Câmara mantém condenação de usina, de empresa e de intermediador de mão de obra por dano coletivo

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Por Ademar Lopes Junior

     A 8ª Câmara do TRT 15 manteve praticamente na íntegra sentença do juízo da Vara do Trabalho de Dracena, que condenou uma usina e uma empresa, ambas do ramo sucroalcooleiro (cujo capital social de ambas soma cerca de R$ 60 milhões), além de um intermediador responsável por aliciar cerca de 45 homens de Minas Gerais para o corte de cana-de-açúcar e mantê-los em condições inadequadas de moradia e trabalho. Os três réus foram condenados ao pagamento de indenizações que somam mais de R$ 400 mil por danos morais individuais e coletivos, além de danos materiais. Uma liminar deferida pelo juízo da VT de Dracena garantiu ainda o retorno dos imigrantes à cidade de origem, em Minas Gerais.

     A prática de aliciamento de trabalhadores de outro estado para o corte de cana na região de Dracena foi denunciada pelo Ministério Público do Trabalho em ação civil pública, e o juízo da VT local julgou procedentes todos os pedidos.

     A sentença condenou as duas empresas ao pagamento de indenização por danos morais a cada trabalhador prejudicado, no valor de R$ 5 mil para cada um, e por danos morais coletivos, no valor de R$ 100 mil. Condenou também solidariamente as empresas e o aliciador ao pagamento de indenização por danos materiais, decorrentes das despesas de transporte e alimentação, no valor de R$ 300 por trabalhador, além dos danos materiais consistentes nas verbas rescisórias. Por fim, condenou o recrutador, individualmente, ao pagamento de indenização por danos morais em benefício de cada trabalhador prejudicado, em valor arbitrado de R$ 1 mil por pessoa, e também indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 30 mil.

     O relator do acórdão da 8ª Câmara, desembargador Flavio Nunes Campos, ressaltou que "o aliciamento de trabalhadores por meio de migração ilegal de mão de obra acarreta injusta lesão à esfera moral da comunidade e violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos, bem como afronta aos direitos trabalhistas dos trabalhadores e à personalidade de cada um deles". Salientou também que a prática "caracteriza ofensa à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho, preceitos constitucionais", e que "tal conduta é ofensiva ao espírito de sociedade".

     As empresas se defenderam, afirmando que não participaram, de nenhuma forma, no processo de migração dos trabalhadores, nem prometeram a eles emprego, transporte ou moradia. Alegaram também que não deram autorização ao recrutador (também conhecido como "gato") para contratar os cortadores de cana. Segundo o que consta dos autos, o intermediador teria se apresentado como gerente administrativo da usina no momento de contratar os trabalhadores. A usina negou, dizendo que ele era "responsável apenas pelo transporte de trabalhadores, não detendo poderes para representar as empresas ou recrutar trabalhadores".

     O funcionário ("gato") também negou que tivesse procurado os trabalhadores, afirmando "que foi procurado por um deles e questionado se conseguiria trabalho para todos, ao que respondeu que não poderia garantir, mas que tentaria". Ele afirmou também que todos "vieram por conta própria, sem que houvesse garantia de que os trabalhos existiriam, nem mesmo que houvesse local para todos residirem". Por isso, sustentou que "não pode ser responsabilizado pela situação vivida pelos migrantes".

     No recurso das empresas, elas pediram a exclusão da sua responsabilidade nas indenizações e ainda, se mantida a condenação, a limitação da indenização a apenas 20 trabalhadores. A 8ª Câmara entendeu que "o juízo de origem se mostrou muito perspicaz ao observar pequenos detalhes que enfraquecem muito as teses trazidas aos autos pelas recorrentes". Dentre elas, o acórdão ressaltou que, "embora as recorrentes aleguem que o contrato de transporte seria encerrado em razão da dispensa de duas ou três turmas, não apresentaram nos autos qualquer documento que confirme tais assertivas, como termos de rescisões contratuais de trabalho ocorridas à época dos fatos". A Câmara entendeu também que "o fato de as recorrentes terem realizado todo o processo admissional de 15 dos migrantes aniquila qualquer alegação de que haveria dispensa de mão de obra em razão do fim da colheita, vez que o comportamento das recorrentes apontam em sentido absolutamente contrário". Por fim, as empresas afirmam que optaram pela não contratação dos 15 candidatos que realizaram exames admissionais porque "diversos deles tinham problemas de saúde, e a atividade do corte de cana podia agravar a situação". Para a 8ª Câmara, isso confirma que as recorrentes "estavam contratando trabalhadores para atividade de colheita, que, conforme dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), naquela região inicia-se no mês de abril". A própria contratação de transporte de trabalhadores, assinada em 22 de março de 2010, por prazo indeterminado, "afronta a tese defensiva de que haveria dispensas", acrescentou o acórdão.

     Para o colegiado, ficou "evidente que as recorrentes estavam contratando trabalhadores para o corte de cana, cujo período de colheita estava se iniciando", e, com autorização prévia ou com concordância posterior, ficou confirmado o recrutamento de mão de obra pelo "gato", "em nome das recorrentes, o que se confirma pela aquiescência destas com as indicações e consequente realização de procedimentos pré-admissionais", salientou o acórdão.

     Segundo concluiu a Câmara, "é irrelevante se as recorrentes estavam ou não cientes dos métodos adotados por seu preposto, vez que o empregador é responsável por todos os atos praticados por seus prepostos, nos termos do inciso III do artigo 932 e do artigo 933, ambos do Código Civil".

     Em conclusão, e para reforçar a decisão em manter todas as condenações, o acórdão destacou dois fatos considerados pela Câmara como "intrigantes", que, "se não fazem prova contra as recorrentes, não podem passar despercebidos na contextualização dos fatos". O primeiro, ressaltado também pelo juízo da VT de Dracena, é que "não é razoável crer que 45 homens desempregados tenham viajado cerca de 1.400 quilômetros de ônibus para uma cidade em outro estado, inclusive arcando com os custos de transporte e alimentação, sem que lhes houvesse a promessa de emprego e alojamento". O segundo, também considerado "estranho" pela Câmara, é o fato de que, após a usina realizar entrevistas com 15 candidatos (todos indicados pela mesma pessoa) e constatar que todos informaram estar na cidade há dois anos e que possuíam Carteira de Trabalho e Previdência Social emitida em Minas Gerais, não contratá-los por entender que havia "alguma coisa errada com esse pessoal", afirmando ter notado "a existência de fortes indícios de que se tratava de mão de obra migrante e que estavam ilegalmente nessa condição". A decisão colegiada estanhou o fato de, mesmo nesse contexto, a reclamada não ter tomado nenhuma providência em relação ao recrutador, nem ter feito comunicação dos fatos ao Ministério Público do Trabalho, "até mesmo no intuito de resguardar seus interesses", concluiu a Câmara. (Processo 0000584-26.2010.5.15.0050)

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