Mantida justa causa de auxiliar de enfermagem que quase aplicou numa criança soro com data de validade vencida
Por Ademar Lopes Junior
A reclamante trabalhou como auxiliar de enfermagem num hospital de Louveira, de 5 de abril de 2006 a 25 de maio de 2009, quando foi dispensada por justa causa, após uma sindicância interna, depois que o pai de duas crianças percebeu e alertou a tempo a trabalhadora, que se preparava para aplicar nelas soro com data de validade vencida. A própria auxiliar de enfermagem avisou o responsável pelo controle dos medicamentos (supervisor da farmácia) e também o médico. Segundo informa a trabalhadora, o supervisor disse que “não havia problema na medicação visto que ela não estava vencida havia mais de três meses”. O médico, porém, determinou a substituição do medicamento, e a auxiliar de enfermagem acatou as suas ordens e passou a ministrar soro dentro da validade.
O hospital reconheceu que o fato foi gravíssimo e por isso dispensou a trabalhadora por justa causa. Para ela, não houve culpa de sua parte, mas sim do pessoal da farmácia, responsável pelo controle de validade. Ela também afirmou que “nunca foi orientada por seus superiores hierárquicos a fazer verificação diária da validade de medicamentos”. Diante de outro equívoco ocorrido no hospital, a reclamante alegou que “houve a orientação somente em relação ao pessoal da enfermagem do turno da noite, que, por cooperação, deveriam observar os prazos de validade dos remédios, haja vista a falta de tempo do pessoal do turno diurno”.
A auxiliar de enfermagem considerou injusta a dispensa por justa causa e ingressou com ação trabalhista, pedindo, entre outras, verbas e indenização por danos de ordem moral. Ela afirma nos autos que se sente “humilhada pelo erro cometido pela reclamada” e acrescenta que o caso tornou-se notícia em periódico local, o que “aumentou o constrangimento e a humilhação”. Segundo ela, essa exposição justificaria o pedido de indenização por dano moral.
O hospital se defendeu culpando a trabalhadora pela falta grave, “devidamente apurada em sindicância interna, que conclui pela culpa dela e de outros funcionários no evento, sendo que todos foram dispensados por justa causa”. Negou a humilhação ou constrangimento para a reclamante e salientou que “a notícia veiculada na imprensa não foi postada pela reclamada, que jamais teria interesse em veicular uma notícia que abala a própria instituição”, mas partiu dos pais da criança internada, em quem a auxiliar de enfermagem chegou a iniciar a aplicação do medicamento vencido.
A sentença da 1ª Vara do Trabalho de Jundiaí reconheceu que não houve na reportagem jornalística nenhuma menção nominal à reclamante, reproduzindo apenas “os fatos ocorridos, não podendo ser considerada ofensiva ou leviana”. A decisão de primeiro grau também reconheceu que o hospital, diante do resultado da sindicância interna, tomou a decisão que entendeu correta, “dentro dos limites de seu poder de direção, que inclui o poder de punição”. O juízo também entendeu que “não houve a demonstração de quais atos ilegais teriam sido cometidos pela reclamada a ensejar a indenização por dano moral” e, por isso, indeferiu o pedido da trabalhadora.
A auxiliar de enfermagem recorreu, alegando cerceamento de defesa e, também, reiterou pedido de indenização por danos morais. O relator do acórdão da 10ª Câmara do TRT, desembargador José Antonio Pancotti, a respeito do cerceamento de defesa alegado pela reclamante, afirmou que esta não tem razão, “porque a oitiva de testemunhas em nada alteraria o desfecho da demanda, mesmo porque os argumentos da peça de ingresso e a documentação que a acompanha delinearam de modo suficiente o contexto fático para a formação da convicção do magistrado”.
Quanto à indenização, o acórdão também rejeitou a pretensão da trabalhadora, ressaltando deveres e proibições para o exercício da profissão de enfermagem, com base no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem (Resolução Cofen 311/2007 – 12/5/2007).
O acórdão ressaltou que “a Enfermagem é uma profissão comprometida com a saúde e qualidade de vida da pessoa, família e coletividade” e que “o profissional de enfermagem atua na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, com autonomia e em consonância com os preceitos éticos e legais”, e, por isso, “não se concebe o desleixo, a falta de zelo, de eficiência e de cuidado na sua profissão, quando aplicou medicamento com prazo de validade vencida em paciente”.
O acórdão lembrou que não dá para “querer justificar o injustificável” e afirmou que “é obrigação do profissional que vai aplicar a medicação observar o prazo de validade” e que não procede o argumento da trabalhadora de que “a responsabilidade era do médico ou do supervisor da farmácia”. O acórdão também esclareceu que uma das vedações do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem é “administrar medicamentos sem conhecer a ação da droga e sem certificar-se da possibilidade dos riscos”. Quanto aos deveres, frisou o de “proteger a pessoa, família e coletividade contra danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência por parte de qualquer membro da Equipe de Saúde”.
Quanto à exposição na mídia, a decisão colegiada ressaltou que esta “vem noticiando invariavelmente negligência de profissionais de saúde, com condutas semelhantes ou pior que o contexto revelado por estes autos”, mas que, no caso, “felizmente, um pai atento, impediu que o pior ocorresse”. E por tudo isso, decidiu a 10ª Câmara negar provimento ao recurso da auxiliar de enfermagem e manter intacta a decisão de primeiro grau. (Processo 0212600-12.2009.5.15.0002-RO)
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