Fraude à execução não pode ser presumida quando bem é vendido por sócio da empresa insolvente
Por Patrícia Campos de Sousa
Condenada pela 1ª Vara do Trabalho de Sorocaba, a empresa não efetuou o pagamento devido, razão pela qual a execução alcançou os bens de seus sócios, responsabilizados subsidiária e ilimitadamente pelo passivo trabalhista. Em 14 de janeiro de 1999 a Justiça do Trabalho penhorou o imóvel de um dos sócios da reclamada, cujo paradeiro esteve desconhecido durante todo o processo. Sem ter ciência da penhora realizada, em dezembro do mesmo ano o sócio executado vendeu a propriedade a terceiro, cujos herdeiros a revenderam a um casal em junho de 2008.
Ameaçados de sofrer os efeitos do esbulho causado pela penhora, os novos proprietários opuseram embargos de terceiros, postulando a defesa do imóvel. Os embargos, no entanto, foram rejeitados pelo juízo de primeira instância, o que levou os embargantes a interpor agravo de petição no TRT. No recurso, os compradores do imóvel alegaram que agiram de boa-fé ao adquiri-lo, bem como realizaram todas as diligências necessárias à compra da propriedade, não podendo arcar com o esbulho fundado em uma penhora cuja existência desconheciam.
Analisado pela 5ª Câmara do Regional, o agravo de petição foi provido pelo colegiado. Reformando a decisão original, a Câmara considerou válida a alienação do imóvel aos agravantes e julgou a penhora insubsistente, por “contrariar o princípio da segurança jurídica e boa-fé que deve nortear os negócios jurídicos praticados”.
O acórdão, relatado pelo desembargador Samuel Hugo Lima, considerou o fato de que, quando da alienação do imóvel, o sócio executado não tinha ciência da penhora realizada, razão pela qual esta não poderia ser considerada perfeita e acabada. A publicação do edital para suprir a falta de intimação só foi feita em abril de 2001, ou seja, quase dois anos após a transação. “Uma vez que a venda do imóvel se deu antes da efetivação da penhora, não haveria como caracterizá-la como fraude à execução”, ponderou o relator. O magistrado levou em conta também que o sócio recebeu um terreno como pagamento pelo imóvel alienado, “razão pela qual deve ser rejeitada a tese do desfazimento dos bens para ocasionar a insolvência”.
Para afastar a alegada fraude, a Câmara considerou ainda a circunstância de que apenas em junho de 2005 foi feita a inclusão dos nomes dos sócios da reclamada entre os executados, como forma de impedir a venda de outros eventuais bens. Sendo assim, concluiu o colegiado, “qualquer diligência do primeiro adquirente do imóvel seria em vão, razão pela qual não há como se falar em compra negligente deste”.
Em seu voto, Samuel Hugo Lima argumentou que o Direito considera ineficaz a venda de bens por parte de pessoa jurídica executada capaz de reduzi-la à insolvência, se na época tramitava reclamação trabalhista. Isso porque, nesse caso, o comprador poderia se valer previamente de pesquisas referentes à pessoa jurídica nos órgãos próprios. No entanto, ponderou o relator, o caso muda de figura se se trata de venda realizada pelo sócio pessoa física, “pois não é lógico exigir que o adquirente, antes da transação, faça uma pesquisa se o vendedor seria sócio de alguma empresa em todo o território nacional e se essa empresa insolvente estaria sendo demandada em juízo”. Afinal, justificou o magistrado, “em nome da segurança nas relações jurídicas, nosso ordenamento jurídico exige do comprador as cautelas mínimas do homem médio, e não do neurótico. Exigir que o pretenso adquirente estenda tais pesquisas a possíveis relacionamentos do vendedor com sua participação societária em pessoas jurídicas é chegar às raias da neurose. Aliás, mesmo que queira, segundo consta, sequer a Junta Comercial informa se determinada pessoa física seria sócia de alguma empresa”.
A decisão da Câmara, desautorizando a presunção de fraude à execução quando o bem é adquirido de pessoa física com participação societária em pessoa jurídica inadimplente, apoiou-se em clara orientação jurisprudencial, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para esta Corte, a presunção absoluta da ciência, pelo adquirente, da pendência de demanda fundada em direito real ou capaz de reduzir o devedor à insolvência só é possível quando esta for levada a registro público. Caso contrário, é ônus do credor provar que o adquirente sabia da existência da ação. (Processo 236500-21.2009.5.15.0003 AP)
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