriquecimento ilícito do empregador e incentivar a prática de trabalho escravo por imigrantes”.
Mesmo com essas considerações, a Câmara entendeu, porém, que o conjunto probatório não favoreceu a tese do trabalhador estrangeiro. Isso porque o Comunicado de Dispensa de Aviso Indenizado, devidamente assinado pelo reclamante, data de 24 de março de 2007, e os atestados e a prescrição de medicamentos foram emitidos posteriormente àquela data. No dia 30 de março de 2007, a empresa enviou um telegrama ao trabalhador, na tentativa de notificá-lo para realizar o exame demissional e receber as verbas rescisórias, mas não teve sucesso - os Correios não conseguiram localizar o reclamante, por “insuficiência de endereço”. Por sua vez, o trabalhador não conseguiu provar a doença ocupacional como fruto da exposição aos produtos químicos, nem que a empresa tinha ciência, antes da demissão, da imunodeficiência adquirida, o que poderia caracterizar dispensa discriminatória. No laudo pericial datado de 18 de julho de 2008, com base nos exames e relatórios médicos, o perito constatou que o reclamante era portador de Aids e apresentava “quadro de astenia gereralizada, emagrecimento e adenite". O perito concluiu que a doença não possui nexo causal com o trabalho e, inclusive, declarou que o reclamante está "apto ao labor”. E por isso o acórdão considerou que “não há que falar em dispensa arbitrária, estabilidade ou reintegração”, mas acatou os pedidos do trabalhador quanto a horas extras, vale-refeição e outras verbas. (Processo 0091300-06.2007.5.15.0018)
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