Servidor dispensado por reclamar com o prefeito por falta de botinas será readmitido
A relatora do acórdão entendeu que o trabalhador apenas teve
a coragem de, sozinho, realizar um protesto para melhorar sua
condição de trabalho, com os meios que lhe são permitidos
Por Ademar Lopes Junior
Há mais de um ano o funcionário da Prefeitura de Cajati não recebia botinas novas para o trabalho, e por isso resolveu protestar. Inconformado com a falta de sapatos próprios e equipamentos de proteção individual, o trabalhador, de chinelos, ao chegar à escola onde deveria efetuar serviços de capinagem, se negou a iniciar o serviço e se dirigiu à garagem da Prefeitura, onde pretendia protestar. Afinal, como ele mesmo afirmou nos autos, tinha direitos “por ser funcionário público como o prefeito, ainda que na condição de braçal”. Encontrou ali o prefeito da cidade e não teve dúvidas, falou tudo. O trabalhador só queria defender os seus direitos, e por isso disse que “poderia realizar o serviço, mas estava sem equipamentos de proteção individual, e achava que o serviço na Prefeitura não funcionava por causa da bagunça e abandono”.
O prefeito não gostou da sinceridade do subordinado, e depois de uma discussão com o trabalhador, deu ordens para que fosse afastado por 30 dias, sem prejuízo da sua remuneração. Durante os seis anos em que prestou serviços à Prefeitura, após ter sido aprovado em concurso público, o trabalhador jamais tinha sofrido nenhuma outra punição (advertência ou suspensão) por questões disciplinares. Coincidência ou não, no dia seguinte à discussão com o prefeito, foram distribuídas botas aos colegas de trabalho. Para o trabalhador, não resta dúvida de que isso demonstra que ele “tinha razão quanto à necessidade da substituição do referido equipamento de proteção, e que não teve intenção de desacatar o prefeito, mas reivindicar um direito”.
No dia 5 de março de 2008 foi instaurado um Processo Administrativo contra o trabalhador, com o objetivo de apurar irregularidades contra o regime disciplinar a que alude a Lei Municipal nº 061/1993, cuja decisão foi sua demissão por justa causa. O trabalhador não concordou, e afirmou que “o procedimento administrativo é totalmente nulo”, uma vez que “não especifica qual seria a irregularidade cometida”, e se baseia em um boletim de ocorrência policial. Ele ainda salientou que sem conclusão desse boletim, não havendo comprovação de qualquer tipo penal, “o processo administrativo referido deveria ter sido arquivado”. Lembrou também que o processo administrativo concluiu pela prática de ato de insubordinação, porém, o boletim de ocorrência não se manifestou sobre nenhum ato desse tipo. E por tudo isso pediu à Justiça a anulação do processo, e consequentemente, de sua dispensa.
Na Vara do Trabalho de Registro, onde correu a ação trabalhista, as testemunhas confirmaram a ocorrência do fato, “inclusive no tocante à falta de alguns equipamentos de proteção e a cobrança que faziam para a substituição de botinas, divergindo apenas com relação a alguns detalhes das palavras utilizadas pelas partes”.
Quanto à dispensa, o Juízo de primeira instância entendeu que esta se baseou em “provas produzidas no mencionado Processo Administrativo, as quais, no entender da autoridade administrativa, demonstraram suficientemente que aquele, efetivamente, cometeu a falta grave”. A sentença ressaltou também que não se constatou a inobservância dos aspectos relacionados à regularidade formal do processo disciplinar, que atendeu aos demais ditames legais, e que “a única forma válida de despedimento do ora reclamante é aquela decorrente de justo motivo, apurado mediante Processo Administrativo, assegurado o contraditório e a ampla defesa”. Para o Juízo de primeira instância, “nos atos discricionários o objeto fica na dependência da escolha do Poder Público (mérito administrativo), não se podendo substituir em tal elemento o critério adotado pela Administração por pronunciamento do Judiciário, pois isso importaria em revisão de aludido mérito, sem qualquer fundamento em lei”, e por isso concluiu que “não há elementos nos autos que possam autorizar a declaração de sua nulidade”, o que impede ao trabalhador “qualquer direito à reintegração no emprego”.
Com relação aos outros pedidos, a sentença julgou-os parcialmente procedentes, condenando o reclamado a pagar as verbas. Inconformado, o reclamante recorreu.
A 9ª Câmara do TRT julgou o recurso do trabalhador, que alegou ter sido a decisão proferida de forma equivocada, “pois ainda que garantidos o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo, pode o Judiciário analisar a plausibilidade da pena de demissão por justa causa aplicada, que no caso revelou-se excessiva”.
A relatora do acórdão, desembargadora Elency Pereira Neves, entendeu que a história toda girou em torno de “um trabalhador braçal que não se recusou a trabalhar, mas apenas teve a coragem de, sozinho, realizar um protesto para melhorar sua condição de trabalho, logicamente com os meios que lhe são permitidos”, e acrescentou que “agiu de forma desmedida o administrador público que, ao se deparar com um trabalhador braçal de chinelos, dizer que o mesmo deveria voltar para a casa se não quisesse laborar, ao invés de averiguar se efetivamente o município não estava sendo negligente na concessão dos equipamentos de proteção aos trabalhadores”. O acórdão destacou ainda que pelo depoimento do prefeito, este disse que “certamente estaria disposto a perdoar o ora reclamante”.
Em conclusão, o acórdão considerou as provas dos autos, mas sobretudo ressaltou tratar-se de um trabalhador braçal, sem nenhum antecedente funcional, e ainda que a autoridade superior “não se sentiu ofendida com a discussão travada na garagem da Prefeitura”, e por isso decidiu afastar a justa causa aplicada ao reclamante e determinar a sua reintegração aos quadros da Prefeitura na função de origem, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 100. A decisão colegiada dispôs também que o reclamado deverá “pagar os salários do período, com as vantagens concedidas ao cargo durante o afastamento, desde a data da demissão até a efetiva reintegração, além dos direitos inerentes ao contrato de trabalho (13º salário, férias, FGTS, contribuição previdenciária)”. Mas afirmou “não ser devido o pagamento de indenização por danos morais, porque a reparação da lesão está sendo feita com a reversão da justa causa e o recebimento das vantagens do período em que não trabalhou, decorrente da dispensa ora declarada nula”. (Processo 0116300-78.2009.5.15.0069 RO)
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