Evento no TRT debate a inclusão de pessoas com deficiência física
Por Ademar Lopes Junior
“Tempo difícil esse em que estamos, no qual é mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito.” As palavras do cientista Albert Einstein, prêmio Nobel de Física em 1921 e que desenvolveu a Teoria da Relatividade, ainda ressoam nos ouvidos da humanidade no terceiro milênio. O trabalho premiado de Einstein serviu de base para a descoberta da energia atômica. Quase cem anos depois, porém, o preconceito ainda se revela com diferentes caras, de diferentes formas.
A palestra “Inclusão do deficiente no trabalho”, visando à capacitação dos servidores da área de saúde e dos gestores de pessoal do TRT da 15ª Região, tratou exatamente desse assunto: preconceito. A psicóloga Márcia Souto de Araújo, da Soutolins Consultoria Organizacional Ltda., abordou exaustivamente o tema nas quatro horas de palestra, no auditório do 1º andar do edifício-sede da Corte, na última sexta-feira, 19/8. O evento reuniu os 13 membros do Comitê Permanente Pró-Admissional do TRT e representou a primeira experiência do grupo com uma profissional contratada para capacitar os servidores responsáveis pela admissão e treinamento de novos servidores com alguma necessidade especial.
Para a diretora de Saúde do TRT, Heloisa Helena Mazon Zakia, com a admissão de dois servidores cegos no primeiro semestre deste ano no Tribunal, o Comitê sentiu a necessidade de fazer mais que simplesmente admitir dois novos servidores, cumprindo assim a lei que garante reserva de vagas para deficientes nos concursos públicos. Segundo Zakia, “mais que admissão, o Comitê tem o objetivo de fazer a inclusão dessas pessoas”. O que a diretora de Saúde e o Comitê entendem por “inclusão” vai muito além do próprio deficiente – envolve toda a equipe de trabalho no local onde ele vai ser inserido. Por isso a urgência de uma mudança de conceitos. “Esses colegas estão chegando cada vez em maior número, aprovados nos concursos”, lembrou Zakia. Ela afirmou também que essas pessoas com necessidades especiais “chegam com muita capacidade intelectual para trabalhar, e, sempre que surge alguém com alguma necessidade especial, é preciso pensar o melhor lugar para ele desenvolver o seu trabalho”. A diretora ressaltou, com relação ao Comitê, que “todos estão empenhados em melhorar e ajudar a fazer a inclusão dos deficientes”.
A pedido da Diretoria de Saúde, o Serviço de Material e Patrimônio (SMP) do Tribunal adquiriu dois aparelhos escâner com dispositivo conversor de texto em fala e mecanismo de reconhecimento de caracter óptico. A servidora Bianca André Amaral, do SMP, afirmou que “os aparelhos serão encaminhados em breve às Varas do Trabalho de Mogi-Guaçu e de Tietê, onde trabalham os dois primeiros servidores deficientes visuais do Regional aprovados em concurso”.
O desconhecimento de como lidar com as diferenças gera o preconceito, e cada um procura justificar-se como pode. O encontro de sexta-feira também serviu para afinar essas questões. Os 13 componentes do Comitê representam todo o Tribunal. Eles vêm de diferentes áreas, especialmente das Diretorias de Saúde e de Pessoal, mas o grupo também conta com um diretor de secretaria de vara e uma servidora portadora de deficiência. Todos, de alguma forma, participaram com suas dúvidas, mas, principalmente, revelaram suas angústias.
Para a psicóloga Márcia Souto, o aprendizado principal é “perder o medo de conviver com pessoas deficientes”. Ela salientou que “se você não reconhece a deficiência da pessoa, você não vê a pessoa em sua totalidade”. A palestrante abordou algumas questões norteadoras da reflexão sobre deficientes, como “qual o lugar do servidor?”, “qual o papel da instituição frente a essa realidade que clama por inclusão?”, “como lidar com a diferença?” e, principalmente, “por que a diferença incomoda tanto?” e “por que é importante conhecer as tecnologias assistivas?”.
Ao longo de sua palestra, Márcia Souto falou sobre o conceito de deficiência e de inclusão, a realidade da pessoa com deficiência no Brasil e os tipos, os níveis e as principais características de deficiência (física, auditiva, visual, intelectual e múltipla). Abordou também as ajudas técnicas e as tecnologias de apoio.
A diretora de Saúde do TRT enfatizou que o trabalho do Comitê ainda está no começo e que há muito para se discutir e aprender. O próximo encontro do grupo será para avaliar o que de positivo a palestra proporcionou aos seus participantes.
Um outro olhar, mais humano
Ele não nasceu cego. Até os sete anos, era um menino “normal”. Quando se tornou um deficiente visual, teve que reaprender a viver, com todas as dificuldades da vida e mais as que a falta da visão acrescentou. Mesmo assim, Carlos Alexandre Campos estudou, como todo garoto de sua idade. O domínio do Braille proporcionou muita leitura e conhecimento, mas foi um professor de matemática, no ensino médio, que, sem querer, lhe ensinou a lição mais marcante.
“Escute aqui, eu não sei ensinar matemática para uma pessoa cega, por isso se vire.”
Apesar da dureza das palavras, ele não era mau, disse Carlos, que obedeceu sem discutir. Procurou uma antiga professora do ensino fundamental, a qual se dispôs a repassar diariamente todas as aulas com o estudante, depois da escola, e, assim, ele não só aprendeu matemática, como passou na matéria sem dificuldades. Quando o professor lhe perguntou como havia aprendido sua matéria, Carlos respondeu apenas que “tinha se virado, conforme ele havia recomendado”.
Até hoje ele não sabe dizer se a professora, sua amiga, perdeu tempo por ter se dedicado a ensinar matemática a um estudante do colegial. Ela não tinha nenhuma obrigação. Mas para o estudante, hoje homem formado, ficou a dúvida: “Será que ela ganhou alguma coisa com isso?”.
Mais tarde, Carlos trabalhou, de 1994 a 2000, na Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), na área administrativa, inicialmente, e depois no departamento jurídico, já como advogado. Por concurso, ingressou no Memorial da América Latina, onde está até hoje.
A história de vida de Carlos Alexandre não é melhor nem pior do que a de ninguém. Mas por causa de sua deficiência visual e seu histórico de vida, ele foi convidado pela psicóloga Márcia Souto para participar da palestra “Inclusão do deficiente no trabalho”, no TRT, e dividir suas experiências com o Comitê.
O advogado cego não titubeou diante de nenhuma das perguntas dos membros do Comitê. Para ele, “o choque de conflitos não é ruim”. Carlos acredita que, se não fosse pela Lei 8.213 de 1991, que instituiu a reserva de vagas para deficientes físicos nos concursos, provavelmente não estaria ocupando um cargo público. Mesmo assim, afirmou que “ninguém pode dizer a um deficiente que ele não pode fazer algo”.
Dentre algumas conclusões a que chegaram os participantes do evento, está a de que o mercado e as questões sociais não são compatíveis. O ritmo de um não pode (ou não quer) aguardar o desenvolvimento do outro. Para Carlos Alexandre, “quanto mais sistemas comuns da sociedade adotarem a prática de inclusão, mais cedo se completará a construção de uma sociedade justa e igualitária, uma sociedade inclusiva”.
- 8 visualizações