Supermercado terá de indenizar trabalhador obrigado a se despir para ser submetido a revista
Por Ademar Lopes Junior
O reclamante foi contratado em primeiro de setembro de 2004 pela empresa, um supermercado na cidade litorânea de Peruíbe, para prestar serviços de operador de computador, mas foi dispensado em 2 de outubro de 2007. O supermercado argumentou que a extinção contratual decorreu de pedido de demissão pelo trabalhador por ter obtido “êxito em concurso e relegou o trabalho junto a reclamada”, porém não conseguiu provar, “uma vez que a prova testemunhal não soube informar sobre o motivo da dispensa”, o que embasou a sentença do Juízo da Vara do Trabalho de Itanhaém a reconhecer o término do contrato de trabalho por iniciativa do próprio empregador, justificando o deferimento das verbas pedidas pelo reclamante.
O principal pedido do trabalhador na ação que moveu contra o supermercado, porém, foi o de danos morais. Ele conta que em, 7 de agosto de 2006, foi acusado, com mais três funcionários (um deles o filho do proprietário) de ter se apropriado indevidamente da quantia de R$ 3.230.
A direção do supermercado não teve dúvida, e levou todo mundo para um quarto, onde o reclamante foi submetido a revista pessoal, “sendo obrigado a se despir, ficando apenas com roupa íntima, em situação constrangedora e vexatória diante dos colegas de trabalho”. A primeira testemunha do reclamado confirmou que foi imputada ao reclamante a autoria do delito relativo à apropriação do dinheiro do caixa, e afirmou que “os 4 funcionários foram responsabilizados pelo sumiço do dinheiro”, entre eles o reclamante, e “chegaram a ir para a delegacia”. Já a testemunha do trabalhador, uma mulher, uma das acusadas do delito, disse que, “saiu da sala no momento em os outros três foram revistados, chegando a ouvir o gerente dizer para eles tirarem a camisa e abaixarem as calças”. Uma segunda testemunha do reclamado confirmou que “os três inclusive o reclamante foi quem ‘agitou’ na hora entraram em consenso que teriam que ser revistados e o foram; que somente levantaram as roupas não ficando de roupas íntimas; que os próprios funcionários se revistaram”.
O trabalhador comunicou o fato à autoridade policial, sendo registrado boletim de ocorrência sob o título de constrangimento ilegal. Ele diz que, “além da humilhação sofrida, houve atraso no pagamento de seu salário por quinze dias, o que provocou a inclusão de seu nome nos serviços de proteção ao crédito”. Ressalta o trabalhador, ainda, que o valor em questão foi dividido entre os quatro acusados e descontado em dez parcelas.
A empresa se defendeu, dizendo que o montante desaparecido correspondia à “sangria” do caixa, “sendo solicitada a presença dos empregados do setor, os quais nada esclareceram sobre o ocorrido”, porém, ela negou que tenha feito revista pessoal, nega que o reclamante tenha se despido e nega ter imputado a autoria do delito a ele.
Indignado, o reclamante pediu na Justiça do Trabalho indenização por dano moral no valor de 500 salários mínimos. A sentença reconheceu que o comportamento do empregador foi “abusivo”, “seja em razão da revista pessoal efetivada de forma vexatória, seja em razão da acusação pela prática do delito, sem qualquer prova de autoria”, e arbitrou em R$ 15 mil a indenização por dano moral, ressaltando que “o valor pretendido pelo obreiro (quinhentos salários mínimos) mostra-se excessivo e desproporcional ao dano sofrido”.
Inconformado com a sentença, recorreu o reclamado, pretendendo a reforma da sentença que deferiu a indenização por dano moral, sustentando que “o reclamante não sofreu constrangimento”. Para a relatora do acórdão da 5ª Câmara do TRT, desembargadora Maria Madalena de Oliveira, “a discussão cinge-se à possibilidade ou não de o empregador, por possuir o direito de propriedade, realizar revista pessoal em seus empregados”. Ela destaca que em tais casos, há “um conflito entre dois direitos fundamentais, quais sejam: direito à intimidade versus direito à propriedade, ambos assegurados pelo artigo 5º, da Carta Política, incisos X e XXII, respectivamente”.
O acórdão apresentou uma vasta relação de métodos de interpretação, bem como determinados princípios específicos de interpretação constitucional, porém, para dirimir a questão relativa à colisão de direitos fundamentais, valeu-se do princípio da unidade da Constituição, segundo o qual: “o texto de uma Constituição deve ser interpretado de forma a evitar contradições (antinomias) entre suas normas e, sobretudo, entre os princípios constitucionalmente estabelecidos. O princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar”.
A decisão salientou que “para a dissolução do conflito, necessariamente, um direito irá prevalecer sobre o outro”. E num “juízo de ponderação para que se verifique qual direito deve prevalecer”, ressaltou que “o poder diretivo e fiscalizador do empregador assegurado pela CLT (art. 2º), não é ilimitado, há de ser moderado e exercido sem abusos para com a pessoa do empregado, pois ele não retira do trabalhador a sua condição de cidadão, possuidor de direitos, dentre eles o de ser respeitado na sua intimidade e vida privada”.
O acórdão também reconheceu que “a revista pessoal no ambiente de trabalho encontra limites em nosso ordenamento jurídico, porque não se tolera a prática de atos que violem os direitos da personalidade dos empregados, apesar de não existir unanimidade acerca dessa matéria em nossos tribunais”. Na hipótese dos autos, configurou-se “a prática de ato ilícito por parte da reclamada em total desrespeito à privacidade e à intimidade do trabalhador”.
A decisão colegiada salientou ainda que “nos dias atuais, diante do avanço tecnológico, o empregador possui meios para proteger seu patrimônio de maneira mais apropriada, adequada, a custo relativamente baixo, sem constranger seus trabalhadores”, e como exemplo, citou “o monitoramento visual, quer o realizado por câmeras de vídeo (filmagens por meio de circuito interno) ou através de vidros espelhados, desde que não posicionados em locais efetivamente reservados à intimidade dos empregados, com prévia ciência dos trabalhadores e observado o sigilo das imagens”.
Em conclusão, o acórdão negou provimento ao recurso do supermercado e manteve o valor arbitrado na origem a título de reparação por dano moral, R$ 15 mil, “considerando a lesão, a intensidade do sofrimento e as demais circunstâncias pessoais e econômicas emergentes dos autos”. (Processo 0105400-22.2007.5.15.0064)
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