Justiça gratuita X assistência judiciária: Câmara isenta trabalhador de pagar honorários periciais
Por Ademar Lopes Junior
O reclamante trabalhava numa empresa localizada em São Carlos, reconhecida mundialmente como uma das maiores fabricantes de compressores herméticos para refrigeração. Seus produtos são encontrados em aparelhos como refrigeradores, congeladores, expositores comerciais, bebedouros e condicionadores de ar. De 30 de setembro de 1999 a 1º de abril de 2001, o trabalhador exerceu a função de ajudante de produção, quando então foi designado a exercer a função de operador industrial II.
Foi nessa ocasião que surgiram os problemas de saúde, com sensação de desconforto e peso no ombro esquerdo e dor que atingia o pescoço. O uso de anti-inflamatórios e o repouso ajudaram a diminuir as dores. Porém, ao retomar os esforços repetitivos, as dores aumentavam. Seu trabalho se resumia a pegar mais de mil compressores por dia para colocá-los na gancheira. O ritmo de trabalho intenso permitia que ele tivesse apenas 10 minutos para utilizar sanitário e 45 para refeição e descanso.
A médica da empresa determinou que mudasse de setor, a fim de aliviar as dores, e ele foi transferido para o setor onde se retirava pintura de compressor, mas ali ficou apenas por quatro meses, sendo reconduzido às antigas funções, e aí permanecendo até 18 de fevereiro de 2003, quando foi demitido.
Na 1ª Vara do Trabalho de São Carlos, o trabalhador pediu indenização por ter sido vítima de doença do trabalho, uma vez que acreditava ter trabalhado em local insalubre (sem o recebimento do respectivo adicional), mas não conseguiu provar sua tese. A empresa se defendeu, negando todas as pretensões do reclamante. Foi determinada a prova pericial para se apurar a insalubridade do local. Devido à controvérsia quanto à caracterização ou não do acidente de trabalho ou doença ocupacional a ele equiparada, foi determinado que o reclamante comprovasse, nos autos, “haver tomado providências administrativas ou no juízo competente, ficando o processo do trabalho suspenso”. O autor juntou o documento emitido pela Previdência Social noticiando a incapacidade para o trabalho.
A perícia biomecânica (cinesiológica/funcional), feita por uma fisioterapeuta, apurou o nexo causal entre a doença do autor e a atividade exercida na empresa. A pedido da reclamada, outra perícia, agora médica, foi determinada pelo juízo de primeira instância para sanar a controvérsia quanto à habilitação do fisioterapeuta para a realização de perícia em matéria médica, “sem prejuízo do trabalho anterior”. O juízo optou por acolher as conclusões do laudo médico, “uma vez que o laudo da perita fisioterapeuta, apesar de muito bem elaborado, contém várias informações unilaterais, pois mencionadas apenas as do reclamante e, ainda, observações sobre fatos que não fazem parte da lide”. O laudo médico concluiu que o reclamante “é portador de síndrome de impacto e não de síndrome de ombros congelados” e que “no momento se encontra assintomático. Não há nexo causal entre o seu labor e síndrome do impacto pois trata-se de doença degenerativa (...)”. O perito médico observou ainda que “o autor compareceu à perícia usando uma tipoia muito suja, apesar de suas mãos exibirem calosidades de trabalho braçal constante”. O reclamante não negou a execução de trabalho braçal em outras empresas, posteriormente à demissão pela reclamada.
A sentença julgou improcedentes os pedidos do trabalhador e o condenou ao pagamento dos honorários periciais de insalubridade no importe de R$ 800, da perícia cinesiológica/funcional no valor de R$ 2.300 e médicos, no importe de R$ 1.500, e acrescentou que o reclamante não faz jus “aos benefícios da assistência judiciária gratuita pois não está assistido por seu sindicato de classe, nos termos do artigo 14, da Lei 5.584/1970, e da OJ 305 da SDI-I do Tribunal Superior do Trabalho”.
Inconformado, o trabalhador recorreu, “insurgindo-se contra o indeferimento do adicional de insalubridade, requerendo o reconhecimento da estabilidade acidentária e pretendendo a reforma quanto à concessão dos benefícios da justiça gratuita”.
O relator do acórdão da 4ª Câmara, desembargador Dagoberto Nishina de Azevedo, ressaltou a diferença entre justiça gratuita e assistência judiciária e explicou que “a assistência judiciária é prestada, obrigatória e gratuitamente, pelo sindicato, ao trabalhador desempregado, ou que perceber salário inferior a dois salários mínimos, ou que declare a impossibilidade econômica de demandar, em razão de encargos pessoais ou de sua família (artigo 14, parágrafo 1º, da Lei nº 5.584/1970)”. Já o benefício da justiça gratuita, sublinhou o relator, “é direito de todo cidadão que necessite recorrer à Justiça do Trabalho e seja considerado necessitado, independentemente de estar assistido pelo seu sindicato, ou seja, basta que perceba salário inferior ao dobro do mínimo legal ou que declare estar em situação econômica que não lhe permita pagar as custas do processo, sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família (parágrafo único do artigo 2º, da Lei 1.060/1950, e artigo 790, parágrafo 3º, da CLT, com a redação dada pela Lei 10.537/2002)”.
O acórdão salientou que “dessa disparidade temos consequências diversas para o processo. Da assistência judiciária resulta a condenação do empregador sucumbente ao pagamento dos honorários advocatícios a favor do sindicato obreiro para custeá-la (artigo 16, da Lei nº 5.584/1970), enquanto que da justiça gratuita advém a isenção de taxas judiciárias, emolumentos, custas e honorários de perito e advogado (artigo 3º da Lei 1.060/1950 e artigo 790-A da CLT)”. No caso, o trabalhador requereu exclusivamente os benefícios da justiça gratuita, declarando-se “impossibilitado de arcar com as custas e despesas processuais”, e a decisão colegiada consentiu.
Quanto aos laudos, o acórdão concordou com o entendimento do juízo da primeira instância, que “desconsiderou o primeiro laudo, produzido por fisioterapeuta” e reconheceu o segundo, realizado por médico especializado, que “concluiu diversamente da primeira, pela inexistência de nexo de causalidade entre a moléstia que acomete o reclamante, síndrome de impacto, e o trabalho desenvolvido na empresa, por se tratar de doença degenerativa, inclusive, assintomática quando do exame físico”.
O acórdão concluiu, assim, em manter a sentença original, reformando apenas a decisão no que se refere aos benefícios da justiça gratuita, isentando o trabalhador do recolhimento de custas e pagamento dos honorários dos peritos, mantendo o valor arbitrado para aquele que investigou a insalubridade (R$ 800), mas modificando o valor dos honorários do perito médico, arbitrando-o em R$ 1.000, teto estabelecido na Resolução nº 66/2010 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. (Processo 0065500-45.2003.5.15.0008)
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