Conhecimento e música marcam palestra do professor Bezerra Leite na Escola Judicial da 15a Região

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Por Ademar Lopes Junior

 

A "Aplicação dos Princípios Jurídicos no Direito do Trabalho" foi o tema da palestra ministrada pelo desembargador do TRT da 17ª Região (ES) Carlos Henrique Bezerra Leite, na Escola Judicial do TRT-15, na manhã desta sexta-feira (31/8). A exposição, que teve transmissão simultânea via internet, foi dirigida a magistrados, servidores e estagiários do Regional sediado em Campinas e reuniu cerca de 98 pessoas no Auditório 1 da Escola, sendo 19 magistrados e 79 servidores e estagiários. Dentre os desembargadores presentes, participaram o diretor e a vice-diretora da Escola, Samuel Hugo Lima e Tereza Aparecida Asta Gemignani, que integraram a Mesa de Honra ao lado do palestrante, e também os desembargadores Edmundo Fraga Lopes, Luiz José Dezena da Silva e Claudinei Zapata Marques.

 

O diretor Samuel abriu o evento ressaltando a importância do tema, especialmente num momento em que os magistrados são "pressionados pelas metas para prestar serviços aos jurisdicionados cada vez com mais rapidez". Segundo o diretor da Escola, a saída mais simples ainda é a interpretação literal e as súmulas, em detrimento dos princípios. À vice-diretora Tereza Asta coube apresentar o palestrante, seu confrade na Academia Nacional de Direito do Trabalho. Carlos Henrique Bezerra Leite também é doutor e mestre em Direito pela PUC-SP e professor associado de Direitos Humanos e Processo do Trabalho da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

 

Em quase duas horas de palestra, o professor usou de bom humor e até de algumas canções da MPB para expor e entreter os participantes. Dentre as músicas cantadas pelo próprio desembargador, constaram Guerreiro menino, de Fagner, Não olhe para trás, do grupo Capital Inicial, Que país é esse?, do Legião Urbana, Como uma onda, de Lulu Santos, e Céu azul, de Charlie Brown Jr.

 

 

Os princípios

Antes de abordar os princípios jurídicos e sua aplicação no Direito do Trabalho, o professor Bezerra Leite fez alguns questionamentos ao público, tais como: "Os direitos sociais dos trabalhadores são direitos humanos ou fundamentais?", "que se entende por constitucionalização do Direito do Trabalho?", "quais são os princípios fundamentais e específicos que norteiam o Direito do Trabalho?", "qual é o novo conceito de Direito do Trabalho e quais os seus objetivos?" e "como resolver o problema da hierarquia das fontes à luz dos princípios constitucionais fundamentais e específicos do Direito do Trabalho?".

 

O palestrante, ao longo de toda a sua explanação, buscou reduzir o que ele mesmo afirmou ser um "enorme abismo" entre o que se estuda nas faculdades de Direito e o que se vive na prática. Os direitos humanos, por exemplo – Bezerra Leite lembrou que o termo divide opiniões até mesmo dentro do Direito e chega a suscitar opiniões preconceituosas ("direitos humanos é coisa de bandido"). A expressão é evitada pelas editoras no título de livros, porque, segundo os profissionais desse mercado, "não vende", afirmou o desembargador. "Melhor mudar para ‘direitos fundamentais', dizem os editores", complementou Bezerra.

 

Os princípios, contudo, têm berço na Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento que poucos leram na íntegra nos cursos jurídicos, mas que proporcionou o patamar civilizatório mínimo para o homem moderno, avalia o palestrante. Ele destacou a importância das três dimensões dos direitos humanos, que vão da "exaltação do indivíduo e suas liberdades civis e políticas (direitos de liberdade, igualdade formal – propriedade absoluta), passando pelos direitos sociais, econômicos e culturais (direitos de igualdade substancial – função social da propriedade) e chegando aos direitos globais, direitos metaindividuais (direitos de solidariedade, direito à diferença, ações afirmativas – função socioambiental da propriedade)". Apesar da teoria, o professor afirmou que "ainda nem chegamos a conquistar os direitos previstos na primeira dimensão". Em parte, Bezerra Leite responsabilizou a própria cultura brasileira, uma "democracia tardia", pelo avanço pouco expressivo dos direitos humanos no País. A própria CLT, segundo o professor, ainda contempla termos como "admissão" ou "dispensa" do empregado, pouco simpáticos do ponto de vista dos direitos humanos. Mesmo o "direito potestativo" do empregador, segundo afirma o palestrante, deveria exigir reflexão num viés mais social.

 

O professor ressaltou a necessidade de se entender os direitos humanos como um todo. "Os direitos humanos são todos indivisíveis, e nenhum é superior a outro, sendo todos necessários para se viver." A universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relacionalidade, características dos direitos humanos, observou o professor, estão contempladas no item 5º da Parte I da Declaração e Programa de Ação adotada pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos das Nações Unidas (Viena, 1993): "Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados".

 

O professor salientou, com isso, o caráter protetivo do Direito, a par de outros, como o regulador, e destacou o Código de Defesa do Consumidor como um marco no Brasil, por ter despertado os operadores do Direito, no entendimento de Bezerra Leite, para discussões sobre os direitos humanos em âmbito infraconstitucional.

 

Os direitos fundamentais

 

Dentre os direitos fundamentais elencados pelo professor, que também foi procurador regional do Ministério Público do Trabalho no Espírito Santo, está o "direito ao trabalho digno", que, além de direito humano, é também direito fundamental, positivado na Constituição Federal (CF), sustentou o desembargador. Ora como princípio (e valor) fundamental do Estado Democrático de Direito (CF, artigo 1º, incisos II, III e IV), ora como direito social (CF, artigos 6º e 7º), o direito ao trabalho se encontra respaldado pela Carta Magna e ainda se apresenta "como valor fundante da ordem econômica, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, dentre outros, o princípio da busca do pleno emprego (CF, artigo 170, inciso VIII)", ressaltou o magistrado.

 

O professor abordou também o objeto do Direito Constitucional do Trabalho, que visa à "construção e manutenção dos pressupostos elementares de uma vida na liberdade, na igualdade, na solidariedade e na dignidade humana, e à promoção do bem de todos, sem discriminação por motivos como raça, cor, sexo, idade, estado civil, origem etc.".

 

Conclusão

O desembargador Carlos Henrique Bezerra Leite concluiu sua explanação abordando tópicos como a nova hermenêutica do Direito. Ele afirmou que "a legislação deve ser compreendida a partir dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais (filtragem constitucional)". Também apontou os novos deveres do juiz, bem como a ampliação dos seus poderes (ativismo judicial), lembrando que, ao magistrado, cabe "interpretar a lei de acordo com a Constituição e controlar a constitucionalidade da lei, especialmente atribuindo-lhe novo sentido para evitar a declaração de inconstitucionalidade".

 

O professor falou, por fim, dos princípios constitucionais específicos do Direito do Trabalho e das violações desses princípios, que, segundo Bezerra Leite, são corriqueiras. Dentre os princípios, o professor elencou a fonte normativa mais favorável ao trabalhador; a proteção à relação de emprego, ao salário, ao meio ambiente do trabalho e ao mercado de trabalho da mulher; a proibição ao trabalho infantil e à exploração do trabalho do adolescente, bem como à discriminação; e o reconhecimento das convenções e acordos coletivos. Dentre as violações, o palestrante relacionou, entre outras, o trabalho escravo, a exploração do trabalho infantojuvenil e do trabalho indígena, a degradação ao meio ambiente do trabalho e as discriminações por motivo de gênero, raça, cor, sexo, idade e religião, além da discriminação que tem origem nas chamadas "listas negras".

 

Bezerra Leite afirmou que, "para implementar a concretude dos direitos humanos, em especial os direitos sociais trabalhistas, é condição necessária exigir do Estado e de seus agentes, bem como da sociedade, especialmente dos empresários mais ricos e poderosos, o respeito à democracia e aos princípios e objetivos fundamentais da República". E acrescentou que, "enquanto existir um direito humano desrespeitado, não haverá liberdade, igualdade, paz e democracia para as presentes e futuras gerações".

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