Mantida condenação por dano moral de montadora de automóveis que controlava uso do banheiro
Prejuízo psicológico do trabalhador também foi causado por
chacotas feitas por seus superiores, que, diante de um quadro
de depressão sofrido pelo reclamante, o apelidaram de “doidinho”
Por Ademar Lopes Junior
A reclamada é uma montadora de automóveis, localizada na região de Campinas. No recurso, o reclamante alegou que contraiu doença ocupacional e sofreu assédio moral. Por isso, pediu reintegração ao emprego e indenização por dano moral. A reclamada negou haver nexo de causalidade entre a doença e as atividades desenvolvidas pelo trabalhador na empresa.
A sentença da Vara do Trabalho de Indaiatuba reconheceu que o reclamante “fez tratamento médico durante o período em que trabalhava na reclamada, de setembro de 2005 até final de 2006”. Porém, salientou que “não ficou evidenciado o nexo da doença a que estava acometido com as atividades desenvolvidas na reclamada”. O juízo de primeira instância entendeu que, apesar dos argumentos do reclamante, de que “a mudança de turno causou-lhe problemas de insônia e, por consequência, acarretou-lhe a depressão, não ficou cabalmente comprovado que a moléstia teve origem neste ato da reclamada”. Até mesmo o perito confirmou que o trabalhador “não apresentava incapacidade laboral na data da dispensa”.
Quanto ao assédio moral, a sentença acolheu o pedido do trabalhador, que conseguiu provar, por meio de testemunhas, “a conduta abusiva do empregador, por meio de seus prepostos, apta a humilhar o empregado”. As testemunhas ouvidas informaram que “quando o reclamante foi acometido de depressão e se submeteu ao necessário tratamento médico, com afastamentos sucessivos, passou a ser motivo de chacota pelos líderes”. A sentença concluiu que “não foi o tratamento da reclamada que desencadeou a doença do reclamante, mas sim a doença do reclamante que gerou o tratamento desumano da reclamada”. Além disso, reconheceu que “a reclamada exorbitava o seu poder direção, restringindo o uso do banheiro e exigindo ritmo acelerado, demonstrando que estava preocupada unicamente com a produção/produtividade, mais uma atitude de desrespeito aos trabalhadores”.
A condenação imposta à empresa foi de R$ 15 mil em benefício do trabalhador, pelos danos de ordem moral causados pelas condutas arbitrárias praticadas pelo empregador. A reclamada não concordou e recorreu, argumentando que a condenação “encontra-se em dissonância com os fatos, provas coligidas nos autos e jurisprudência pertinente ao assunto” e ainda afirmou que “não concorreu para o suposto dano”, mas que “apenas disciplinou o uso dos banheiros pelos empregados para atender à necessidade da produção e evitar acidentes”.
O relator do acórdão da 3ª Câmara, desembargador José Pitas, entendeu que “as provas coligidas aos autos, consistentes nos depoimentos colhidos em audiência, são robustas para sustentarem o prejuízo de ordem moral de que teria sido vítima o autor permanente e reiteradamente ao longo do tempo de vigência do contrato de trabalho”. Seguindo o voto do relator, a Câmara concluiu que “o julgado a quo condenou a reclamada ao pagamento de indenização a título de danos morais não em virtude de assédio moral, que reputou ter a finalidade específica de desestruturar o empregado e o forçar a se desligar do emprego, mas, sim, decorrente da conduta abusiva do empregador por meio dos líderes da turma de trabalho da qual fazia parte o obreiro, os quais o humilhavam, desferindo-lhe chacotas relacionadas com a doença depressiva que o acometia e provocava afastamentos, e, bem assim, por constatar exorbitância no poder de direção da ré, que restringe o uso do banheiro com a clara finalidade de promover a produção industrial em ritmo acelerado”.
O acórdão considerou que os depoimentos das testemunhas, tanto as trazidas pelo trabalhador, quanto as apresentadas pela ré, evidenciaram “o exacerbamento do exercício do poder diretivo da empregadora, conduta ilícita por abuso de direito, a teor do artigo 187 do Código Civil, que demanda reparação pecuniária”. A decisão destacou, da testemunha do empregado: “(...) que os líderes comentavam em alto tom para os demais colegas ouvirem que o reclamante não estava querendo trabalhar; que os colegas de trabalho chamavam o reclamante de doidinho, por causa dos afastamentos, (...) que os líderes também chamavam o reclamante por esse apelido (...)”. Já a testemunha da empresa confirmou que havia procedimento para o empregado ir ao banheiro. Ele deveria “puxar uma cordinha e aguardar um suporte”, mas “quando havia suporte duas pessoas poderiam ir ao banheiro ao mesmo tempo”. A testemunha negou que exista limitação de tempo ou de número de idas ao banheiro, mas confirmou que “se houver demora a chefia vai verificar o que aconteceu” e que “o procedimento para tomar água é o mesmo”.
A decisão colegiada destacou que “conquanto se mostre imprescindível ao efetivo e regular desenvolvimento da atividade da ré, consistente na produção de automóveis, em cuja linha de produção trabalham, constante e incansavelmente, como no caso em debate, grupos de operários incumbidos de três fases da montagem (tapeçaria, chassis e fase de acabamento), a regulamentação empresarial quanto ao controle das pausas eventualmente necessárias à recomposição da higiene e saúde do trabalhador não pode ocorrer de tal forma que se consubstancie em ofensa à privacidade do indivíduo e, quiçá, redunde em constrangimento”. A decisão concluiu que a reclamada, “com o objetivo de otimizar a produção, serve-se de regulamentos de empresa que, além de extrapolarem o bom-senso, desumaniza as relações no ambiente de trabalho, tornando-se passível até mesmo de presunção, no caso ora examinado, a dor moral experimentada pelo trabalhador”. Em conclusão, o acórdão da 3ª Câmara manteve a sentença nesse aspecto, que condenou a empresa a pagar indenização de R$ 15 mil ao trabalhador vítima de assédio moral. (Processo 0230000-76.2007.5.15.0077)
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