João Cândido, o Almirante Negro, é tema de exposição no Espaço Cultural do TRT da 15ª Região
Mostra itinerante terá vernissage na terça-feira, dia 16, com entrada franca
Por Ana Claudia de Siqueira
Uma história esquecida de luta por melhores condições de trabalho na Marinha Brasileira no início do século XX, que até foi contada em música nos anos 70, mas censurada. Cerca de um século depois a história é resgatada pelo Projeto Memória com a exposição itinerante “João Cândido e a Luta pelos Direitos Humanos”, promovida pela Fundação Banco do Brasil, com patrocínio da Petrobras, que aporta a partir desta terça-feira, dia 16, no Espaço Cultural do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, localizado no 1º andar do edifício-sede da Corte, na Rua Barão de Jaguara, 901. A entrada é franca e a exposição acontece até 16 de setembro, de segunda a sexta-feira, das 12 às 18 horas. Nos finais de semana o espaço poderá ser visitado aos sábados, das 10 às 18 horas, e aos domingos, das 14 às 18 horas.
O brasileiro João Cândido Felisberto, o Almirante Negro – eternizado no samba “O Mestre-Sala dos Mares”, de João Bosco e Aldir Blanc – foi um dos líderes de um importante movimento pelos direitos humanos, conhecido como Revolta da Chibata. A luta teve como palco a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, onde os encouraçados Minas Gerais, São Paulo e Deodoro e o cruzador Bahia estavam ancorados para a posse do marechal Hermes da Fonseca na Presidência da República, em 1910. Cerca de 2 mil marinheiros, a maioria negros, sob a liderança de João Cândido e Francisco Dias Martins, foram habilidosos na condução das embarcações e de suas reivindicações. As péssimas condições de trabalho nos navios e o código disciplinar em vigor, que previa a aplicação de castigos corporais, foram as principais causas da Revolta da Chibata.
Temas como escravidão, monocultura e latifúndio, ligados à sociedade da época e com reflexos no Brasil de hoje, voltam a ser discutidos, nesse projeto, por meio do estudo da vida e das lutas de João Cândido Composta por 16 painéis ilustrados, a exposição foi idealizada em 2008 pela Fundação Banco do Brasil, em parceria com a Associação Cultural do Arquivo Nacional. Além da exposição, que já percorreu diversos municípios brasileiros, o projeto inclui uma página na Internet sobre a vida e a obra de João Cândido, um documentário e um livro fotobiográfico, disponibilizados para bibliotecas públicas do País, e um kit pedagógico, com almanaque histórico e guia do professor, distribuído em escolas.
O movimento que parou o Rio de Janeiro em 1910 teve um triste fim. Como as reivindicações não foram atendidas, os revoltosos ameaçaram bombardear a cidade, mas com a votação, pelo Congresso Nacional, da abolição da chibata e a concessão da anistia os marinheiros decidiram encerrar a revolta. O governo e as autoridades militares, no entanto, não cumpriram o acordo, prendendo e castigando os marujos, que se rebelaram novamente. A reação do governo foi bárbara: o massacre dos rebeldes na Ilha das Cobras. Os que não morreram foram presos e enviados para a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, no Acre.
João Cândido sobreviveu, foi expulso da corporação e internado em um hospital para loucos. Tuberculoso, foi solto alguns anos depois. Durante o resto de sua vida, trabalhou como vendedor de peixes no mercado do Rio de Janeiro, onde morreu, sem patente e na miséria, em 1969, aos 89 anos de idade. Em 2008, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 7.198 de 2002, sancionado pela Presidência da República, que concedeu anistia post mortem a João Cândido Felisberto e aos demais participantes do movimento.
Para o presidente do TRT da 15ª Região, desembargador Renato Buratto, a exposição sobre João Cândido no Espaço Cultural acontece em um momento muito oportuno. “A Justiça do Trabalho atua como agente pacificador de conflitos e distribuidor da justiça social. Nada mais propício do que resgatar esse importante e centenário movimento pelos direitos humanos, em um período muito precioso para nós, em que a Justiça do Trabalho comemora 70 anos e o TRT da 15ª Região, por sua vez, celebra seu Jubileu de Prata”, assinala.
Saiba mais
João Cândido Felisberto nasceu em 1880, no município de Encruzilhada do Sul (RS), vizinho a Rio Pardo, que ele, mais tarde, adotou como sua cidade de origem. Era filho de um casal de escravos, Inácia e João Cândido Velho, que trabalhava na fazenda Coxilha Bonita, da família Simões Pereira, uma das mais tradicionais da região. Em 1893, aos 13 anos, o menino já havia lutado na Revolta Federalista. Sua história com a Marinha de Guerra brasileira começou em 1895, quando ingressou na Escola de Aprendizes de Marinheiros, em Porto Alegre. Aos 15 anos, seguiu para o Rio de Janeiro, a fim de servir no Quartel Central da Ilha de Villegagnon, na 16ª Companhia da Marinha. Levava no bolso uma carta de recomendação, escrita pelo delegado da Capitania do Porto, em Porto Alegre. A carta foi um pedido do almirante Alexandrino de Alencar, ex-ministro da Marinha e que, na época, era capitão de fragata. Alencar, que era de Rio Pardo, conhecia a família de João Cândido e tornou-se seu protetor quando o menino quis iniciar carreira na Marinha.
Sobre o Projeto Memória
Desenvolvido desde 1997 pela Fundação Banco do Brasil e pela Petrobras, o Projeto Memória resgata a história de personalidades que defenderam a inclusão social no Brasil, de forma a preservar o pensamento, a obra e os fatos marcantes que contribuíram para a transformação social e a construção da cultura brasileira. Já foram tema do Projeto Memória, entre outros, o poeta Castro Alves, o escritor Monteiro Lobato, o jurista Rui Barbosa, o navegante Pedro Álvares Cabral, o ex-presidente Juscelino Kubitschek, o sanitarista Oswaldo Cruz, o sociólogo Josué de Castro e o educador Paulo Freire.
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