Saúde do trabalhador: em palestra na Escola Judicial, juiz da 15ª propõe nova forma de tratar o tema
Por Ademar Lopes Junior
A palestra do período da tarde do penúltimo dia da 5ª Semana Temática da Escola Judicial lotou o Auditório 1 da Escola Judicial do TRT da 15ª Região e boa parte do Auditório 3, ambos no 3º andar do edifício-sede do Tribunal, reunindo ao todo 32 juízes em processo de vitaliciamento e 61 servidores. A palestra “A saúde do trabalhador como um direito humano”, ministrada pelo juiz titular da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara, José Antonio Ribeiro de Oliveira Silva, revelou um olhar inovador do magistrado, que defendeu posições controvertidas mesmo entre os colegas do Direito do Trabalho.
O palestrante, que é mestre em Direito Obrigacional Público e Privado pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) e doutor em Direito Social pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha), não escondeu que defende teses modernas no Direito e conclamou principalmente os colegas magistrados a acompanhá-lo no raciocínio que propõe mudança de paradigmas. Essas mudanças, segundo o juiz, surgiram com a Emenda Constitucional 45, em 2004, que alterou a “dinâmica da Justiça do Trabalho”. O magistrado salientou que, ao lidar com questões apenas patrimonialistas (verbas trabalhistas), “os juízes não atentavam (antes da EC 45) para o próprio trabalhador, sua vida, sua saúde, que é o bem essencial a ser preservado”, e por isso afirmou que “o magistrado deve ter outra visão das horas extras e da sobrejornada, reconhecendo aí não mais uma questão trabalhista, mas algo maior, causa de doenças do trabalho”.
O juiz Oliveira Silva bateu várias vezes na tecla de que existe uma relação entre excesso de produtividade e doença de trabalho, apontou a atuação dos peritos médicos que falham quando produzem laudos descontextualizados, afirmou que é preciso desconstruir os laudos médicos que insistem em nexos etiológicos (que apontam apenas uma única razão da doença) e não buscam os nexos causais, defendeu a perícia no local do trabalho feita principalmente por engenheiros, lembrou que os acidentes de trabalho surgem muitas vezes de um somatório de causas e elogiou o instituto do nexo técnico epidemiológico, que inverteu o ônus da prova, responsabilizando o empregador, nos casos de acidente do trabalho.
Dados estatísticos foram também fartamente apresentados, tecendo o pano de fundo da palestra. Apenas no ano de 2008, no Brasil, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho, foram registrados 545.268 acidentes com comunicação de acidente de trabalho (CAT) e 202.395 sem CAT. No período de 2006 a 2008, aumentaram em 586% os casos de LER/DORT, e, num país onde crescem as políticas públicas de combate a doenças como a dengue, que só em 2005 matou 45 pessoas, contra 2.708 vítimas fatais de acidentes do trabalho (no mesmo período), o palestrante chamou a atenção dos colegas para a “epidemia de acidentes do trabalho em que vivemos”, o que, segundo ele, exige “do juiz pelo menos a tentativa de mudar esse quadro”.
Apesar de reconhecer “abuso nas demandas de acidente do trabalho na Justiça do Trabalho”, o palestrante defendeu a tese de que a responsabilidade do empregador é sempre objetiva, o que ele interpreta da leitura do artigo 2º da CLT. O juiz conclamou os colegas a “caminhar para a objetivação da responsabilidade na Justiça do Trabalho” e deixar de analisar as verbas trabalhistas apenas do ponto de vista do patrimônio, mas da saúde do trabalhador.
O magistrado afirmou que não dá para aceitar mais uma visão patrimonialista, fruto de interpretações calcadas no Código do Processo Civil, muitas vezes considerado mais importante que a própria Constituição Federal, afirmou Oliveira Silva. Segundo ele, vários estudos feitos em universidades brasileiras comprovam que, quanto maior a jornada de trabalho, maior o número de acidentes. O palestrante salientou que já se comprovaram as condições desumanas em alguns setores, como os frigoríficos (onde os trabalhadores em linha de produção chegam a fazer com as mãos 54 movimentos diferentes por minuto no corte de aves) e também no corte de cana-de-açúcar, em que um trabalhador “é premiado com cestas básicas de R$ 85 quando atinge 12 toneladas dia”. Ele lembrou que, nesses dois campos de trabalho, a vida útil do trabalhador é de 5 anos (nos frigoríficos) e de 12 anos no corte de cana (estudo da Unesp revelou que, no passado, a vida útil dos escravos brasileiros era de 20 anos).
O magistrado também se referiu ao efeito Karoshi, estudado no Japão nos anos 1980, que atestou a íntima relação do excesso de trabalho com a morte súbita. Os estudos comprovaram que as vítimas do “Karoshi” sofriam com a exigência da alta produtividade e a grande competitividade e registravam em média jornadas de trabalho de 11 horas diárias (cerca de 3 mil horas por ano). Para o palestrante, jornadas de 11 horas não são desconhecidas dos brasileiros (inclusive dos próprios magistrados), o que reforça seu discurso pela objetivação da responsabilidade.
O juiz concluiu que a Constituição Federal não impede a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva na Justiça do Trabalho. Para ele, as garantias da Carta Magna aos trabalhadores são “um mínimo de direitos”, mas não impedem outros, podendo assim ser ampliados com uma interpretação que tenha como principal objetivo a saúde do trabalhador e um ambiente de trabalho e condições mais equilibrados.
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