Palestrantes associam condições de trabalho no campo a direitos fundamentais

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Por José Francisco Turco

Após as discussões sobre a tecnologia no meio rural, as atenções se voltaram para as “questões relativas ao meio ambiente do trabalho no campo”, tema do 1º Painel do XV Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural. A apresentação dos palestrantes foi feita pelo presidente da 4ª Câmara do TRT, desembargador José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza. O magistrado qualificou o assunto como “extremamente palpitante” e alvo das atenções no momento. Lembrou que a Constituição Federal, que completou nesta quinta-feira (5/10) 23 anos de promulgação, proíbe o trabalho degradante, ainda presente em algumas atividades.

Primeiro palestrante foi Erivelton Fontana De Laat, que é graduado em Educação Física pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e mestre em Engenharia de Produção, com ênfase em Ergonomia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É ainda professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste, campus Irati e especialista no tema atividade física e saúde do trabalhador.

O expositor destacou que produziu sua tese de doutorado, denominada Trabalho de Risco na Cana de Açúcar, a partir de uma imersão no trabalho desses profissionais, fazendo uma analogia entre a atividade dos canavieiros e o esporte, principalmente o de alto rendimento.

Ele ressaltou que tanto em um caso como em outro, acontecem mortes. As ocorridas no trabalho com a cana já são conhecidas e acontecem principalmente pela chamada hipertermia grave, causada pelo excesso de calor sofrido pelo organismo. O mesmo mal, atinge os esportistas, disse o palestrante, lembrando que nos últimos anos foi atestada a morte de 21 jovens atletas profissionais do futebol americano, além daquelas verificadas com maratonistas. Ele enfatizou que o problema é agravado por situações que não podem ser controladas, como o aumento das temperaturas. Nessa linha, exibiu dados da Organização das Nações Unidas, divulgados em 2010, comprovando que os dez anos anteriores foram os mais quentes no planeta, desde que essas temperaturas começaram a ser medidas. “Essa é uma realidade que não vai voltar”, lamentou.

O expositor evidenciou que para o estudo que fez com os trabalhadores da agricultura utilizou equipamentos como o frequencímetro e um programa de computador que media movimentos como torções de tórax, arremessos e levantamentos, todos relacionados com o manuseio da cana. Estudo feito para embasar se trabalho científico também contou com um exame apropriado de sangue que apontou desgaste físico em 75% dos trabalhadores examinados.

O palestrante também realçou que o trabalho foi feito basicamente feito no campo, diferentemente de outros estudos feitos anteriormente e que usaram como parâmetro outros ambientes de trabalho e que acabaram por nortear parte da legislação em vigor. Entre as soluções que o estudioso propôs para a minimização dos riscos dos trabalhadores da cana, está o fim do pagamento por produção e a adoção de sistema de monitoramento de sobrecarga térmica.

Direito deve dialogar com o conhecimento

Coube à advogada Norma Sueli Padilha a 2ª exposição. Ela é doutora e mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Professora permanente do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Católica de Santos (Unisantos) e professora adjunta da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), é autora de diversas obras e artigos na área do Direito Ambiental do Trabalho, como, por exemplo, "Do meio ambiente do trabalho equilibrado" (Editora LTR, 2002) e "Fundamentos constitucionais do Direito Ambiental brasileiro" (Editora Campus/Elsevier, 2010)R, 2006) e "Poder e Sujeição – Os fundamentos da relação de poder entre capital e trabalho e o conceito de subordinação" (LTR, 2003).R, 2011), entre outros trabalhos.
Em sua palestra destacou que a revolução tecnológica é um tema relativamente novo que afeta a todos e que está colocando também o mundo do direito em cheque. Lembrou que vivemos no campo uma situação de trabalho muito próxima da escravidão. Diferentemente dos esportistas, disse, o trabalhador do campo não tem escolha e acaba precisando se submeter a condições degradantes.

Ele ressaltou ainda que o risco tecnológico invadiu todos os campos da vida social. “Não estamos evoluindo moralmente em relação ao nível tecnológico no agronegócio”, ponderou. Segundo ela, as maiores vítimas desse processo são os trabalhadores não qualificados e o meio ambiente. “Precisamos ampliar essa proteção para outros mecanismos além da proteção ao trabalho”, defendeu, reforçando a necessidade de o Direito do Trabalho usar os mecanismos do Direito Ambiental, “que é transversal e que está presente em tudo, tendo como um de seus pilares, o princípio da proteção”. Para ela, o mal causado pelo desrespeito ao trabalhador não é pago com adicionais, mas sim com a saúde dele mesmo e concluiu enaltecendo a importância de se respeitar sempre o princípio da proteção. “O Direito deve manter constantemente um diálogo com o conhecimento”, preconizou.

Proteção ao trabalhador rural vem avançando na Justiça do Trabalho

O desembargador Lorival Ferreira dos Santos, vice-presidente judicial do TRT-15, e especialista em Direito das Relações Sociais pelo Centro de Pós-Graduação da Instituição Toledo de Ensino de Bauru, fez a palestra de encerramento do Painel. Ele é mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Paulista (Unip) e professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Campus Campinas.

O desembargador, que baseou sua reflexão no princípio da dignidade da pessoa humana, lembrou os fundamentos sobre os quais nasceu o direito do trabalho, em uma época em que mulheres e crianças trabalhavam 10, 12 ou até 14 horas por dia.

Disse que toda a discussão sobre as condições de trabalho no campo deve ser feita pela ótica da proteção da vida. Lembrou ainda que os direitos do trabalhador no campo chegaram atrasados, em relação aos das cidades.

Entre os flagelos que ainda hoje atingem os trabalhadores rurais, destacou os acidentes com os ônibus que os transportam. Esses veículos, em geral, são “fora de padrão” e passam a ser utilizados na lavoura quando já não servem mais para o transporte urbano, alertou. Até tratores são usados no transporte de pessoas. Segundo o magistrado, em muitos casos, esses são os mesmos veículos que fazem o trabalho de aplicação de agrotóxicos.

O desembargador realçou que entre todos os trabalhadores rurais, os que mais causam preocupação são mesmo os canavieiros. “Com toda a evolução tecnológica eles trabalham na mesma sistemática de 100 anos atrás. O desembargador concluiu comentando decisões da 15ª que garantiram aos trabalhadores do campo intervalo igual aos digitadores e a concessão de adicional de insalubridade, baseado no calor a que o trabalhador fica exposto, entre outras decisões do Regional. “Temos que lançar um novo olhar sobre o problema”, sentenciou Lorival.

Fazendo uma costura entre as três palestras, José Pedro enalteceu os expositores e recomendou que a Justiça do Trabalho deve ter a preocupação de escapar da costumeira luta entre capital e trabalho. É necessário que se acabe com a monetarização do sofrimento do trabalhador e buscar o entendimento, a conciliação e, consequentemente, a paz no meio ambiente do trabalho.

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Comunicação Social